Vinte e dois poemas

 

MANOEL TAVARES RODRIGUES-LEAL
Tributo
Org.: Luís de Barreiros Tavares


Breve nota – Este dossiê a Rimbaud constitui-se de três secções A primeira reúne o conjunto de vinte poemas em verso (entre 1975 e 1996). A segunda agrupa quatro poemas em prosa, ou textos em prosa poética, incluindo “Ars Poetica VIII”. Por fim, na terceira secção, podem ler-se as três cartas à amiga francesa Jocelyne Berrier, abordando Rimbaud. No total, vinte e nove textos de dezasseis cadernos (dois sem título), entre 1975 e 1996. Inéditos: treze poemas (três em prosa) e as três cartas.


Vinte e dois poemas, quatro prosas poéticas e três cartas de Manoel Tavares Rodrigues-Leal evocando e ecoando Jean-Arthur Rimbaud

I

Jean-Nicolas Arthur Rimbaud (Charleville, 20 de outubro de 1854 — Marselha, 10 de novembro de 1891)

Je est un autre
Jean-Arthur Rimbaud

Elle est retrouvée.
Quoi? – l’Éternité.
C’est la mer mêlée
Avec le soleil.
Jean-Arthur Rimbaud

Rimbaud é a viragem radical, é vertigem
Manoel T. R-Leal


 

1

O reino de Rimbaud
“Une Saison en Enfer”

Como conjugar o verbo divino e duplo com o uno,

o objecto inscrito com a mera descrição?

O livro reabre-se: é o nome nocturno de Rimbaud:

obscura habitação de beleza, sua paixão clandestina, rapto, repto.

Quem o invocou, nomeou as mãos decepadas do prazer, o uno dúplice e sua súplica.

Lx. 2–1–75 – caderno Limae Labor[1]

 

 2

Dir-te-ia que… agora… embora Pessoa, Rimbaud, Lautréamont, Eliot, Sappho. Dir-te-ia …

Gelado o lago cintila mas o instante amotinado é intemporal, destino e geometria.

Que o veloz e eloquente mapa de um corpo o dispersa e atraiçoa.

Acorda-se tudo e todos poucos loucos são recentes e riso e rosas, ó esplende Lisboa.

Lx. 16-3-76 – caderno Poemana[2]

 

3 

Castos sábados,

porém, não sábios. Afinal Rimbaud – Verlaine (o inominável amor

perverso como os versos que, iluminados, escreveram.

Nossa incomum solidão… talvez os vértices de um gelado triângulo…)

Alguém nos escutará em o estertor do aquático tempo?

E o rigor do amor ausente? Détruire dit-elle… e eu!

Meu Deus, que desígnio de fascinante jardim, em a infância, habitei?

Deus sentado, jogando exacto xadrez, visitou-me e em minha alma aleatória renasceu.

Inédito – Lx. 29-5-76 – caderno O Umbigo da Beleza[3]

 

4

O verdadeiro amor é herético,

subtil vinho, precoce veneno.

Recordo o vítreo retrato de Rimbaud – “Une Saison en Enfer” e seu repto,

seu coincidente reino de lucidez e timbre.

Meu amor, navego no inferno e não vislumbro tangível praia.

O amor vive do umbigo do vento, da claridade amena, não se escreve.

Quem escreve, finge

o amor que não vive, não se redime

do impuro crime de não amar amor cerce, e seus fingidos versos

são a ilusão visual do seu sofrimento.

Recordo talvez a beleza de Rimbaud – seu apelo

à pele do encontro inviolável, Rimbaud, meu mestre

de amor. Quem te ignora, ignora o inteligível e finge

o aparente timbre de um ausente: jaz luz virtual, cuja alva face me sequestre…

Inédito – Lx. 30-5-76 – caderno O Umbigo da Beleza

 

 5 

Dizias que Pessoa _ Artaud _ Rimbaud… Deus tantos outros.

Queimados na alquimia da palavra…

É tudo tão pouco o pouco que se vive com paixão e declínio…

Certo, uma razão ocidental, grega tradição, mas não coesa

esta loucura. Depois, depois

despojaste-te da mental alquimia e é inolvidável

o verbo, sua inocência inacessível. Ah o umbigo da obra

que é talvez erosão, Inverno. O que sobra

é manicómio, sedução, habitação, esquema de um amor esquecido. Dizias.

Sorri à antiga concepção de um poema, espuma de um instante. E esquecias…

Lx. 6-6-76 – caderno O Umbigo da Beleza[4]

 

6

Afinal também escreves

sexo sobre o meu corpo.

Talvez uma adolescente mundana,

ébrios beijos, tarde horizontal.

Os corpos não têm normas. Respiram rasos, tangem água

tão lírica que se entorna.

E é uma escrita telúrica que, eu que sou mero pastor

do pensamento, se acende de novo.

