O grito do arpoador fez com que os tripulantes abandonassem seus postos. A escuridão era tão grande neste momento, que, ansioso, imaginava o que teria visto o arpoador.
Ned Land estava certo. Todos puderam ver o objeto que ele nos apontava.
A uma distância de duzentas e quarenta braças, a estibordo do Abraham Lincoln a superfície do mar parecia iluminada. Era apenas um fenômeno de fosforescência e não podia haver dúvida quanto à sua origem. Era o monstro que estávamos procurando há tanto tempo, que projetava aquele halo fortíssimo, embora inexplicável. Essa radiação devia ser produzida por um agente de grande potência luminosa. A parte iluminada formava sobre o mar um grande oval muito extenso, em cujo centro se condensava um foco incandescente, cujo brilho irresistível extinguia-se aos poucos.
- Trata-se de um conjunto de moléculas fosforescentes - disse um oficial da fragata.
- Não estou de acordo com o senhor - objetei inteiramente convicto. - Não existe peixe ou molusco que possa emitir uma luz tão intensa. Esse esplendor é de natureza essencialmente elétrica. Veja bem. Está se movendo agora em nossa direção. Cuidado!
Ergueu-se na fragata um clamor.
- Silêncio - ordenou o comandante Farragut.
- A barlavento! Retroceder!
Os marinheiros trataram de cumprir as ordens de seu capitão. A Abraham Lincoln virou para bombordo e descreveu um semicírculo.
- Para a frente! Avante! - gritou o capitão.
A fragata tentou afastar-se do foco luminoso. Digo que tentou, porque aquele animal sobrenatural perseguiu-nos com o dobro da velocidade do navio.
Todos estavam mudos e permaneciam imóveis de espanto. O animal encurtou a distância, rodeou a fragata, que navegava a quatorze nós, e a envolveu em sua luz. Feito isso, afastou-se cerca de três milhas, deixando atrás de si um rastro luminoso. De repente, o monstro avançou em direção à fragata com surpreendente velocidade, parou a vinte pés dos cabos do navio, apagou a luz e submergiu, tornando a ressurgir logo depois do outro lado do navio, como se tivesse passado sob o seu casco. Era iminente um choque. Estava assombrado com as manobras efetuadas pela Abraham Lincoln. A embarcação não atacava, apenas se defendia. Era perseguida, quando devia ser a perseguidora. Fez-se essa observação ao comandante Farragut. Este, impassível como sempre, não demonstrou o menor embaraço.
- Devo dizer-lhe, senhor Aronnax, que não sei o que é o meu oponente. Não desejo arriscar a minha fragata no meio da escuridão. O senhor deve compreender que não posso atacar um inimigo que não conheço. Esperemos o dia clarear, e então saberemos como agir.
- O senhor sabe que animal é esse?
- Não há dúvida de que se trata de um narval gigante. Porém, devo confessar-lhe que é elétrico e diferente de tudo o que se conhece até o momento.
Estas foram às palavras do capitão e acho que não estavam longe da verdade.
A tripulação ficou acordada a noite toda. Ninguém pensou em dormir. Não podendo a fragata competir com a velocidade do narval, diminuiu sua marcha.
Por sua vez, o narval agiu da mesma forma e ficou à mercê das ondas, embora não abandonasse o local.
O narval desapareceu à meia noite, isto é, apagou-se como o faria um enorme objeto luminoso. Teria fugido? Ninguém poderia dizer. Porém, faltando sete minutos para uma hora da manhã, ouviu-se um silvo ensurdecedor, como se fosse um jato d'água lançado com grande ímpeto.
O comandante Farragut, o arpoador Ned e eu estávamos no tombadilho e ouvimos o silvo. Olhamos, então, através da escuridão que nos impedia de distinguir os objetos.
- Já ouviu alguma vez o bufo das baleias? - perguntou o capitão ao arpoador.
- Muitas vezes, meu comandante, e posso garantir-lhe que o resfolegar da baleia não se parece com o bufo desse monstro, cujo encontro fez-me ganhar dois mil dólares.
- Faz bem em lembrar-me, Ned. Tem direito ao prêmio. Porém, diga-me se este silvo não é o mesmo que os cetáceos fazem quando lançam água pelas narinas.
