FLORIANO MARTINS
Tributo
Uma conversa com Floriano Martins
Por ANNA APOLINÁRIO & DEMETRIOS GALVÃO
Aproveitando o clima de isolamento social e a vontade de não se render à inércia, principalmente do ato criativo, nós (Anna Apolinário & Demetrios Galvão) convidamos o nosso querido amigo Floriano Martins para bater um papo sobre os diversos aspectos de sua vida/linguagem, explorando nessa conversa de “mesa de bar” os muitos ofícios criativos de sua carreira literária (poeta, ensaísta, tradutor, editor, artista plástico etc.). A conversa aconteceu com os três em diferentes Estados do Nordeste, Floriano (Fortaleza/CE), Anna (João Pessoa/PB) e Demetrios (Teresina/PI). Curiosamente, o clima estava acolhedor nas três cidades, longe do calor habitual. O papo seguiu leve e numa cumplicidade criativa, ao fundo tocava uma banda de blues “Too Mutz Blues”, Anna tomava uma cerveja preta, Demetrios ficou no cafezinho e Floriano, preferiu uma cerveja artesanal, clara. Mas antes de seguir a diante, precisamos apresentar o nosso entrevistado.
Floriano Martins (Fortaleza, 1957). Poeta, editor, ensaísta, artista plástico e tradutor. Criou em 1999 a Agulha Revista de Cultura, revista de circulação pela Internet. Coordenou (2005-2010) a coleção “Ponte Velha” de autores portugueses da Escrituras Editora (São Paulo). Atualmente dirige o selo ARC Edições, bem como a coleção “O amor pelas palavras”, juntamente com Leda Rita Cintra, uma parceria, de circulação exclusiva pela Amazon, entre ARC Edições e Editora Cintra. Organizou algumas mostras especiais dedicadas à literatura brasileira para revistas em países hispano-americanos. Trabalha ainda com fotografia, colagem e design, tendo realizado exposições e capas de livros. Curador da Bienal Internacional do Livro do Ceará (Brasil, 2008), e membro do júri do Prêmio Casa das Américas (Cuba, 2009), Concurso Nacional de Poesia (Venezuela, 2010) e Prêmio Anual da Fundação Biblioteca Nacional (Brasil, 2015). Professor convidado da Universidade de Cincinnati (Ohio, Estados Unidos, 2010). Tradutor de livros de Federico García Lorca, Guillermo Cabrera Infante, Vicente Huidobro, Hans Arp, Alfonso Peña, Juan Calzadilla, Enrique Molina, Jorge Luis Borges, Aldo Pellegrini e Pablo Antonio Cuadra. Entre seus livros mais recentes se destacam: Um novo continente – Poesia e surrealismo na América (ensaio, Brasil, 2016), O iluminismo é uma baleia (teatro, Brasil, em parceria com Zuca Sardan, 2016), A grande obra da carne (poesia, Brasil, 2017) e Antes que a árvore se feche (poesia completa, 2020).
1 | Em sua obra, de que maneira a criação poética dialoga com o tempo e espaço, como o mundo visível se desloca (e se transforma) através de sua sensibilidade criadora?
FM | Acho que podemos começar pela música, que se entranha em minha vida e desloca os sentidos usuais de tempo e espaço. O mundo visível de algum modo é uma projeção do invisível, sendo fruto em essência de nossa percepção. Somos aquilo que sentimos, ou melhor, o que nomeamos, de diversas maneiras, com todos os seis sentidos. Criar é, portanto, uma decorrência natural desse estar no mundo. O que chamas de minha obra é um caudal de elementos que incluem o poema, a prosa, o ensaio, a tradução, a fotografia, a letra de música, assim que o diálogo com as forças do visível e do invisível constantemente se multiplica por essas regiões todas. Como o próprio viver, é a soma de todas linhas do horizonte.
2 | A partir de que fagulhas o poeta demiurgo ergue os seus próprios universos e como se revela para você o sentido de alteridade no fazer poético?
FM | Não há criação sem alteridade, considerando que através da criação buscamos tocar o outro que levamos dentro de nós. É algo tão lugar-comum que acabamos por perder a noção de seu expressivo significado. O criador que não seja um demiurgo é um fazedor de arte, naquela dimensão pueril de quem domina um instrumento e recorta no papel, na tela, na partitura os possíveis truques da linguagem. Truques que, no entanto, não vão além de uma retórica sem brilho. Quanto às minhas fagulhas, elas se espalham pelos universos que me percorrem a existência, inicialmente em um plano abstrato, centelhas da visão e da memória, mas logo um tear de configurações que revelam o que está por trás da ideia errática de destino. O que crio é tudo o que sou.