Só recordo porém, o que nuamente acordo.

Quando te dispo, discreto, uma rosa rubra surge,

e me deito sem paz. O que deixo intacto.

Rimbaud regressa… algures.

A tristeza também. Nas nuvens da noite, toda uma teoria

hedionda. Fútil, como os outros, bebo a bica banal

e é um incesto de possíveis poetas. E o uso de humanas metas não apetece…

Inédito – Lx. 10-6-76 – caderno O Umbigo da Beleza [5]

 

7

É um tempo neutro — dirias.

E o obsessivo retrato de Rimbaud…

Amiúde, ignoro o rigor com o que concordei.

E singelo gesto ergui, que tão-só sou

poeta assassinado, com o coração a que recorro.

Metáforas. Pensavas. E eu, depois, resvalava para a revelação,

isto é, o que vos não dou.

Lx. 5–7–76 – caderno Livro do Amador Nómada[6]

 

8

A dicção dos dias tem vertical importância:

desliza como vago rio que corre para a Foz,

e que festa apetece quando morre o que se supunha imortal.

Nada sei, Rimbaud morre em Marselha, e entre nós existe voz, conversa, alguém diria afastada da fonte,

e que importa a poetas malditos o que os outros, latente ou expressamente, ladram: é uma oceânica vogal talvez…

Lx. 9–7–76 – caderno Livro do Amador Nómada[7]

 

Manuscrito do poema 8

 

9

No interior da madrugada que mulher osculo eu?

Sua biografia em manuscritos iluminados? Não…

E o doce poente tinge-se de ignoradas rosas vermelhas…

E, em que amena enseada se me depara, singular ensejo?

Não sei, forjo sonho e fogo, fornico, mas enlouqueço

nas vogais invulgares que são teu corpo. Não te mereço, bem o sei, sequer um beijo

mulher mortal, altíssima tristeza. Pensando o que pensas, talvez envelheças

ainda mais. Minha taça de púbis pleno e volúpia, em que, moroso, adoeço, na esquecida dor de um beijo antigo…

Inédito – Lx. 9-7-76 – caderno Livro do Amador Nómada[8]

 

Rimbaud num jardim em Harar (Etiópia) – 1884

 

10

No terraço da vida, que amplidão me procura?

O navio naufraga, a inteligência (se inteligência…) desintegra-se religiosamente.

Só subsiste substantiva sensibilidade, idade de amar e de não ser amado. E não tem sutura.

Aborta em abismos, ritmos, visões oblíquas, iluminações humildes que humano não sente.

E furtivo Eros que dói de me sentir servo, e não tem razão senão rosa eloquente.

Amar-se é ser-se senhor e servo e, após amor, sexo cego, mas minha beleza não é presente, é futura,

e o for, porque só consinto eternidade no que sinto. O resto é ciúme, sexo de solidão e triste verdade, tristemente meu amor…

Inédito – Lx. 11-7-76 – caderno Livro do Amador Nómada[9]

 

11

Oh noite clandestina em que só o fogo de pensar

aquece alma e limbo ausente. Digo-me vertente loucura

e amigas são as palavras, apaixonadas por propagar

orgias de ideias, visões, iluminações: Rimbaud sabe sua sutura.

Mas dói o tempo tão temido de o vento ventar.

Sob a obscura boca que silêncio mede, na solidão naufragar, boca de poeta pura.

Lx. 8–8–76 — caderno No Reino de Eros[10]

 

Manuscrito do poema 11

 

12

Teu iluminado livro (re)abre-se ________ toda a idade de uma intimidade

e meu mais feroz engano ___________ adoeço, sou gente ajoelhada

O retrato de Rimbaud arde em o inferno (Uma época no) ____ e que maldita inocência

Vazo em versos este exílio ___ este devorante vazão ___ passeio num abandonado paço

Sussurro minha lira e obra de poeta ____ habitação de beleza, renúncia e este fingimento falso

Inédito – Lx. 11-8-76 – caderno No Reino de Eros

 

13 

Meu motivo é beleza

onde ébrio naufrago

omitido por dorso de seda

sento-me e num jardim gravo

inúteis rosas de amor amado…

Quanto mais me esqueço, mais me lembro

d’oiro e marfim, ásias de um tempo

no qual, qual Rimbaud, embarco.

Meu corpo chove pranto,

fingida poesia sedutora que muito afago….

Inédito – Lx. 12-8-76 – caderno No Reino de Eros

 

Manuscrito do poema 14

14

O retrato de Rimbaud oscila.

“Uma Época no Inferno” como a minha. São a imaginação latente do Inverno

e depois “Pierrot le Fou”, de Godard: assistimos

ao filme e é Rimbaud, a liberdade ilimitada de Rimbaud[11],

sofremos sismos.

E minha voz, nua, voou: é vida perene.

