.............A LINGUAGEM DAS AVES No século XIX, ainda se usava às vezes o latim nas descrições. Todos sabiam que em latim não há acentos. O caso mais vulgar de escrita híbrida envolve justamente a acentuação do latim. E é assim que nos aparecem nomes científicos macarronésios como Sáuria, Quelónia, Rana ibérica, Gobius bustamantéi, Stérnothaérus Bérbianus - em vez de Sternotherus Derbianus, cinco mutações num só nome. Estes animais são pequenas tartarugas africanas, cujo nome vulgar, em português, tanto pode ser Kagado como cagádo. Também deparamos com trechos completos de latim acentuado, em que a própria Península se macarroniza em Peninsulâ Ibericâ. Outra técnica de evidenciar a inconstância dos caracteres ocorre nos textos do ornitólogo Boyd Alexander, pessoa habituada a lidar com a cartografia, na sua qualidade de militar: num primeiro texto escreve, por exemplo, Apalis lopezi; no seguinte lança a espécie na sinonímia de Apalis lopesi. Estas aves e outras citou-as ele para Fernando Pó, ilha que se localiza no Golfo da Guiné, a umas centenas de quilómetros a norte do Equador. Alexander apresenta um mapa em que a ilha está do outro lado (do espelho das águas). O que por ele ficamos a saber é que Fernando Pó fica, e em letras garrafais, no South Atlantic Ocean. Algumas localidades são próprias do País das Maravilhas, como Banterbari (em inglês, terra dos jogos de linguagem; a localidade real é Bantabari), Balbeki (ou Heliópolis - havia duas cidades do Sol, uma na Síria e outra perto do Cairo), Bilelepi/Bilelipi, Besoso que também é Bososo, sem falar de Bakoki que é Bakaki, terra típica de várias espécies novas. Estes locais são imaginários. Em Cabo Verde, os ilhéus Raso e Branco mutou-os ele para Raza e Branca. Mensagem a reter: esta ilhas não fazem parte do mundo natural, sim do maravilhoso, o criado por esse ser de arte e cultura que é o Homem. Detectámos textos híbridos sobre espécies africanas, das Mascarenhas, Antilhas, ilhas do Atlântico, bacia do Mediterrâneo e Península Ibérica. Certas anomalias já vêm das campanhas napoleónicas, quando as pilhagens francesas inundaram o Museu de Paris e nele se gerou o caos. Mas nem todo o caos é natural. Alguns problemas, diz-se que de etiquetas trocadas, levaram cem anos a resolver. O Museu Britânico deve ter provocado parte desse caos. Em tempos remotos, na esfera da História Natural, as duas instituições que vemos confrontarem o seu poder científico são sobretudo estas duas. De forma indirecta, através de naturalistas influentes, são elas que lançam e patrocinam a Operação Salamandra. O contacto de Bocage no British Museum, em 1864, era o director, John Edward Gray, autor da descrição da família de salamandras americanas Plethodontidae, aquela a que a Chioglossa vai ser associada. Aliás, o autor da descrição da família Salamandridae também é Gray. No Muséum National dHistoire Naturelle de Paris estavam Paul Gervais e A. Duméril, correspondentes de Bocage. Em ciência como em literatura, nenhuma revista publica artigos que não sejam inéditos. O artigo de Bocage com a descrição da Chioglossa saiu simultaneamente em duas revistas, uma de Londres e outra de Paris. É tão intencional este gesto simbólico de duplicidade - os híbridos são duplos, fruto de cruzamento de seres pertencentes a dois grupos diferentes - que vai ao ponto de a estampa ter saído em ambas com o nº XXI. Na alquimia, o XXI representa o fim da Obra, momento em que se alcança o ouro. O ouro vai ser elemento simbólico importante nesta história. Não estamos porém a lidar com alquimistas propriamente ditos, sim com os pedreiros-livres. Os maçons conservaram a tradição dos alquimistas. Linguagem das aves é o nome do código secreto e da própria alquimia. É esse falar das aves que encontramos nas gralhas - conhecidas por serem tagarelas. O número 21 é redutível à trindade - 2+1=3. Isto pode aludir ao Filho, nascido do cruzamento entre progenitores de natureza muito diversa. Um deles é o Homem (Maria). Veremos animais que se juntam à fêmea para a ajudarem a parir, não na ribeira de uma serra, o que seria natural, sim no escadório do Bom Jesus, o que é hipernatural. Mas 3 é sobretudo o triângulo, símbolos básicos de qualquer ordem maçónica. XX é o código que identifica o par de cromossomas do sexo feminino. Os do masculino são XY. O código adoptado pela genética é ortográfico, recorre aos caracteres linguísticos. XXI identifica a primeira geração feminina de híbridos de um qualquer par progenitor. Se temos uns cientistas a criar híbridos e outros que não sabem disso, gera-se uma confrontação de poderes. Quem sabe, pode, e tem muita cautela com o que diz dos animais, para não pôr a sua reputação em risco; quem publica sem saber, depois fica impotente, pois a solução ideal era revelar a verdade, mas por enquanto ainda não conhecemos heróis. No caso português, em especial da Chioglossa, é fácil perceber que o conhecimento científico está controlado pela Universidade de Coimbra, e que o que se visa com a sabotagem é fragilizar o Poder central. O rei D. Carlos é conhecido oceanógrafo, muitos cientistas de mérito ocuparam altos cargos políticos. Estamos em presença de operações colectivas organizadas, a história da Chioglossa é a de uma conspiração. Se perguntarmos agora a que grupos se adaptam tais estratégias, logo surgem os carbonários. A Barraca Igualdade chegou a reunir na casa de aula do Jardim Botânico de Coimbra, pegada à antiga estufa (3). Em Lisboa, lugar de reunião era o Jardim de S. Pedro de Alcântara, perto da Politécnica. As senhas de entrada nas reuniões também se apresentam o mais possível florísticas, como Jasmim (4). As lojas carbonárias femininas eram os jardins; em Coimbra funcionou a dos Jardineiros, no meio universitário (5). A dada altura, a Guarda Municipal apropriou-se do Jardim Botânico do Porto, onde plantou um arsenal, couves e batatas. Supõe-se que esta medida só em máscara fosse de reforma agrária: o Jardim dava acesso ao quartel do Carmo, que se pretendia tomar na revolução do 31 de Janeiro de 1891. É interessante ver então quem eram e como agiram os criadores da República, até que espaços alargaram a corrosão anarquista. Ao criar, a ciência exibe-se como alto saber prático. Mas uma vez que a declaração de origem destas espécies não é apreendida pela ciência normal, esta actua como se fossem oriundas da selecção natural. Trabalhos que tratem raças como espécies não têm validade científica, o paradigma está orientado só para o natural. |