ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA
Guerras do Alecrim e da Manjerona

Cena II
(Entra Fagundes com um capote)

Fagundes: Eis ai o capote; se ele o babar, babado ficará.

Semicúpio: (à parte) Anda, tola, que não me babo.

Dom Lancerote: Tu, Sevadilha, tem sentido neste homem, enquanto jantamos; vinde, Sobrinho. (vai-se).

Dom Tibúrcio: Vamos, que tenho uma fome horrenda. (vai-se)

Dona Nize: É galante figura o tal meu primo. (vai-se).

Dona Clóris: Fagundes, agasalha esse alecrim. (vai-se).

Fagundes: Tanto me importa; se fora Manjerona, ainda, ainda. (vai-se).

Sevadilha: Só isto me faltava, ficar eu guardando a este defunto!

Semicúpio: Vejamos quem é esta Sevadilha, que ficou por minha enfermeira. Ai que suponho que é a menina do malmequer, que lá traz um no cabelo. Vamo-no erguendo, por ver se nos quer bem. (vai-se erguendo).

Sevadilha: Deite-se, deite-se. Ai, que o homem tem frenesis! Acudam cá.

Semicúpio: Cala-te, Sevadilha, não perturbes esta primeira ocasião de meu amor.

Sevadilha: Deixe-se estar coberto.

Semicúpio: Bem sei, que o calafrio de meu amor é tão grande, que se pode cobrir diante d'El-Rei; mas confesso-te que já não posso aturar o gravame deste capote.

Sevadilha: Ai, que o homem está louco, e furioso!

Semicúpio: A fúria com que te ausentas me faz enlouquecer; não fujas, Sevadilha, que eu sou aquele sujeito do malmequer, e tão sujeito aos teus impérios, que sou um criado de vossa mercê.

Sevadilha: Eu te arrenego, maldito homem! Tu és o desta manhã?

Semicúpio: Cuidavas que não havia saber modo para ver-te?

Sevadilha: Queres que vá chamar a Dona Clóris, ou Dona Nize?

Semicúpio: Logo irás chamar a Dona Clóris, mas primeiro atende à chama de meu amor que se o fogo tem línguas, e as paredes tem ouvidos, bem pode a dura parede de teu rigor escutar a labareda em que me abraso: muita coisinha te poderia eu dizer; porém a ocasião não é para isso.

Sevadilha: Nem eu estou para essoutro.

Semicúpio: Eu o dissera, que o teu malmequer não é para menos.

Sevadilha: Nem a tua pessoa é para mais.

Semicúpio: Pois isso é deveras? Olha, que desconfio.

Sevadilha: Bem aviada estou eu! Bom amante tenho! Bonito eras tu para aturar vinte anos de desprezos, como há muitos que aturam, levando com as janelas nos narizes, dormindo pelas escadas, aturando calmas, sofrendo geadas, apurando-se em Romances, dando descantes, feitos estátuas de amor no templo de Vênus, e contudo estão muito contentes da sua vida; e assim para que me buscas?

Semicúpio: Para que me desenganes, se me queres, ou não.

Sevadilha: Pergunta-o ao malmequer, que ele t'o dirá.

Semicúpio: Se eu o tivera, aqui, fizera esta experiência.

Sevadilha: E onde está o que eu te dei?

Semicúpio: Lá o tenho empapelado, que cuido que o ar m'o leva.

Sevadilha: Assim te leve o diabo.

Semicúpio: Levará que é muito capaz disso. Pois em que ficamos? Bem me queres, ou mal me queres?

Sevadilha: Apanha aquele malmequer, que está junto àquela porta, e pergunta-lho, que ele to dirá.

Semicúpio: Pois acaso nas folhas do malmequer, estão escritos os teus amores, ou os teus desdéns?

Sevadilha: Da mesma sorte que a buena dicha na palma da mão.

Semicúpio: Eu vou apanhar o dito malmequer. (vai-se)

Sevadilha: Quem me dera que ficasse em malmequer para o fazer andar à prática!

>>>Entra Semicúpio com um malmequer

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