Ouço o violino de Paganini:

meu desejo o ergui, e algures o perdi.

Oh luxúria de Outono omitida: nas almas já neve.

O que, de perfil, me desista, quem o escreve?

E oscila o retrato que eu hei-de destruir.

Marselha, sua morte comovida, comovente… mas chove uma chuva de fingir…

Lx. 28–8–76 – de um caderno sem título[12]

 

Manuscrito do poema 15

 

15

Eis o retrato de Rimbaud, em Cintra, em 1977:

epitáfio para uma lapidar beleza, em a Pensão Bristol…

Ausente Verlaine; que cabeça de loucura busca Rimbaud, bruscamente belo,

precocemente falecido em Marselha, exorcizando Deus, solene ao mortal sê-lo…

Cintra [ortografia no manuscrito] — 6–2–77 – Caderno Do Ócio e Meditação em Cintra[13]

16

Eis a raríssima rosa da duplicidade: o homem e o mito o consomem, assim

como seu exílio e grito.

Eis que respiro renúncia e branda beleza… em que cismas silente? em que

espelho cúmplice me fito?

Cintra – 7–2–77 – caderno Do Ócio e Meditação em Cintra (IV. (re)aparição do poema)[14]

 

17

Sob o som vegetal da nudez,

(deslizando o comboio), relembro a metamorfose da morte de Rimbaud:

Eis a ilação de uma profusa e eloquente loucura!…

Abençoado seja Rimbaud pela sua comovida lição de nostalgia e brancura,

omnipotente lua de primordial unidade… Assim o acolho em meu regaço, e talvez

que Rimbaud, em mim, pessoal, ressoe.

Cintra — Lx. 8–2–77 – caderno Do Ócio e Meditação em Cintra[15]

 

18

Buscai o pensamento

chuva de oblíquo desejo

minha sede exacta.

.

Buscai Rimbaud

com seus manuscritos

e metamorfoses.

.

Buscai o chão vegetal das madrugadas insubmissas..

Lx. 15-6-78 – caderno Luz de Dezembro[16]

 

Manuscrito dos poemas 18 e 19

 

19

Buscai a usura do pensamento

oblíqua chuva de desejo

minha sede exacta.

.

Buscai Rimbaud

com a liturgia dos seus manuscritos

com a sua profusa metamorfose.

.

Buscai a vegetação rigorosa do chão das madrugadas..

Lx. 15-6-78 – 5-12-78 (data de revisão) – caderno Luz de Dezembro

20

A peregrinação do ser não é

invejável ____ os mortos

visitam-na como uma espiral

de inferno ____ não é Fernão

Mendes Pinto sou eu

Manoel Ferreyra da Motta Cardôzo

o poeta persegue o ser

risos alvares

o poeta merda

o poeta morreu

lendo “Illuminations”

fiquei só no café___ que fazer

aí no triunfo das tuas coxas

no ócio do teu sexo

singra-me a alma a parede

do pranto perverso

Inédito – Lx. 2-10-84 – caderno Setembro Breve[1]

 

21

(Retrato de Rimbaud)

Roxa boca de carmesim

o hálito a absinto

eis Rimbaud flagelado

nimbado de espanto

 

o maiúsculo revólver

o amor malogrado

eis Rimbaud e Verlaine

o espanto decepado…

 

A noite veste-os e cai como um manto solene e sagrado…

Inédito – Lx. 11-12-1985 – caderno A Prostituição Dócil

 

Verlaine e Rimbaud

 

22

Nudez mais íntima não há:

só a dos deuses atónitos e habitáveis…

 

E, meditando, arrumo os livros dispersos,

Lautréamont ___ Rimbaud ___ Pessoa, por ex.

 

E na solidão mais ardente escrevo versos

discretos

e amáveis…

Inédito – Lx. 25-12-92 – caderno dedicado a Rimbaud: (Des)construção da Fala (In Memoriam de Rimbaud)[1]

 

                                                                             II

 “Prosa poética
meu prazer incontido
minha trémula luz da carne”
(Manoel T.R.-Leal).

 

23

Alquimia do Verbo
(Homenagem a Rimbaud)

Sua vasta beleza o poeta a elaborou e libertou desde os primórdios da sua inexorável condição mítica: praia plural, delírios ou vertigens, desde a invenção da sua clara loucura (absurda imagem ou demência de si-mesmo).

A literatura resvalou e soletrou-o: e eis que abandonou a inocência, subverteu a beleza inicial; condenado era à esterilidade da terra e à imortalidade mundana.

Assim, o poeta começou a escrever comovido. Olhou em volta e enxergou o vazio e o olvido de uma vida assistida de Outono. Suicidou-se, porque a morte era menos penosa e o princípio do Verbo.