3 | Você é conhecido no Brasil por pertencer a tradição surrealista e ser bastante atuante nesse campo. Mas, em que momento da sua caminhada literária houve o despertar para a literatura surrealista produzida nas Américas? Comenta esse ponto que também marca a sua atuação com traduções, pesquisas e ensaios?
FM | O vínculo com o Surrealismo possui certa carga de imprecisão e em geral se casa com a minha dedicação ao tema, como estudioso. Não resta dúvida de que o Surrealismo é a mais influente corrente das vanguardas da primeira metade do século XX que percorreu o mundo inteiro. Sua chegada na América se dá primeira trazida pelo exílio de muitos artistas europeus em face da 2ª Guerra Mundial. De modo que talvez caiba evocar o rio subterrâneo da história o Surrealismo já havia sido trazido por artistas americanos (da América e não dos Estados Unidos, bem entendido) que tomaram conhecimento com ele através de viagens e a compra de revistas e livros. A distinção que se deu, em traços livres, tem a ver com um choque de sentidos, ou seja, enquanto que na Europa se estava vivendo uma época de negação da história, na América o que ganhava corpo e espírito era o inverso, a necessidade de se criar uma história própria. Nos dois casos, ou duas direções, as sementes eram as mesmas, a descoberta de um mundo maravilhoso na criação, a fecunda correnteza do espectro humano, as mil vidas que o homem começa a tatear em seu interior. É impressionante a força que vemos saltar da poesia de Aimé Césaire, César Moro, Enrique Molina, Ludwig Zeller, talvez os maiores surrealistas em nosso continente. Na medida em que fui compreendendo essa distinção entre a atuação do Surrealismo nos dois continentes, me senti tomado por dever cósmico de reunir o que até então estava posto em cena de modo disperso, o que acabou resultando na edição do livro Um novo continente, aventura que tem início na publicação de um pequeno ensaio intitulado O começo da busca, que logo viria a batizar um livro, passando por edições de duas antologias da poesia surrealista na América Latina, publicadas na Costa Rica e na Venezuela, até que o território seja ampliado, incluindo finalmente a criação poética no Caribe, Estados Unidos e Canadá. Quanto à indagação de seu ponto de partida, embora eu já houvesse lido e traduzido poemas e ensaios de autores surrealistas, um dia tive a ideia, por conta de meu fascínio pela tradição lírica hispano-americana, de montar uma antologia de largo fôlego. Dedicado à sua pesquisa foi se tornando para mim cada vez mais claras as relações entre barroco e surrealismo, como essas duas correntes se fundiam e estabeleciam nessa parte do continente um mundo bastante peculiar e relevante. A partir daí é que comecei a me ocupar mais sistematicamente do Surrealismo.
4 | O seu trabalho é bastante complexo – poeta, ensaísta, tradutor, editor, design – uma relação com vários campos que envolvem a palavra, a imagem, o livro e a estética. Quando entendeu que iria trabalhar em todos esses campos? Como isso foi se desenvolvendo na sua trajetória?
FM | Não sei se é possível determinar, como uma decisão bem pesada, algo que por mais ambicioso que possa parecer é na verdade a expressão do que chamo de volúpia existencial. Na infância eu desenhava e fazia colagens, bem antes de escrever. Desconfio que haja uma espécie de truque magnético que nos aproxima de circunstâncias que vão ajudar a definir nosso caráter. Em casa meus pais ouviam muita música. Minha mãe tinha uma coleção de fotonovelas baseadas em clássicos da literatura. Meu pai, por sua vez, possuía uma vasta biblioteca, verdadeiramente caótica, expressão de um curioso por uma infinidade de assuntos. Tudo isto me beneficiou muito. Na adolescência o encontro com amigos ligados à música me deu mais uma janela, que se ampliou pelos territórios do teatro. Três coleções fasciculadas enchiam meus dias de uma aventura que parecia não ter fim: Povos & Países, Teatro Vivo e Gênios da Pintura. Antes disto, a chegada da televisão, os gibis e as idas com meu pai ao circo e ao cinema, foram peças valiosas. O mais curioso é que o poema foi o penúltimo elemento a compor esse panorama fecundo de minha formação. Digo penúltimo porque ali por volta de meus 30 anos o amigo Sérgio Campos me apresenta a ópera, ocasião em que víamos e discutíamos diversas obras de Verdi, Puccini e Wagner. Certamente essa mescla despudorada deu à minha poesia sua característica sinfônica.
