O HOMEM MASCARADO – Bonne chance, meu poeta! Creio que estejas apaixonado, também eu estou. (Procura arrastar a companheira)
A MULHER MASCARADA – Obrigado, Pierrot. Apesar de tudo os teus versos são lindos! Sê feliz. E boa sorte aos vossos meninos...
(Atira-lhe um beijo com a ponta dos dedos. Fogem ambos pela direita)
PIERROT (volta-se para Columbina, reata no tom interrompido) – Já escrevo mecanicamente, posso sonhar enquanto escrevo datas e fórnulas. Tenho sonhado tudo! tudo: Ser bailarino excêntrico, assombrar o mundo com o meu génio; fugir para um deserto; cometer o mais espantoso dos crimes; fazer-me chefe duma tribo selvagem; viver de imundícies em Paris; encontrar fabulosos tesoiros; descobrir o elixir da longa vida; atirar a repartição pelos ares... A imaginação de quem vive só, Columbina, é um mundo terrível! O tédio um monstruoso conselheiro. Vivo só com o meu tédio... e a minha imaginação...
MEFISTÓFELES – Permites que me sente, Columbina? Pierrot está sendo um pouco pesado.
COLUMBINA – Por que não...?
(Mefistófeles pega de uma cadeira, senta-se, cruza as pernas e os braços.)
PIERROT – Achas que posso continuar?
COLUMBINA – Ainda me não enfadaste.
PIERROT – Se ao menos tivesse génio...! Mas só tenho um amável talento. Sonho coisas medonhas, e faço versos bonitos. E nada do que sonho impede a regularidade da minha vida. Já disse que sou um funcionário modelo...
MEFISTÓFELES (com uma ligeiríssima vénia) – Um bom actor, vamos lá.
PIERROT – Um funcionário modelo. Por isso os meus colegas me julgam ainda mais idiota do que eles. Diante dos homens doutra esfera, sinto-me profundamente humilhado: um amanuense! e respeitoso, nulo, tímido, serviçal... Como repararão em mim? Columbina! foi preciso mascarar-me para dizer estas coisas uma vez na vida. Porque nunca se viu um nulo tão orgulhoso. Ah, se o senhor Barroso soubesse!... se o senhor Vidigal sonhasse!... O orgulho cresce na solidão como certas plantas na sombra; alimenta-se da própria humilhação...
MEFISTÓFELES – Estou a ver que também és um aforista. Deves começar a coleccionar as tuas máximas.
COLUMBINA – Sabes, Mefistófeles, que as tuas ironias são banais? (Volta-se para Pierrot.) Como conseguiste... ser hoje convidado?