Inédito – Lx. 9-1-77 – caderno Os Passos do Amor

 

Manuscrito do poema 23

 

24

Nasci para a boémia da beleza. Nos antigos pátios reinava a barbárie dos guerreiros. Busquei, em vão, fôlego para tal visão. Cisão de realidade e olhar impossível. O gesto atento: o desgaste. Confere-me descanso. Um deus onomatopaico e infeliz. O limite, o limiar dos dias… Escrever, um bálsamo, uma aguda descida aos infernos. Um branco corcel que não abranda sua velocidade. Uma mescla de destruição e de beleza em rotação. Do que duvido… (Beleza oblíqua e omnisciente).

Inédito – Lx. 17-10-83 – caderno Sol de Hoje[19]

 

25

Texto telúrico sobre Rimbaud

Rimbaud conquista a plenitude (a perfeição) da palavra, o que significa a lendária sabedoria humana, condição essencial do acesso ao “divino” e ao absoluto intransigente.

Rimbaud significa a revelação “divina” e eterna do Homem, enquanto ser frágil e transeunte, ávido, porém, de beleza que busca concretizar na sua vida efémera. Também ele realiza e “revive” a revelação verbal: o misticismo crucial insere-se no seu ousado discurso “amoroso” que é o alheio quotidiano breve.

Rimbaud “É” porque é essencial à visceral vivência do “divino” enquanto homem atormentado pelo bestiário da vida que supera (“a sua mítica condição”) através da exploração dos ilimites da linguagem poética que se enxerta na sua sede de absoluto, na invocação “divina”, na ascensão ao coração de cristal das coisas, na busca de ébria beleza e “celestial” música que se cifram, afinal, na errância cruel do ser e na invenção irreal (porque subversiva…), da vida….

Inédito – Lx.ª 23-11-92 – caderno (Des)construção da Fala (In Memoriam de Rimbaud)[20]

 

Manuscrito do poema 25 (duas versões)

 

26

Ars Poetica VIII
(Jean-Arthur Rimbaud)

“O divino imanente no humano”

A verdade essencial da poesia radica na revelação. Aquilo que dota de mediunidade e génio a poesia de Jean-Arthur Rimbaud é a verdadeira revelação (a revelação do ser e do real) e não a trivial, a verdadeira navegação e não o porto (digamos, a morte…)…
A criação poética implica a meditação e a habitação da transcendência do autêntico acto poético, da sua interrogação imanente e da possível resposta ao real que, em Rimbaud, é intuída e lhe é revelada: não divinamente como é comum em certa poesia, mas humana, visceralmente humana, como algo de indelével.
Navegação, sim, mas nua e una, do verdadeiro devir humano enquanto desastre, erro e errância do ser assumidas, e até resumidas, que Rimbaud exemplarmente encarna.
Assim se cumpre, se exaure, com Rimbaud, a missão essencial da poesia que consiste em revelar as raízes humanas profundas, afinal o verdadeiro dom divino que aquela encerra e corresponde à ideia do mal, subjacente ao autêntico acto poético.

 Lx.ª 15/11/96 – Caderno Ser insular[21]

 

III
Três Cartas

27

Carta 1 – Rascunho de uma carta de Manoel Leal a uma amiga francesa, Jocelyne Berrier (1994)[22]

Tradução do rascunho com algumas possíveis adaptações finais para a carta:

Querida amiga

O meu estado de saúde não é o melhor: passo o Natal só e isso desgosta-me atrozmente…

Recebi o seu presente, é um verdadeiro presente de Natal! Um livro sobre Arthur Rimbaud: você pode imaginar a minha alegria, apesar da melancolia que sinto… Agradeço-lhe muito e não esqueci Maria Helena Vieira da Silva [livro sobre a pintora para oferecer]…

Desejo-lhe um bom Natal, a si e à sua família, e um verdadeiro Ano Novo!

Um Abraço!

Manoel

Lx.ª 20/12/94

Jocelyne Berrier
20, Rue du Préfet Collignon
29100 Douarnerez
France

De um caderno sem título[23]

 

Manuscrito em francês da carta 1

 

28

Carta 2 – Excerto do rascunho de uma carta de Manoel Leal a Jocelyne Berrier (1994-1995)[24]

Tradução

Mas eis-me, agora, escrevendo uma pequena carta, silenciosa demais talvez. Sou muito exigente em poesia, parece-me, e gosto loucamente de Rimbaud: é o meu mestre, não conheço nenhum outro… Fernando Pessoa, um grande poeta português deste século, é um génio, mas prefiro Rimbaud…

Escrevo aqui, no “Café Colonial” [ex-Bairro das Colónias – Bairro das Novas Nações – Anjos], estas palavras, e penso também nas belas conversas que tivemos: você é muito culta e muito gentil… Escreva-me, espero não a ter incomodado… seu amigo sincero.

Manoel[25]

No caderno Idade Imperfeita – 1995

 

Manuscrito em francês da Carta 2.

