Visão do anjo

 

 

 

 

 


JOSÉ EMÍLIO-NELSON


 José Emílio-Nelson é escritor e editor do CEJMS. Nasceu em  Espinho, 1948. Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Publicou poemas e ensaios em revistas literárias portuguesas e estrangeiras. Prepara a reunião da sua colaboração crítica em jornais e revistas literárias e ensaios sob o título: MAIS DO QUE LER.


Anjo Glorioso licencioso, anjo, em véu cuspido,

Degolado em todo o seu torso nodoso e cintilante.

(Deixar-se-á dentro do desarranjo, expirado.

Os dedos esfacelados dão-lhe um sino.)

Anjo de osso, ávido, de carbón, caído sobre si,

De excremento enferruja a harpa.

(Descarnado das penas alisadas.

Santo de auréola trabalhada à peça.)

Conduzido pelo êxtase num rosário.

Que a palidez da nuvem descende dos céus.

(Apressemo-nos, a brancura das suas lágrimas roçam as noviças

E os do coro, crianças, não faltam os castrados com a luz que não

lhe nega as feições, a vela apagada, a do velório, enche-o todo.)

(Anjo beatificado pela expectoração duma cruz usada à toa.)

Reluz a oração que sussurrou aquando da convulçãozinha. (Uma gotinha «de alma em alma», abençoada. O anjo aos soluços devaneia.)

E morre de morrer de rosas tersas.

Anjo, anjo, anjo (de inerte, colegial, anjo que cabe num trapo ou sudário engomado).

 


Revista Triplov

Setembro de 2024

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