- Bem, é um tanto parecido. Porém, acho que este é muito mais forte. Não posso enganar-me. O animal que vimos é um cetáceo e com sua permissão, meu comandante, concordará comigo ao amanhecer, quando então poderemos vê-lo e nos aproximar dele.
- Mas, para isso - observou o capitão - precisará de uma baleeira.
- De fato, meu comandante.
- E com isso arriscarei a vida de minha tripulação.
- E a minha também! - respondeu o arpoador.
Seriam duas horas da manhã quando surgiu novamente o foco luminoso, cinco milhas a barlavento da Abraham Lincoln. Apesar dessa distância, percebia-se claramente as rabanadas do monstro e a sua respiração arquejante.
Toda a tripulação da fragata ficou em estado de alerta até o amanhecer, preparando-se para a caçada. Os aparelhos de pesca foram colocados ao longo do parapeito do navio. Um dos oficiais ordenou a carga de uma espécie de trabuco, que lançava um arpão a uma milha de distância, e várias lançadeiras com balas explosivas, cujo ferimento é mortal até para os animais mais resistentes. Ned Land começou a afiar o arpão, disposto a atacar quando a ocasião fosse mais propícia. Às seis horas, o dia começou a clarear e com os primeiros reflexos da aurora, iam desaparecendo as radiações elétricas do narval. Uma hora depois, uma densa neblina escondia totalmente o horizonte, impedindo a visibilidade. Era um contratempo com o qual não havíamos contado.
Subi pelo mastro da mezena. Vários oficiais já se encontravam no topo dele.
Às oito horas, o céu começou a clarear e a neblina foi se dissipando aos poucos. De repente, ouvimos a voz de Ned Land:
- A bombordo! Ali está ele!
De fato, o estranho animal localizava-se a uma milha e meia de distância. Sua cauda agitava-se com força e causava um grande redemoinho. Um sulco branco assinalava a passagem do monstro entre as ondas.
O navio se aproximou do cetáceo e, então, pude examiná-lo. As referências feitas pelo Shannon e o Helvetia haviam exagerado um pouco o seu tamanho, pois calculei que devia medir cerca de duzentos pés. Era difícil vê-lo inteiramente, porém pareceu-me bem proporcionado.
Enquanto observava o monstro, brotaram de seus orifícios dois jatos de água que se ergueram a quarenta metros de altura.
Os marinheiros aguardavam ansiosos as ordens do capitão. Este, depois de algum tempo de observação, chamou o maquinista.
- Temos pressão suficiente? - perguntou.
- Sim, meu comandante.
- Muito bem. Então ponha as caldeiras a todo vapor.
A ordem do capitão foi recebida com entusiasmo. Havia começado o que os marinheiros chamam de "desempacho de combate". Logo depois, as duas chaminés da fragata expeliam abundantes fumaça negras e o convés tremia sobre o trepidar das caldeiras.
A Abraham Lincoln dirigiu-se, sem hesitar, em direção ao animal. Este a deixou aproximar-se até sessenta braças; a seguir desviou-se e manteve-se à distância.
A perseguição estendeu-se durante quase uma hora sem que a fragata conseguisse alcançar o monstro.
O comandante Farragut não escondia a sua contrariedade. Tornou a chamar o maquinista e perguntou-lhe com voz alterada:
- Já alcançamos a pressão máxima?
- Sim, meu comandante.
- Qual é a carga máxima das válvulas?
- Seis atmosferas, senhor.
- Pois, carregue-as com dez. Vamos! O que está esperando?
- É que... - disse o maquinista indeciso.
- É uma ordem - berrou o capitão.
O maquinista afastou-se sem maiores objeções. Eu, que havia ouvido a ordem do capitão, disse a Conselho:
- Advirto-lhe, meu caro amigo, que talvez voemos pelos ares.
- Que Deus nos livre! - respondeu Conselho com ar resignado.
Entretanto, não estava assustado com tudo aquilo. Parecia-me mais uma aventura do que um perigo mortal.
As válvulas foram carregadas e os fornos ficaram abarrotados de carvão. A velocidade da fragata aumentou; os mastros tremeram e grande quantidade de fumaça era expelida pelas chaminés, que eram muito estreitas para dar vazão à saída do vapor.
