Sábado (1) Meu Caro Amigo Fui há poucos dias com o nosso Paulino ao lugar do Dianteiro. Matámos muitos pássaros entre os quais 4 exemplares do Anthius (2) campestris Brisson (3). Infelizmente só uma fêmea. Breve lá voltamos para o meu amigo ter um casal desta espécie da qual lhe dei um péssimo exemplar há tempos. Fomos ontem ao Paúl de S. Fagundo próximo à Geria. Apenas nos aproximámos ouvimos cantar pássaros e outras aves que nos eram estranhas. Andámos muito tempo em volta do Paúl aonde num choupo atirou o Manuel Paulino a um Parus que lhe pareceu ou antes afirma que era o Parus cyanus L. (4). O pássaro fugiu. Entrámos num barco de pesca e atravessámos os grossos juncais e canaviais - aquáticos. Navegámos aturdidos pelo (5) grasnar de muitos pássaros desconhecidos. Pudemos conhecer que eram muitas Calamoherpes turdoides (6). Com dificuldade matámos 4, e podíamos matar 20 se elas se deixassem descobrir. Julgámos primeiro que eram harundinacia (7), porém elas têm 20 centímetros de comprimento, quando a harundinacea tem 13. O canto destas turdoides é muito parecido com o grasnar dos sapos e rãs. Achámos apenas um ninho delas em princípio. O Paulino volta lá no domingo ou segunda-feira, e depois voltamos ambos por estes 8 dias. Todas as Calamoh. que matámos eram machos, porque o grasnar as denunciava; não morreram as fêmeas por serem ou estarem mudas. Sentimos piar os Galeirões e Rabiscoelhas. Vimos muitas luscinoides e matámos uma, Recebi a sua carta: não gostei de me dizer que o sapo cultripes macho está lá esperando pela fêmea, devia dizer os dois machos, um que lhe dei há tempos, e o outro com um mus rattus (10), que lhe levou o José Júlio. Recebeu-os? Brevemente receberá muitos girinos da Chyoglossa (11) e dois cultrypes (12) fêmeas, que lhe hão ser entregues por um médico que vai a Lisboa. Quanto a ninhos tenho apenas por ora um da Emberiza cia L. (13). Nada de B. igneus (14) por ora. Não me têm dado notícias do sapo dos juncos. Perguntei por ele no paúl, e não o conhecem. Não tem aparecido outra Emberiza hortulana. O António das Salamandras continua bem comigo. Andava ele esgotando muita água que se tinha juntado numa terra quando viu na corrente muitos girinos que me parece são da Chyoglosa (15) e que se pode afirmar pertencem a esta espécie. Quando vinham na água vi a todos barbatanas, porém depois que os deitei em aguardente não lhas posso distinguir. O meu amigo lhas achará com o auxílio de boas lentes. A água onde foram achados esteve muito tempo estagnada e por isso houve tempo de porem melhor os ovos e nascerem os girinos. Quero dizer que não vieram de outra parte para ali. Vieram muitas Chioglossas de Monte Redondo mas nada de novo. Próximo ao lugar do Dianteiro numas penedias há muitas Osgas. Veremos se são do G. Hemidactylus (16). Peço-lhe diga 2 coisas 1ª se a silvia que lá tem é a luscinoides ou a arundinacea (17). 2ª se recebeu o segundo cultripes que lhe mandei pelo José Júlio. Quando me responderá a estas duas perguntas? Seu Amigo do Coração Bicheiro-mor
(1) Respondido - manuscrito por Bocage, ao alto (2) Escrito Athius, e depois foi inserido um n sob o A e o t. (3) Anthus campestris - petinha-dos-campos. (4) Parus cyanus Pall. - chapim-de-cabeça-branca. (5) Redigido no plural. (6) Calamoherpe turdoides - Acrocephalus arundinaceus - Rouxinol-grande-dos-caniços. (Themido; Sacarrão & Soares). (7) Calamoherpe arundinacea = Acrocephalus arundinaceus. (8) Riscado o nome. Cettia. Locustella luscinioides. Felosa-unicolor. (9) Está tudo correcto. (10) Rattus rattus - ratazana. (11) Chioglossa. (12) cultripes, Pelobates. (13) Nome vulgar - cia. (14) Paulino de Oliveira (1931) diz de Bombinator igneus : "Nunca obtivemos em Portugal esta espécie, a-pesar-de nos terem asseverado que existe entre nós um sapo pequeno de abdómen vermelho. Em Espanha é também duvidosa a sua existência". (15) Chioglossa. (16) Hemidactylus turcicus, só redescoberto em Portugal em 1976, após 60 anos de ausência. Só se conheciam 3 exemplares, coligidos em 1916, embora tivesse havido uma citação de Boettger, em 1879, para a Serra de Monchique. Caetano et al.. Paulino de Oliveira (1931) escrevia, acerca desta osga: "Os exemplares que existem no Museu da Universidade foram-me mandados desta última localidade [Évora] pelo nosso amigo Visconde da Esperança. Muito rara." (17) A Calamoherpe=Cettia agora é Sylvia. As Sylvia são as toutinegras. Não descobrimos nenhuma Sylvia luscinoides nem arundinacea nas sinonímias.
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