 

29

Carta 3 – Rascunho de uma carta de Manoel Leal a Jocelyne Berrier (1996)[26]

 Tradução 

Querida Jocelyne,

Estou surpreendido com o seu silêncio: espero que não esteja doente… Não esqueça que eu é um outro [“Je est un autre”][27], e sou eu que acrescento que estou pronto[28] e “apressado em encontrar o lugar e a fórmula” [“moi pressé de trouver le lieu et la formule”][29]. Mas isso é o bastante: “c’est Rimbaud” e eu não sou Rimbaud… Não me chamo Manoel, mas Ferdinand (lembra-se de Pierrot le fou, de Jean-Luc Godard? [ver poema 11]… Os anos sessenta são uma época perdida na sombra dos tempos… e dos espíritos… É velho, atrozmente velho… É necessário a busca do tempo perdido [“Il faut la Recherche du temps perdu”][30], infelizmente perdido, para sempre…

Lembro-me muitas vezes da minha mãe, uma verdadeira aristocrata em todos os sentidos…

Sabe, a minha poesia é estranha como a obra de Albert Camus…   

No caderno Idade Imperfeita – 1996

Manuscrito em francês da Carta 3

 

Jocelyne Berrier 20,
Rue du Préfet Collignon
29100 Douarnerez
France [morada encontrada noutra página]


[1] Publicado na revista online Caliban, dirigida por Maria João Cantinho: https://revistacaliban.net/arthur-rimbaud-manoel-tavares-rodrigues-leal-1941-2016-9566af9b2f37 . “Tenho um livro: Limae Labor. Trabalho minucioso. A respiração retém-se. O sumo rigor. O sumo rigor impera. A imagética é a magia da palavra” (num sms ao autor deste contributo).

[2] Publicado na revista Caliban https://revistacaliban.net/pessoa-rimbaud-lautr%C3%A9amont-eliot-sappho-dir-te-ia-um-poema-in%C3%A9dito-ee40e6782ce8

[3] Neste poema há uma alusão ao livro e ao filme homónimo de Marguerite Duras: Détruire dit-elle (1969).

[4] Publicado na revista Caliban: https://revistacaliban.net/

https://revistacaliban.net/quatro-poemas-in%C3%A9ditos-a-pessoa-artaud-rimbaud-por-manoel-tavares-rodrigues-leal-66865c04939d

[5] Há uma nota indicando que “não faz parte do livro”, ou caderno.

[6] Publicado na Caliban: https://revistacaliban.net/quatro-poemas-in%C3%A9ditos-a-pessoa-artaud-rimbaud-por-manoel-tavares-rodrigues-leal-66865c04939d

[7] Publicado na Caliban: https://revistacaliban.net/arthur-rimbaud-manoel-tavares-rodrigues-leal-1941-2016-9566af9b2f37

Posteriormente no blogue “Artes, Letras e Baionetas”, do seu amigo João Trigueiros. Este blogue fornece bastante informação biográfica: https://artesletrasebaionetas.blogspot.com/2018/10/poeta-manuel-tavares-rodrigues-leal.html (Ver nota 17).

[8] Para que se perceba uma certa ressonância entre alguns poemas. Os poema 9  foi escrito a 9-7-1976, o 10 a 11-7-1976. Embora estes poemas não mencionem Rimbaud, poderemos encontrar passos que o ecoam. Respectivamente, por exemplo: “manuscritos iluminados”; “terraço” (ver “terraços” na nota 9, “pátios” na 19 e no poema 24), “iluminações humildes” e, na alusão há eternidade, “só consinto eternidade no que sinto”. Já o poema 8, evocando explicitamente Rimbaud, foi também escrito no dia 9-7-76. E o poema 7, também mencionando o poeta, escrito poucos dias antes (5-9-1976). Todos do mesmo caderno, escritos no espaço de tempo de 5 dias. Rimbaud perpassa, sem dúvida, a ressonância e atmosfera destes 4 poemas. Manoel Leal conhecia bem Rimbaud. A mulher é central no poema 9. Para além do intenso envolvimento passional, supõe-se, e de amizade com Verlaine, Rimbaud viveu em Áden e Harar com uma mulher. Eis uma passagem assinalável sobre as mulheres (carta a Paul Demeny – Charleville, 15 de Maio de 1871): “Esses poetas virão! Quando for quebrada a infinita servidão da mulher, quando ela viver para e por si, tendo-lhe o homem – até aqui abominável – dado alforria, também ela será poeta! A mulher descobrirá o desconhecido. Diferirão dos nossos os seus mundos de ideias? – Ela descobrirá coisas estranhas, insondáveis, repugnantes, deliciosas; assumi-las-emos, compreendê-las-emos.” Cf. RIMBAUD, 2018: 526. Tradução de Miguel Serras Pereira – doravante Trad. MSP. E também, por exemplo: “ – Boémio, pela Natureza, de bem longa jornada, / Feliz, como se fosse comigo uma mulher.” (“Sensação”, Poesia – RIMBAUD, 2018: 43. Trad. MSP). Ou ainda: “A criada, de enormes mamas e olho vivo, / – Àquela, não é um beijo que a assusta! – / Risonha, me trouxe as torradas com manteiga” (“No Cabaret Verde”: Poesia – RIMBAUD, 2018: 145. Trad. João Moita – doravante JM) (ver nota 16).