- Quanto marca a barquilha agora, timoneiro? - perguntou o comandante Farragut.
- Dezessete milhas e três décimos, meu comandante.
- Aumentem o fogo!
Estava radiante. A perseguição começava a tornar-se emocionante, excedendo o normal. Ned Land achava-se a postos brandindo o arpão, porém indiferente a tudo, como se estivesse em segundo plano.
Várias vezes pareceu estarmos a ponto de alcançar o monstro.
- Já é nosso! Já é nosso! - gritavam os marinheiros. Porém, no instante em que nos dispúnhamos a atacá-lo, o cetáceo escapava com uma rapidez que na certa ultrapassava trinta milhas por hora. Era inacreditável o que víamos. Ao meio-dia, achávamo-nos à mesma distância do monstro que as oito da manhã. Tinha sido tudo inútil.
O comandante Farragut estava furioso e resolveu utilizar meios mais eficazes.
- Como é possível que este animal corra mais que a minha fragata? Pois bem! Se não há outro jeito, utilizarei balas cônicas. Artilheiro, use a peça da proa!
O canhão do castelinho foi carregado e apontado para o seu alvo. Foi feito um disparo e o projétil passou a alguns pés acima do animal, que estava à distância de meia milha.
- Que se use outro artilheiro - gritou o capitão. - Quinhentos dólares de prêmio se conseguir atingir esse animal endemoniado!
Um artilheiro veterano, de barbas brancas, olhar tranqüilo e fisionomia impassível aproximou-se do canhão de tiro e apontou durante longo tempo.
A bala acertou o alvo, porém resvalou sobre a superfície do animal e foi perder-se mar adentro.
- Mas, como é possível? - comentou o velho artilheiro. Esse miserável deve possuir uma blindagem de seis polegadas. Não estou entendendo nada...
- Maldito! - exclamou o comandante Farragut assombrado.
Reiniciou-se a perseguição, e o capitão me disse:
- Não deixarei que este animal nos escape novamente. Hei de exterminá-lo ainda que a minha fragata salte em pedaços.
- Acredito, capitão, e o senhor faz bem. Não podemos voltar atrás.
Caiu à noite e tivemos que suspender a emocionante perseguição. Pensei que a escuridão noturna possibilitasse a fuga do animal e que não voltaríamos a vê-lo. Porém estava completamente enganado.
As dez da noite, observamos alguns reflexos de luz, a três milhas a barlavento do navio. Provinha do narval e eram tão transparentes e intensos como os da noite anterior.
O estranho animal parecia estar completamente imóvel. Talvez estivesse dormindo e se deixava embalar pelas ondas. O comandante Ferragut não quis perder a oportunidade que se lhe apresentava. Era o momento mais favorável para atacar. Deu as ordens necessárias, e a fragata, mantida a pressão baixa, avançou com cuidado para não despertar o inimigo. Não é raro encontrar, em pleno oceano, baleias dormindo profundamente, que podem ser atacadas com êxito. Ned Land havia arpoado mais de uma baleia nessas mesmas condições.
O canadense voltou ao seu posto.
A Abraham Lincoln aproximou-se sem ser notada, e parou a dois cabos de distância do narval e, a seguir, deixou-se levar pelo impulso adquirido. Toda a tripulação conteve a respiração. Aproximava-se o momento decisivo no qual veríamos recompensados todos os nossos esforços. Já estávamos a menos de cem pés do ponto luminoso.
Encontrava-me inclinado sobre o parapeito do castelo de proa e via na parte inferior o canadense, segurando com uma das mãos o seu terrível arpão. Estávamos a apenas vinte pés do animal, que continuava imóvel, totalmente alheio aos nossos movimentos ofensivos.
Meus olhos não se apartavam de Ned Land, que permanecia impassível. De repente, se braço se estendeu violentamente, lançando o arpão. Do local onde me encontrava, percebi o choque produzido pela arma que pareceu bater contra um corpo duro.
O foco elétrico extinguiu-se de repente e simultaneamente caíram sobre nós duas enormes trombas d'água, que varreram o convés de popa a proa, derrubando todos os aparelhos.
Não percebi nada. Só sei que fui atirado por cima do parapeito e, sem ter tempo de agarrar-me, caí no mar.
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