5 | Há muito tempo nós acompanhamos o seu trabalho à frente da importante Agulha Revista de Cultura, que recentemente completou 20 anos e chegou ao número 151. Uma publicação que vem desafiando o tempo e mostrando seu fôlego e persistência em continuar editando. Como você vê essa trajetória da revista que é uma das revistas eletrônicas mais longevas do cenário brasileiro e mundial.
FM | Como não tenho talento para a falsa modéstia, posso dizer abertamente que criamos um veículo que pouco a pouco foi se tornando um centro magnético e de afoiteza e reverberação das artes e cultura em todo o mundo. Recentemente descobri que a revista circula em 294 países, o que reflete o que digo, pois de outro modo, sem a sua força inovadora, sem o seu elenco de colaboradores e temas, jamais teríamos chegado aqui. Sempre conversamos, Márcio Simões e eu, sobre essa condição mágica da revista, que certamente vem de sua dedicação ao espectro mais amplo da criação, bem como à defesa da livre manifestação do pensamento. Fomos também precursores, bem sei, surgimos em um momento em que a Net não possuía ainda credibilidade alguma. Recordo casos curiosos, naturalmente sem citar nomes, de escritores brasileiros que não quiseram ter ali seus textos veiculados, tamanho a dependência de uma era impressa. Dois obstáculos que acabamos por converter em estímulos dizem respeito à forma de divulgação – ainda recordo o trabalho que nos deu criar um primeiro mailing substancioso que permitisse a revista circular – e à rejeição da parte da mídia impressa a esta nova forma de comunicação. Por vezes nos sentíamos tentados a partir para a edição em papel, o que não fazia sentido, porque rapidamente fomos ampliando o mailing, entrando em contato com editores de revistas em outros países etc. No Brasil, no entanto, sempre houve certa resistência, quase nunca tivemos uma nota sobre a revista na mídia impressa, nem mesmo quando ganhamos um prêmio da ABCA como melhor veículo difusor das artes no país.
6 | Uma outra frente de atuação sua são as publicações de livros pelos selos ACR/Cintra, com autores importantes do Brasil, América Latina e Portugal, pouco conhecidos do grande público. Ficamos sabendo que o catálogo editado por você está chegando ao livro número 70. Como tens conseguido publicar tantos livros?
FM | O trabalho editorial é também parte relevante e inseparável desse caráter de que falei anteriormente, ou seja, está ao dia com o altruísmo por vocês mencionado. Já na adolescência editei com amigos uma revista, depois vieram outros, assim como jornais, até chegar a hora de ser possível editar livros. Primeira experiência de fôlego foram os 30 livros – entre obras completas, antologias e livros individuais – de autores de língua portuguesa que integraram a coleção “Ponte Velha” da Escrituras Editora, coleção sob minha coordenação. Em seguida criei a ARC Edições e comecei a editar livros de autores como Cruzeiro Seixas, Sérgio Campos, Péricles Prade. Quando conheci a Leda Cintra, da Editora Cintra, em uma primeira troca de olhares surgiu a ideia de aventurarmo-nos por mais um território espinhoso, o da criação de uma coleção de livros virtuais de circulação pela Amazon. Começamos a coleção “O amor pelas palavras” com um volume que reúne algumas das principais entrevistas de Jorge Luis Borges. Seguiram-se livros de Jacob Klintowitz, Roberto Piva, Susana Wald, Alfonso Peña, Zuca Sardan, Menalton Braff, Vicente Huidobro, Ludwig Zeller, Aldo Pellegrini, Eduardo Mosches, Nicolau Saião, Allan Graubard, Geraldo Ferraz, H. P. Lovecraft, Maria Estela Guedes, Monteiro Lobato, Ester Fridman, Claudio Willer, Leila Ferraz, Renée Ferrer, dentre inúmeros outros, até que chegamos ao volume 70, com a poeta e ensaísta colombiana Berta Lucía Estrada. Publicar verdadeiramente não é problema. Qualquer autor, em qualquer parte do mundo, tem interesse na publicação de seus livros. O que importa aqui é o garimpo, hora em que todo editor deve partir de escolhas incondicionais. Leda e eu fazemos tudo, garimpo, revisão, formatação, design, capa e difusão. Trabalho de doidos? Sim, assumimos.