[9] “No terraço da vida, que amplidão me procura?” Talvez não seja por acaso que Manoel Leal alude ao “terraço”, pois Rimbaud sentia um fascínio pelos terraços (“esplanada” também se diz no francês “terrasse”) e os espaços amplos que propiciam: “Sou o santo em oração no terraço – como os animais pacíficos pastam até ao mar da Palestina” (“Infância IV”, Iluminações); “Oh, as enormes avenidas do país santo, os terraços do templo!” (“Vidas I”, Iluminações); “o mar e o céu atraem aos terraços de mármore a multidão das jovens e fortes rosas [“rosas”, ver poema 13]” (“Flores”, Iluminações), cf. RIMBAUD, 2018: 453. Trad. MSP. “… das mais elegantes e mais colossais construções de Itália, da América e da Ásia, cujas janelas e cujos terraços agora cheios de luzes, de bebidas e de brisas ricas, estão abertos ao espírito dos viajantes e dos nobres” (“Promontório”, Iluminações). Cf. RIMBAUD, 2018: 467. Trad. MSP.

[10] Previamente publicado na Caliban: https://revistacaliban.net/um-poema-in%C3%A9dito-a-rimbaud-86e18ec4fdab

[11] No final do filme “Pierrot le Fou” de Godard os seguintes versos de Rimbaud são escutados: “Elle est retrouvé. / Quoi? — l’Éternité. / C’est la mer allée / Avec le soleil.” (RIMBAUD, 1991: 108) (RIMBAUD, 2018: 294) (Trad. MSP). Em “Une saison en enfer” há uma outra versão: “Elle est retrouvée! / Quoi? — l’Éternité. / C’est la mer mêlée / Au soleil” (RIMBAUD, 1991: 145) (RIMBAUD, 2018: 370) (Trad. MSP). Esta segunda versão foi inscrita como epígrafe de abertura ao livro de poemas em edição de autor de Manoel T.R-Leal: A Duração da Eternidade (sob o pseudónimo “Manoel Ferreyra da Motta Cardôzo”). Rimbaud foi a partir de dada altura o poeta preferido de M.T.R.-Leal. Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço: http://catalogo.bmel.pt/plinkres.asp?Base=BMG&Form=ISBD&StartRec=0&RecPag=5&NewSearch=1&SearchTxt=%22AU%20CARD%D4ZO%2C%20Manoel%20Ferreyra%20da%20Motta%22%20%2B%20%22AU%20CARD%D4ZO%2C%20Manoel%20Ferreyra%20da%20Motta%24%22

[12] Previamente publicado na Caliban e posteriormente no blogue Letras e Baionetas:

https://revistacaliban.net/arthur-rimbaud-manoel-tavares-rodrigues-leal-1941-2016-9566af9b2f37

https://artesletrasebaionetas.blogspot.com/2018/10/poeta-manuel-tavares-rodrigues-leal.html….

[13] Publicado na Caliban: https://revistacaliban.net/arthur-rimbaud-manoel-tavares-rodrigues-leal-1941-2016-9566af9b2f37

[14] Publicado na revista Caliban: https://revistacaliban.net/arthur-rimbaud-manoel-tavares-rodrigues-leal-1941-2016-9566af9b2f37

Este poema foi publicado numa altura em que o autor lia assiduamente Camus e Rimbaud. Ele pode evocar tanto Camus como Rimbaud, respectivamente ao aludir ao mito e ao exílio. Talvez o espelho evoque o retrato de Rimbaud, várias vezes referido por Manoel Leal (p. ex., “O retrato vítreo de Rimbaud”). “Silente” é também o retrato, podendo reportar-se, eventualmente, ao silêncio consumado em relação à poesia, que Rimbaud assumirá quando viaja para a Etiópia. Enfim, apenas hipóteses. Não esquecendo que este poema foi escrito um dia depois do poema anterior desta série (poema 15) e um dia antes ao que se segue (ver poema 17), sendo que nestes é mencionado o nome de Rimbaud .

