ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA
Guerras do Alecrim e da Manjerona

Cena III

(Entram Dom Fuas, Dom Gilvaz e Semicúpio vestidos de mulher com mantos)

Semicúpio: Senhor, esta industria nos valha que, para sair, sempre foi boa uma saia.

Dom Gilvaz: (à parte). Quem serve a Cupido, não é muito que se afemine.

Dom Fuas: (à parte). Até nisto mostra o amor que é covarde.

Dom Lancerote: Que mulheres são essas, que saem da nossa alcova?

Dona Clóris: (à parte). Estou tremendo ano se descubra a tramóia.

Semicúpio: Senhor Dom Tibúrcio, as mulheres honradas, como eu, se não tratam desta sorte.

Dom Tibúrcio: Senhora, vossa mercê vem enganada.

Dom Lancerote: Que é isto, sobrinho?

Dom Tibúrcio: Eu o não sei em minha consciência.

Dom Lancerote: Senhoras, como entrastes nesta casa?

Semicúpio: Este senhor sobrinho de vossa mercê merecia que lhe dessem duas facadas, pois sem alma, nem consciência, depois de o introduzir na minha casa, para casar com uma de minhas filhas, que vossa mercê aqui vê, teve tais ardis que enganou a ambas, e de ambas triunfou; e para mais penas sentir esta madrugada, nos mandou viéssemos e esta casa, que disse era sua e no cabo sei que não é, e está para casar com uma sobrinha de vossa mercê. Ah, traidor, ladrão, não sei como te não esgadanho e te arranco essas goelas.

Dom Lancerote: É notável caso! Sobrinho desalmado, que é o que fizestes?

Dom Tibúrcio: Senhor, eu estou tolo de ver mentir esta mulher!

Dom Gilvaz: Ah, falso Dom Tibúrcio, o Céu me vingue de tuas falsidades.

Dom Fuas: Ainda nega o magano? Tal estou, que lhe arrancara estas barbas.

Semicúpio: Deixai, filhas, deixai, que ainda no Céu há raios e no inferno a caldeira de Pero Botelho para castigo de velhacos. Vamos, meninas. (Vão-se).

Dona Clóris: (à parte). Já estamos livres deste susto.

Dona Nize: (à parte). O criado vale um milhão.

Dom Lancerote: Senhor sobrinho, vossa mercê a tem feito como os seus narizes; basta, que vossa mercê é useiro e vezeiro a enganar moças?

Dom Tibúrcio: Senhor, eu não conheço tais mulheres.

Dom Lancerote: Se não tendes outra desculpa, essa não me satisfaz, e agora vejo que por isso dilatáveis o casar com vossas primas, fingindo irresoluções e regateando o dote.

Dom Tibúrcio: Senhor, permita Deus, que se eu...

Dom Lancerote: Não jureis falso; dizei-me, e tivestes atrevimento de meteres mulheres em casa, sem atenção ao decoro de vossas primas?

Dom Tibúrcio: Primas do meu coração, eu estou para enlouquecer, pois estou inocente...

Dona Clóris: Cale-se, tenha juízo; basta, que com esse feitio nos queria lograr?

Dona Nize: É o senhor sisudo, que não aprovava os ranchos de Alecrim e Manjerona!

Dom Tibúrcio: Ora basta, que diga eu que não conheço tais mulheres.

Dona Clóris: Cale-se, tonto.

Dona Nize: Cale-se, simples.

Dona Clóris: Basbaque.

Dona Nize: Insolente.

Ambas: Que? Agora casar? Aqui para trás. (vão-se).

Dom Tibúrcio: Senhor tio, dê-me atenção, senão desesperarei.

Canta Dom Lancerote a seguinte

Ária

Eis aqui: eu estou perdido,

Gasto feito, noiva pronta,

Porta aberta, e casa tonta;

Ah, sobrinho! Mas que digo?

Emprestai-me a vossa espada,

Que me quero degolar.

Oh prudência desgraçada,

Pois não faço uma salada

Por ninguém me ouvir gritar.

Dom Tibúrcio: Que isto a mim me suceda? Não há homem mais infeliz!

>>>Cena 4
Guerras do Alecrim e da Manjerona
 
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