Bento Domingues - Triplo II: O blog do TriploV - Revista TriploV de Artes, Religiões e Ciências
 
 
 
 
 
 

 

BENTO DOMINGUES, op 

Católicos não cristãos

 

Bento Domingues. Frade da Ordem dos Dominicanos, teólogo, professor e escritor.

 

1. Não forjei este título, algo paradoxal, mas que exprime um fenómeno tristemente actual. Não designa os cristãos não católicos. Os membros das Igrejas protestantes, anglicanas e ortodoxas consideram-se e chamam-se cristãos. Quando dizemos que não são católicos é para significar que não estão em plena comunhão com o bispo de Roma, embora essas Igrejas também se considerem católicas.

Que se entende aqui por católico não cristão? Para o teólogo Martín G. Ballester, de quem recebi esta designação, trata-se de alguém que se atribui o título de católico de forma excludente. Considera-se a medida do verdadeiro católico e só pode ser católico quem fôr como ele. Católico é o seu pronto-a-vestir.

Segundo Ballester, esses católicos costumam ser beligerantes. Reforçam a sua identidade na condenação do outro, isto é, naquilo que os separa. Procuram inimigos seja onde fôr, pois o que lhes dá vida é precisamente o inimigo. Além de beligerantes são intransigentes, incapazes de reconhecer algo de bom em quem não pensa como eles.

Este é o retrato do católico fundamentalista, sectário, em contradição com a própria palavra católico, que significa universal, resultado de uma ruptura com a situação vivida na igreja dos começos, desde a crise helenista, descrita pelos Actos dos Apóstolos, que levou à morte o diácono Estevão (Act. 7-15). Foi neste contexto de universalização que, em Antioquia, os discípulos receberam, pela primeira vez, o nome de cristãos (Act. 11, 25-26).

2. Jesus era judeu e os seus discípulos também. Teve alguns contactos, especialmente com estrangeiras, que o encheram de espanto, mas não foi um homem viajado como, por exemplo, S. Paulo. Abriu, no entanto, um caminho universalista no interior do seu povo. Não via o mundo a partir dos detentores do poder económico, político e religioso, mas a partir dos excluídos de todas essas formas de poder.

É esta a razão da recusa em aceitar que lhe chamassem Messias, Cristo. Só foi possível e necessário que os primeiros escritos da igreja o designassem assim – Jesus Cristo – porque a palavra, devido à prática histórica de Jesus de Nazaré, tinha mudado radicalmente de sentido. Nesse comportamento, essa designação deixou de pertencer ao vocabulário do poder e passou a significar serviço, generosidade extrema, vida dada.

São cristãos os que não se servem da Igreja para ter poder. É curioso notar que foram as mulheres, que nada pediram a Jesus – e que, durante o seu processo de condenação, nunca o abandonaram –, que ele encarregou de evangelizar os discípulos, isto é, de o seguirem só pela mística do serviço.

3. Ao que parece, o Papa Francisco criou mais um problema no Vaticano. Com a sua mania de ver o mundo a partir dos pobres e excluídos – dizem que ainda não descobriu que, na Igreja, as mulheres são as mais excluídas – ressuscitou a Teologia da Libertação, com décadas de suspeitas e repetidas censuras. Noticiários e comentários lamentam que ele não compreenda que a hora é do triunfo do capitalismo. Ao receber Frei Gustavo Gutiérrez, um dominicano peruano, considerado o pai da Teologia da Libertação, estaria a ser vítima de um comportamento regressivo. Julgava-se que esse método teológico estivesse para sempre enterrado e, com mais algum tempo, poderia merecer, quando muito, uma nota de roda pé nos tratados e manuais dos seminários e faculdades de teologia.

O Arcebispo de Lima e Primado do Perú, o Cardeal Juan Luis Cipriani, ao saber do encontro do Papa com Gustavo Gutiérrez, manifestou, numa radiomensagem, a sua indignação. Tinha exigido a este teólogo que rectificasse temas que continuam pendentes. Pelos vistos, esse dominicano preferiu outras companhias, o que é irritante.

O Arcebispo Gerhard Müller, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé – nomeado por Bento XVI – acaba de fazer coincidir a publicação de uma obra, assinada por ele e por Gutiérrez, com o encontro do Papa com este teólogo maldito que, em declarações para o Vatican Insider, assinala que este Papa lhe faz lembrar João XXIII. O “que lhe interessa é o Evangelho, não exatamente uma teologia, no máximo uma teologia próxima da Teologia da Libertação. Falar da importância do pobre, do compromisso, da solidariedade com os pobres... isso é do Evangelho! E o Papa, no seu modo de actuar, manifesta-se muito evangélico”.

O referido Cardeal de Lima, J. Luis Cipriani, não aguenta o que aconteceu: “estou a ver que isto parece uma nova primavera de Gustavo Gutiérrez”.

Não está só. Igor Alexandre explicita a indignação de muitos: “uma múmia inca ressuscita artificialmente para afugentar os vivos. Gustavo Gutiérrez malvado, emissário do passado escabroso e marxistoide, regressa para se vingar dos que permaneceram fiéis à doutrina. Será evolução? Nenhuma. É só uma mudança de pele como os ofídios. Do grandote «tentón» Müller, um luterano até à medula, nada há a estranhar. Onde se juntam os abutres, aí esta o morto. (…) Avizinha-se um conluio de demónios teólogos da libertação”.

Gustavo Gutiérrez não gosta que lhe chamem o pai da Teologia da Libertação: “gostaria de ser conhecido como um daqueles que contribuiu para a libertação da Teologia”. Ao Papa Francisco ninguém vai exigir que se torne o teólogo que nunca foi, mas é normal que contribua para que as práticas de Teologia vivam em liberdade e paz na Igreja.

 

 

   
   
 
  Público, 22.09.2013
   
 

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