7 | Entre as tuas tantas facetas como artista aqui já citadas, há também o compositor, o fotógrafo, e no campo literário, existe também o romancista?
FM | Voltamos àquelas fagulhas iniciais ou ao que chamei de gula existencial. Detalhemos então. Não sou compositor e sim letrista. Aquele convívio com gente da música na adolescência – ali surgiram e mantêm até hoje algumas de minhas mais sólidas amizades – me enchia de vontade de ter letras minhas musicadas, incluídas no repertório de shows e discos. No entanto, era visível a minha falta de talento. Décadas depois é que fui desafiado pelo compositor Mário Montaut a pôr letras em algumas de suas melodias, o que acabou gerando um disco nosso, do qual também participou a cantora Ana Lee. A partir dali eu comecei também a fazer músicas com ela. O fotógrafo surge quando começou a me inquietar o fato de que eu usava material plástico de terceiros para fazer as minhas colagens. Passei então a fotografar todo um acervo de imagens, além de com isto descobrir que eu me identificava mais com a técnica da sobreposição. Quase que simultaneamente aflora o jeito para fazer maquetes, o que acaba tornando possível a criação de assemblages e quadros vivos. A cenografia é arte que me desperta profundo interesse e certamente um dia ainda farei algo nessa direção. Porém, tudo de modo atípico, como a própria novela que escrevi há alguns anos, Sobras de Deus. Romance? Sim, comecei a escrever um, mas é algo ainda preambular. Deixemos rolar.
8 | Descobrimos recentemente que já fez mais de 100 capas de livro, explica pra gente esse teu trabalho como capista de livros, quais as técnicas que gostas de explorar na criação das capas?
FM | A fotografia me permitiu expandir experiências baseadas em cartazes, capas de disco e livro, grafites, de modo que não há muito mistério aí, ou seja, eu mantenho abertas as minhas perspectivas de sobreposição, os truques com assemblages, maquetes, colagens… Este é um trabalho que foi visitando distintos traçados, alguns instigados pelo poeta e dramaturgo Zuca Sardan, com quem escrevi uma série de peças de teatro a quatro mãos, o que chamamos de teatro automático. Zuca é um exímio desenhista, com seu pastiche descarado, sua turbulência patafísica, que me proporcionou uma das mais vertiginosas aventuras criativas, e comecei a criar e fotografar cenas de teatro para acompanhar as nossas peças. Tenho em planos montar um grande museu virtual tridimensional, mas esta é outra conversa.
9 | No livro Overnight Medley, escrito com o Manuel Iris, os poemas têm uma relação direta com a música, principalmente com o jazz. Que influência a música tem no seu trabalho?
FM | Já no princípio de nossa conversa toquei neste assunto. Poderia evocar aqui três particularidades. A primeira delas é que sempre escrevi ouvindo música, anteriormente criando uma espécie de ambiente ritualístico, hoje manifesto de modo espontâneo – identifico livros meus que foram escritos sob efeito desta ou daquela música. Ao ler um ensaio de Milan Kundera sobre Beethoven, percebi a minha afinidade com estruturas sinfônicas, o que me deu uma leitura mais intensa de minha própria poética; elementos como intervalos, polifonia, contrastes passaram a interagir de modo consciente na criação. Por último a intensificação rítmica trouxe consigo uma clareza na expressão das imagens que me foram afastando de uma tendência inicial para a escrita fechada, cifrada, com sua desnecessária carga de hermetismo. Graças à música fui intensificando a corrente erótica e o enlace com a própria experiência de vida, o que me transportou para o centro do poema, na condição de seu protagonista. Quanto ao livro escrito com o poeta mexicano Manuel Iris, possui a sua magia desde o momento em que surgiu. Recordo, quando estive em Cincinnati, como professor convidado de uma universidade estadunidense, que o Manuel veio me mostrar um poema seu dedicado, salvo engano dedicado ao Charlie Parker. Ao final daquele trimestre nevado, ao voltar para casa me veio a ideia de lhe propor um desafio de escrita automática. Em uma conversa através de e-mail, prontamente aceita a ideia, fomos identificando os temas que seriam improvisados, uma série de poemas para cada um de nós. Escolhidos os músicos, dali passamos à criação. Em seguida, passamos ao desafio maior, o da escrita a quatro mãos, não mais dedicada a músicos, mas sim a algumas músicas. Na medida em que escolhíamos a peça, acessávamos o Messenger e começávamos a aventura, cada um em sua casa ouvindo a mesma música enquanto durasse a escrita. Lembro que nesta ocasião eu estava em Sidney, na casa de minha filha. Ao final, incluímos ainda no livro uma quarta parte, diálogo entre os dois poetas refletindo todo o processo de criação. O livro acabou sendo publicado como uma peça única e trilíngue, como uma partitura sinfônica do mais puro jazz. Foi uma das experiências mais ricas de minha vida.