[15] Previamente publicado na Caliban e posteriormente no blogue “Artes, Letras e Baionetas”:

https://revistacaliban.net/arthur-rimbaud-manoel-tavares-rodrigues-leal-1941-2016-9566af9b2f37

https://artesletrasebaionetas.blogspot.com/2018/10/poeta-manuel-tavares-rodrigues-leal.html

[16] Este poema e o seguinte (18 e 19) foram publicados na revista Caliban: https://revistacaliban.net/evocando-arthur-rimbaud-2-poemas-in%C3%A9ditos-de-manoel-t-r-leal-ii-45d5b9b2d989 . Poderemos falar de duas versões ou de dois poemas? Ou duas versões-poemas? O autor não se decide por nenhuma das versões (ver manuscrito). Por isso, é preferível defini-las como dois poemas. Tanto mais que as diferenças são subtis, mas significativas (em 7 versos apenas dois são idênticos). No primeiro poema surge a palavra “cerveja”, que faz pensar no poema de Rimbaud “Au Cabaret Vert – cinq heures du soir”: “Quand la fille aux tétons énormes, aux yeux vifs,” […] m’emplit la chope immense, avec sa mousse / Que dorait un rayon de soleil arriéré” (ver nota 8). A tradução livre de Mário Cesariny para “Une Saison en Enfer” (“Uma Cerveja no Inferno”) é também uma boa inspiração para este poema de Manoel Leal.

[17]  O autor hesita em incluir este poema no referido caderno. “Manoel Ferreyra da Motta Cardôzo” é um dos vários pseudónimos de Manoel Leal. Todos os pseudónimos são baseados em nomes de alguns membros da sua família de origem aristocrática, questão que Rodrigues-Leal tinha caprichosamente em conta. Mais tarde, “Manoel” parece ter passado a ser a “matriz” de todos eles, o seu ”núcleo aglutinador”. “Manoel é o ortónimo!” Pelo menos, são indicações dadas por ele. E, de facto, verifica-se que é uma opção permanente, até nos cinco livros que publicou em edição de autor, entre 2007 e 2011. “Em Pessoa é um teatro, em mim é um certo mimetismo. Escrevo um caderno e ponho um nome [mas um nome sempre construído a partir dos nomes de família, como se indica acima]. O camaleão também muda de cor, conforme a situação. Aqui será conforme o livro”. “Mimetismo” no sentido da adopção de nomes construídos por capricho artístico e memórias de família? Diríamos que o autor compõe, conjugando, e, nesse sentido, imita, mimetiza esses nomes, escolhendo um nome por alguma razão. Sobre os “nomes de família”, veja-se o interessante blogue já mencionado de João Trigueiros (ver nota 7).

[18] Pode dizer-se que é um poema inédito, pois é publicado praticamente ao mesmo tempo em dois lugares, na presente edição e na de Pessoa Plural (ver nota final de “Agradecimentos”).

Este caderno teve outros títulos que foram colocados de parte: (Des)construção do Canto; (Des)construção do Rosto; (Des)construção da Voz.

[19] Este poema em prosa tem nitidamente ecos evocativos de Rimbaud, embora não mencione o seu nome, tal como os poemas 9, 10 e 16 (ver notas 8 e 9). O poema revela influências e leituras de Rimbaud. Para além da atmosfera um tanto alucinatória e luminosa do poema, há termos familiares de Rimbaud: “boémia” (ver os poemas “Sensação” e “A minha boémia” – Poesia); “nos antigos pátios”, apelando aos terraços de Rimbaud (ver poema 10 e nota 9); “Barbárie dos guerreiros”, os “bárbaros” em Rimbaud; “um deus”; “descida aos infernos”, ecoando a Temporada no Inferno, etc.

[20] Uma nota acompanha os manuscritos de duas versões deste texto, uma passada a limpo: “Este texto sobre Rimbaud foi escrito às 7.30, mais ou menos, da manhã [24-11-92]. E foi “reescrito”, “emendado”, mais ou menos às 13.30 da tarde [do mesmo dia] na Biblioteca Nacional” (onde Manoel trabalhou durante vários anos).

[21] Primeira data no manuscrito com a assinatura: “Manoel da Cunha e Mello Tavares”. Previamente publicado na Caliban e posteriormente no blogue Letras e Baionetas:

https://revistacaliban.net/arthur-rimbaud-manoel-tavares-rodrigues-leal-1941-2016-9566af9b2f37

https://artesletrasebaionetas.blogspot.com/2018/10/poeta-manuel-tavares-rodrigues-leal.html

Neste caderno encontra-se um texto que deveria ser incluído num outro caderno infelizmente desaparecido. Nele há umas notas com referência a Rimbaud, entre outras: “Este texto pertence a um conjunto de textos designado por Assimetrias. Parece-me que se extraviou, sem saber como. Eram onze textos, salvo erro.” (Lx.ª 8/3/96). “Falta também um texto sobre Rimbaud. De qualquer maneira este texto pertence ao caderno Limiar do Mar, caso não se encontrem os outros textos” (Lx.ª 98/11/22).

