Tudo isso já existia
Unica Zürn

 

 

 

 

 

 

 

UNICA ZÜRN
(
196-1970 ALEMANHA)
TRADUÇÃO:FLORIANO MARTINS

 

Untitled, 1960

Unica Zürn

[TUDO ISSO JÁ EXISTIA]

Tudo isso já existia,

outros falaram sobre isso.

Você se deita com seu corpo

queimado e enlameado,

esquivar cãibra

a mancha

os fios encontrados

enquanto alguém muito perto engole você

cuide-se

Eu te criei

no vácuo,

enquanto alguém diz para sua mãe

qual é seu verdadeiro nome.

O que havia também era vida

outra de suas músicas

o que havia no ciclo de ferro

na forja:

sua polpa nas mãos do carrasco,

apenas um arco

entre o material

e a hipótese.

O que aconteceria se o desejo fosse verdade?

e fértil,

o que aconteceria se a sua boca fosse engolida pela sua,

fecharia então

o estranho e quebrado colapso do medo

a estranheza de quem ama sozinho

às aparições.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[SOMBRA SOMBRA]

sombra sombra

placa entre placas

desigualdade

do meu osso na terra

pássaros chilrear

santidade do verbo e da pústula

santidade das línguas que se escondem

na minha língua

Eu guiei meus passos

em direção ao eixo

Eu

o escolhido

a quem os cristais e as folhas falaram

Eu

o grande auto-absorvido

aquele que arda a espiral de um pensamento

aquele que unge os espelhos de arranhões

aquele que viveu uma vida mais elevada

e morreu uma morte mais pura

 

 

 

PRIMAVERA SOMBRIA (fragmento)

Ela não sabe que o casamento de seus pais é um fracasso, mas ela suspeita quando o pai leva para casa uma dama desconhecida, muito bonita e elegante, que lhe dá uma boneca enorme e bonita. Ela, ressentida e desesperada por causa da triste situação de sua casa, com uma faca, ela leva os olhos para o pulso, abre a barriga e rasga o vestido bonito. Dos anciãos, ninguém se digna a dizer uma palavra sobre essa destruição. Ela vê seu pai esperando pela bela dama, indiferente à presença da garota. Ela sente que uma solidão horrível a invade e começa a odiar o mundo dos idosos. O marido da bela dama aparece – uma gorda platina escandinava e loira – e a mãe se dedica a ele como se fosse a coisa mais natural. Agora moram na casa dois casais que não disfarçam seus relacionamentos. Para tirar a menina do caminho, a mãe a manda para a cama depois de comer. Impossível dormir na sala escura. Ela pensa onde pode encontrar seu próprio suplemento. Ele pega na cama todos os objetos duros e alongados que encontra em seu quarto e os coloca entre as pernas: uma tesoura fria e brilhante, uma régua, um pente e o cabo de uma escova. Olhando para a cruz na janela, procure pelo seu próprio complemento masculino. (…) Quando você acorda uma manhã, lembre-se que algo chocante aconteceu com você durante a noite. Mas, de brincar com seu corpo, ela está exausta e seu coração bate tão forte que ela mal consegue respirar.


revista triplov . série gótica . outono 2019

parceria tripLOVAGUlha

21 MULHERES SURREALISTAS

EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO DO SURREALISMO 1919-2019

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