Uma visita breve à Capela de São Pedro de Balsemão, Lamego

 

 

 

 

 

 

PAULO CABAÇO MENDES
Paulo Cabaço Mendes (Portugal). Mestrando em História, Arqueologia e Património na Universidade Autónoma de Lisboa Luís de Camões


A Capela de São Pedro de Balsemão situa-se no concelho de Lamego, a 6 quilómetros da sede da circunscrição, numa zona de planície, junto das margens do rio Balsemão, afluente do Rio Varosa e encontra-se actualmente integrada num solar seiscentista. José Pedro Machado sugere que o termo ‘balsemão’ se relaciona com ‘balsamon’, hipótese que coloca como antigo nome do curso de água que continua ali a  existir nos nossos dias e cujo topónimo também ainda subsiste (1).

Diversos povos habitaram esta região desde épocas proto-históricas e Lamego foi uma zona muito apreciada no período romano. O rei visigodo Sisebuto procedeu à cunhagem de moeda e, em 570, foi atribuída a Lamego a dignidade episcopal. Apesar de pouco numerosa em termos de habitantes, crê-se que ali existiu uma forte comunidade cristã com a permanência activa do culto, mesmo sob o domínio muçulmano, dado o clima de tolerância religiosa existente.

Em finais do Império Romano, o cristianismo era já relativamente bem aceite no seio das comunidades peninsulares, como é possível constatar pela construção de monumentos cristãos a partir dessa época por volta do século III ou pela reconversão de antigos templos pagãos, como aconteceu, por exemplo, em São Cucufate, na região da Vidigueira.

A chegada à península de Suevos, Visigodos e outros povos gerou um clima de insegurança e de constante conflitualidade. Entre outras consequências, desta situação resultou um forte constrangimento do labor edificativo e uma grande redução da tradição artística, quase só baseada no reaproveitamento de elementos construtivos de épocas antecedentes.

No século VI, Balsemão já era paróquia e, no decurso das Inquirições ordenadas por D. Afonso III no século XIII, surge referida como um local bem povoado.

Existem diferentes teorias acerca da época da construção inicial do templo: defensores da cronologia mais antiga –como Paulo Pereira e Vergílio Correia entre outros –,fazem-no com base na descoberta de uma lápide datada de 588, parecendo certo que terá sido edificada no século VI ou VII, em plena época suevo-visigótica, constituindo-se assim um dos raros exemplos de arquitectura religiosa da alta Idade Média.

Autores como Leite de Vasconcelos, Miguel Real, Mário Barroca, Ferreira de Almeida e outros propõem uma cronologia mais tardia, provavelmente situada na época asturiana – finais do século IX ou mesmo no século X –, quer por analogia com a igreja de São Pedro de Lourosa, epigraficamente datada de 912, quer pela existência de diversos motivos decorativos que lhe imprimiram um cariz moçárabe. De facto, no século XII, decorria um processo de repovoamento e a igreja terá sido objecto de trabalhos de renovação que, embora ainda mal conhecidos, parecem apontar, genericamente, para uma manutenção das estruturas pré-existentes. De notar o reaproveitamento de parte de um ajimez que especialistas como Ferreira de Almeida e Mário Barroca datam da primeira metade do século XI.

A capela encontra-se orientada no sentido Nascente-Poente, de resto como era hábito desde há muitos séculos, tratando-se de construções de cariz religioso. Do edifício original, ainda pode apreciar-se a disposição geral do interior do templo, de planta basilical, com as suas três naves separadas por séries de três arcos de volta perfeita assentes em capitéis coríntios decorados com motivos fitomórficos, os quais, por sua vez, assentam em colunas de fuste simplese sem decoração, apontando para uma tradição pré-românica ou moçárabe.

É curiosa a aparente fraca adaptação dos capitéis às colunas, pelo que somos levados a crer que tenham ocorrido diversos reaproveitamentos, quiçá de alguma construção existente nas imediações. De resto, a reutilização de materiais da época romana é notória, de que se constitui exemplo ilustrativo a inclusão de um terminiaugustale (2) na fachada e de duas placas funerárias encontradas embutidas no corpo do edifício.

A capela viria a passar para a posse de Dom Afonso Pires de Soveral (Lamego, Almacave, Medelo, c. 1295 – Lamego, Sé, Balsemão, 28 de Novembro de 1372), bispo do Porto, período em que o templo sofre novas e profundas modificações. D. Afonso veio a ser aqui sepultado em túmulo granítico que se encontra assente no dorso de leões, que inclui estátua jacente em que o prelado é apresentado com as vestes episcopais, ladeado por dois anjos protectores e com dois cães aos pés, bem como um calvário no grupo escultórico da testeira, enquanto a lápide sepulcral de calcário se encontra embutida na parede do templo.

Outras alterações se registaram ao longo dos séculos, nomeadamente após Luís Pinto de Sousa Coutinho ter integrado a capela no seu solar de família, em 1643. São desse período as coberturas que podemos encontrar na sua versão actual, de madeira pintada, com caixotões que dispõem de rosetas nos cruzamentos das molduras. Podem também apreciar-se soluções de estilo barroco, quer na actual entrada Sul, quer na entrada principal, adossada ao edifício residencial.

De resto, na centúria de setecentos, a família que detinha as terras aproveitaria a capela para seu panteão. Já no século XX, ocorreram as primeiras obras de restauro do monumento, o qual disputa o título de templo cristão mais antigo existente em Portugal com as igrejas de São Frutuoso de Montélios (Braga), São Gião (Nazaré) e Vera Cruz de Marmelar (Vidigueira).

Em 8 de Julho de 1921, foi atribuída à Capela de São Pedro de Balsemão a classificação de Monumento Nacional.

  

Notas

(1) José Pedro Machado, ‘Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa’, vol. I, Lisboa, livros horizonte, 2003, p. 210.
(2) Assim eram designadas as placas habitualmente utilizadas na demarcação dos limites de determinados territórios.

 

Fontes utilizadas

  • Compasso (O) da terra. A arte enquanto caminho para Deus, coord. de Nuno Resende, vol. I, Lamego, Diocese de Lamego, 2007 .
  • DUBY, Georges, A Idade Média, in História Artística da Europa, sob a direcção de Georges Duby e Michel Laclotte, tomo I, Lisboa, Quetzal Editora, 1997.
  • MACHADO, José Pedro, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, vol. I, Lisboa, Lovros Horizibte, 2003, ISBN 972-24-0842-9.
  • MARQUES, Jorge Adolfo M. e EUSÉBIO, Maria de Fátima, Distrito de Viseu. Tesouros de Arte e Arqueologia, Viseu, Governo Civil do Distrito de Viseu, 2007, ISBN 978-972-99569-4-2.
  • PEREIRA, Paulo, Arte Portuguesa – História Essencial, in Colecção ‘Temas e Debates’, Lisboa, Círculo de Leitores, 2011, ISBN 978-989-644-287-3.

Bibliografia Web

  • CORREIA, Arlindo, ‘A capela de São Pedro de Balsemão’ [disponível em linha através do endereço http://arlindo-correia.com/capela_de_Balsemao.pdf, consultado em 21-06-2018].
  • http://www.monumentos.pt/ (21jun18)
  • http://www.patrimoniocultural.pt/ (21jun18)
  • http://www.museudelamego.pt/ (21jun18)
  • http://www.valedovarosa.pt/ (21jun18)

 


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série gótica. outono . 2018