[22] Sobre Jocelyne Berrier: https://www.ouest-france.fr/normandie/moulins-la-marche-61380/ecole-des-sources-jocelyne-berrier-sen-va-4341250

[23] No topo direito do manuscrito encontra-se a seguinte nota: “Já escrevi a carta à Jocelyne.”

[24] Esta carta será de 1994 ou de 1995, pois nela encontra-se um Post scriptum referindo Maria Helena Vieira da Silva, nome mencionado numa outra carta de 1994, embora pertencendo a cadernos diferentes.

[25] Havia uma forte cumplicidade e intercâmbio cultural e intelectual entre Manoel Leal e a sua amiga Jocelyne Berrier. Seguem-se algumas passagens de outras cartas: “[…] as minhas leituras preferidas, a poesia, sobretudo a poesia (francesa, portuguesa, europeia, enfim…) […] e não esquecer Hölderlin, etc…, por exemplo.” (rascunho de uma carta de 26 de Agosto de 1995). “Recebi e agradeço o livro de Jean Garnier, que eu não conhecia, e que é um belo livro, um belíssimo livro” (rascunho de uma carta de 1997, no caderno Ser Insular). E no Post scriptum da mesma pode ler-se o seguinte: “Recebi a sua última carta que muito agradeço. A poesia americana é importante. Conhece Edgar Allan Poe traduzido por Baudelaire? […] Conheço algumas “Histórias Extraordinárias”, e há em espanhol uma peça de teatro O Corvo de Alfonso Sastre [também há O Corvo de Poe], que tive há muito tempo, Walt Whitman (um mestre de Fernando Pessoa) e Allen Ginsberg The howl and other poems. É pouco, confesso… (Lisboa, 5 de Fevereiro de 1997). No topo do manuscrito desta carta encontra-se a seguinte nota: “Estas cartas à minha amiga francesa, Jocelyne Berrier, devem, depois de depuradas, figurar neste caderno de poesia, penso eu…”. E logo em baixo, um sinal de hesitação habitual em muitas notas nos cadernos: “Estas cartas não devem figurar em nenhum caderno.” Numa carta de 1998-99: “Deixei de estudar Direito: trabalho em full time, o stress e a minha idade levaram-me a abandonar os estudos, sem falar do meu trabalho intelectual (‘os três projectos de livros que escrevo agora e que são projectos importantes nas minhas ambições literárias (?) [expressando dúvida, muito habitual]… Aliás, a minha obra talvez mereça a minha atenção… será que tenho uma obra poética, minha amiga? Nada sei sobre isso…“. Noutra carta que vem depois da Carta I: “Encontrei aquele livro de Paul Valéry, ainda não o li.”

[26] Este rascunho segue-se a dois textos datados nas duas folhas anteriores (Lx.ª 14/3/96, Lx.ª 18/3/96). A tinta e a letra são as mesmas (o autor tem vários tipos de letra consoante as épocas, ao longo de décadas). A carta, último texto do caderno, terá sido escrita nestes dias. Apresenta-se apenas o excerto que aborda Rimbaud. Optou-se por deixar os borrões e rabiscos de caneta, ilustrando os gestos de aquecimento e preparo da tinta e do aparo. Eles afiguram-se, no seu acaso, manchas e riscos estética e plasticamente belos, ou no mínimo curiosos, como em muitos outros manuscritos. Noutras ocasiões, juntam-se aos meros borrões sinalizações significando indicações do autor relativamente ao poema ou texto. Embora não seja um exemplo dos mais expressivos, veja-se o manuscrito do poema 5, também com a cruz habitual sobre o poema, podendo indicar hesitação, negação momentânea, que foi visto, ou para seguir adiante.

[27] “Car Je est un autre” (cf. RIMBAUD, 1991: 202), célebre passo de Rimbaud em carta a Paul Demeny (Charleville, 15 de Maio de 1871). “Pois Eu é outro”, na trad. MSP. (RIMBAUD, 2018: 523). E também “C’est faux de dire: Je pense: on devrait dire on me pense. – Pardon du jeu de mots. Je est un autre.” (Arthur Rimbaud – Lettre à Georges Izambard, 13 Mai 1871). Cf. RIMBAUD, 1991: 200.

[28] Manoel Leal acrescenta “estou pronto” ao passo de Rimbaud “apressado em encontrar o lugar e a fórmula”

[29] Do poema “Vagabonds”, na tradução de MSP: “comigo na pressa de encontrar o lugar e a fórmula” (RIMBAUD, 2018: 439).

[30] Alusão a À la Recherche du Temps Perdu, de Marcel Proust. “Ninguém pode ignorar, no século XX, a escrita de um Marcel Proust” (ver filme documentário “Pessoa, persona, pessoa como eu”: https://youtu.be/EaS09eShMSM )


MANOEL TAVARES RODRIGUES-LEAL

Série Gótica . Verão 2020