ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA
Guerras do Alecrim e da Manjerona

Cena IV
(Entra Dona Nize)

Dona Nize: Que ruído é este, Fagundes?

Dom Fuas: Sinto, Senhora Dona Nize, que a primeira vez que me facilitais esta fortuna, me hospedeis com zelos.

Dona Nize: Nos sei que motivo haja para os haver.

Dom Fuas: Es senhor embuçado que aqui me vem seguindo, e diz que procura o mesmo que eu busco.

Dona Nize: Sabe ele porventura o que vós procurais?

Dom Fuas: Ele que diz que sim, certo é que o sabe.

Dona Nize: Senhor, vós acaso vindes aqui a meu respeito? (Para D.Gil).

Dom Gilvaz: (À parte) Nada hei de responder.

Dom Fuas: Quem cala consente: não averigüemos mais, Senhora Dona Nize, só sinto que a sua Manjerona admita enxertos de outras plantas.

Dona Nize: Esse é o pago que me dais, de admitir a vossa correspondência, de obrar este excesso a vosso respeito, e de me expor a este perigo por vossa causa?

Dom Fuas: Melhor fora desenganar-me que essa era a melhor fineza que vos podia merecer.

Dona Nize: Pois eu digo-vos que estou inocente, que não conheço este homem; e me parece que basta dize-lo, para me acreditares.

Dom Fuas: E bastava ver eu o contrário, para não acreditar essas desculpas.

Dona Nize: Pois visto isso, fiquemos como dantes.

Dom Fuas: De que sorte?

Dona Nize: Desta sorte.

Canta Dona Nize a seguinte

Ária

Suponha, senhor,

Que nunca me viu,

E que é o seu amor

Assim como a flor,

Que apenas nasceu,

E logo murchou.

Pois tanto me dá

De seu pretender,

Que firme suponho

Seria algum sonho,

Que pouco durou. (Vai-se).

Dom Fuas: Nize cruel, isto ainda é maior tirania; escutam-me. (Vai-se).

Fagundes: Vá lá dar-lhe satisfações que ela é bonita para essas graças. E vossa mercê, senhor rebuçado, a que sim quis profanar o sagrado desta casa?

Dom Gilvaz: a ver o bem que adoro.

Fagundes: Vossa mercê está zombando? Aqui não há quem possa ser amante de vossa mercê; pois bem vê o recato e honra desta casa.

Dom Gilvaz: Eu bem vejo o recato e honra desta casa. Que? Aquilo de subir um homem por uma anela, e ir-se para dentro atrás de uma mulher, não é nada?

Fagundes: Aquele homem é primo carnal da Senhora Dona Nize.

Dom Gilvaz: Pois eu também quero ser muito conjunto da Senhora Dona Clóris: ora faça-me o favor de a ir chamar.

Fagundes: Que diz? A Senhora Dona Clóris? Olha tu lá, Dona Clóris não te enganes; sim, a outra, que anda coberta de cilícios, jejuando a pão e água; tire daí o sentido, meu senhor.

Dom Gilvaz: Se a não dores chamar, a irei eu buscar.

Fagundes: Ai, senhor, vossa mercê tem alguma legião de diabos no corpo? E que remédio tenho senão chamá-la, antes que o homem faça alguma asneira, que ele tem cara de arremeter. (Vai-se).

Dom Gilvaz: Venha logo, que eu não posso esperar muito tempo. A velha queria corretagem: basta que lh'a dê Dom Fuas.

>>>Entra Dona Clóris

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