10 | Sobre as expressões artísticas de mulheres no Surrealismo, como estudioso e pesquisador, quais teus principais apontamentos?
FM | A partir de minha pesquisa sobre os deslocamentos contínuos do Surrealismo por todo o planeta, o modo como ele foi sendo ampliado de acordo com a cultura de cada região, essa força maravilhosa que fez com que o movimento resistisse aos dogmas estipulados na origem, foi se tornando bem nítida a presença de uma misoginia no núcleo central do Surrealismo. A própria descrição da mulher como idealização de um modelo devocional impunha um desacordo com os princípios modelares do Surrealismo, sua defesa do tripé poesia, amor e liberdade. Senti então a necessidade de destacar que a presença da mulher no Surrealismo foi de algum modo interditada, sendo imperativo apontar seus danos e trazer ao centro um sem número de grandes criadoras espalhadas pelo mundo. Desnecessário dizer que foi constante o meu espanto feliz diante das mais variadas descobertas. O livro, que se chama 120 noites de Eros, foi concluído há pouco e aguarda o momento precioso de sua publicação.
11 | Nesse momento de pandemia e de isolamento social, como tem sido a sua produção e o que está preparando como novos trabalhos?
FM | Sinceramente, não alterou muito o meu cotidiano. Tenho estúdio em minha casa, de modo que sigo trabalhando em todos os projetos com a mesma intensidade. Evidente que causa outros danos, como a súbita invisibilidade de alguns clientes e a brutal sensação de proibição de deslocamentos, impondo uma barreira à feliz relação que mantemos com filho, nora e duas netas que moram aqui em Fortaleza. A minha vida, como certa vez apontou o mexicano José Ángel Leyva, ao prefaciar e editar um livro meu, Tres estudios para un amor loco (2006), sempre transcorreu na rede. Pela própria fluência internacional que foi aflorando em meu trabalho, a Net passou a ser a minha usina de vasos comunicantes.
12 | Qual o transcurso do entranhamento da poesia à tua vida e como você conjuga as atividades ligadas à poesia (traduções, ensaios, edição da revista etc.) e as demandas da vida familiar (companheira, filhos, netos)?
FM | Este mundo todo de experiência vital não funciona por determinação isolada, ele é fruto de uma sinceridade e afinidade constantes. O único momento complicado foram os 15 anos em que praticamente isolei a criação em face de um trabalho insano que permitisse a criação dos filhos. Mesmo aí havia essa correspondência incondicional de apostas na vida como um todo, na minha relação com Socorro e nos desdobramentos vários. Bem-criados, os filhos ampliaram nosso acervo afetivo, espiritual, trouxeram genro, nora e netos, cuja afinidade é magnífica e até mesmo a distância que nos separa, pois metade da família mora na Austrália, é parte de um mistério perene que dia a dia revelamos na exata proporção em que ele também nos revela. Portanto, queridos, a conjugação da vida está determinada pelo modo como descobrimos a respiração e a mecânica dos demais sentidos. Ou tornamos tudo natural ou algum fiapo tratará de comprometer a existência.
(Maio de 2020)
Floriano Martins (Brasil, 1957). Poeta, ensaísta, editor, tradutor. Dirige a Agulha Revista de Cultura e o selo ARC Edições. Colaborador das revistas Altazor (Chile), Matérika (Costa Rica), La Otra (México), Blanco Móvil (México), Triplov (Portugal) e Acrobata (Brasil). Estudioso da tradição lírica na América Hispânica e do Surrealismo.
Contato: floriano.agulha@gmail.com.
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