Tributo devido a Floriano Martins

 

 

 

FLORIANO MARTINS
Tributo


TRIBUTO DEVIDO A FLORIANO MARTINS
Por Maria Estela Guedes

Floriano Martins tem sido nestes últimos vinte anos um companheiro admirável, quer nas Letras quer sobretudo nesta diária labuta nos caminhos da Internet, em que somos pioneiros, autodidatas e amadores, por isso eternos aprendizes. Em dada altura, o companheirismo estreitou-se em parceria Triplov/Agulha Revista de Cultura, sobretudo quando, na companhia também de Claudio Willer, fundámos e dirigimos a primeira série da Revista Triplov de Artes, Religiões e Ciências que, para fins referenciais, designei como Série Floriana. Foi um primeiro manifesto de reconhecimento por quanto o devo ao Floriano. Permutámos colaboração, permutámos números de revista, publicámo-nos numa e noutra e exteriormente à Internet, em livro, encontrámo-nos pessoalmente em acontecimentos culturais no Brasil , em Espanha e em Portugal.

Como editor de autores de língua portuguesa,  nascidos em Portugal, no Brasil ou nas antigas colónias, Floriano Martins tem sido de uma generosidade inigualável. Entre prováveis centenas,  recordo, por mais próximos, José Ernesto de Sousa, António Barahona da Fonseca, João Rasteiro, Maria Azenha, Nicolau Saião, Pedro Proença, Dalila Teles Veras, Luís Carlos Patraquim, José Luiz Tavares, Fernando Alves dos Santos, Luiza Neto Jorge, Joana Ruas e que outros perdoem as falhas de memória.

Os autores portugueses e dos PALOPS  viam-se publicados na antiga coleção Ponte Velha, da também antiga Editora Escrituras, então propriedade de Raimundo Gadelha (entretanto o selo tem hoje outro proprietário). A edição era apoiada pelo Ministério da Cultura de Portugal e pela Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas (DGLB). Tive ocasião de  visitar Raimundo Gadelha na editora, em São Paulo, uma vez ou duas. Infelizmente, faltou a outra parte do que se pretendia fosse uma parceria: a edição de autores brasileiros numa coleção paralela, em Portugal. A braços já com dificuldades, descapitalizadas, as editoras portuguesas não se abalançaram ao projeto.

Também eu fui incluída por Floriano Martins na coleção Ponte Velha, com dois livros, Tríptico a Solo, de poesia e teatro, e A obra ao rubro de Herberto Helder, cujo principal corpus foram as crónicas do poeta na revista Notícia, de Luanda, hoje reunidas em livro sob o título Em minúsculas (póstumo) Quanto ao meu livro A obra ao rubro de Herberto Helder, está esgotado, soube agora, ao recolher a imagem de capa no sítio da editora.  Mais recentemente, em 2020, na parceria de editoras Cintra e Agulha Revista de Cultura, vi publicado em segunda edição (a primeira, de 2019, é da Urutau), e em versão trilingue, o livro de poemas Clítoris Clítoris, com tradução para espanhol de Berta Lucía Estrada, a partir de uma versão minha em francês. Floriano integrou o livro na coleção O Amor pelas Palavras, outro projeto editorial de grande fôlego, a contar já com uma centena de obras publicadas, desta vez com venda exclusiva numa empresa própria do século XXI, a muito famosa e capitalizada AMAZON.

A literatura contemporânea de língua portuguesa deve muito a Floriano Martins, e não só a mais obviamente surrealista. O mesmo aliás se avance a respeito de autores de língua espanhola, muito em especial na cobertura tão extensa que Floriano tem empreendido na literatura dos países da América Latina, facto que fica bem proeminente neste tributo que lhe  prestamos: Floriano Martins tem sido incansável no esforço de traduzir, publicar e divulgar a literatura da América Latina, continente novo onde, por isso mesmo, correm diversas obras de sua autoria.

Vai ficando patente, nestas poucas linhas, a aparente contradição de que Floriano Martins é artista vinte e quatro horas por dia. Tal se deve não só a ser ficcionista, dramaturgo, artista plástico, e outras vertentes da arte,  mas por neste cômputo de artista caber também, em minha empatia surrealista, o trabalho de editor, jornalista, curador de exposições e eventos, e certamente, deito-me agora a adivinhar, a sua vida familiar. Existência sem distinções entre vida e obra, afirma ele, de resto, nesta série de perguntas e respostas feitas por email. Exatamente como preconizava a Bauhaus, ao não distinguir entre Artes e Ofícios. Necessária no entanto é a liga, como em qualquer prato à altura de um bom chef, e essa liga, que vai da madrugada ao sono, é naturalmente a Poesia.

Cabe agora um parágrafo sobre o quanto Floriano Martins tem feito pelo Surrealismo, do qual diz ser crítico. O volume de obras editadas, além do já patente na Agulha Revista de Cultura, e também no Triplov, onde figura, além da quotidiana edição, um vasto caderno publicado em parceria, é imenso, quer como autor quer como editor e diretor de coleções.  Tão impressionante volume de obras coligidas e editadas nesta área da cultura artística só a conheço em dois intelectuais: Floriano Martins no Brasil e António Cândido Franco em Portugal.

Não é entretanto a quantidade o que mais releva da divulgação, sim a importância do projeto, que abrange desde os surrealistas mais celebrados até aos que vão sendo dados a conhecer, em torrente que bem demonstra ser o Surrealismo uma anti-escola, uma anti-academia, enfim, uma anti-ordem de que irrompe a liberdade do fluxo, numa torrente inesgotável de obras e autores que atravessa fronteiras do tempo,  enfim, aquilo por que afinal é universalmente conhecido: movimento. Movimento Surrealista, cuja não-catalogação, na América Latina e mesmo na Europa, é entendida diferentemente daqueles que o dão por extinto, datado.  A multidão de autores editados em livro e nas várias revistas virtuais familiares do Movimento, autores vivos nos vários continentes, novos e velhos, que dentro dele se exprimem, afirmam que não, que o Surrealismo não é um livro a que tenha sido aposto um FIM. Ele continua a fluir e a alimentar culturalmente o nosso tempo, e daqui a umas décadas poderá avaliar-se ainda a sua futura vitalidade.

Se alguém merece um tributo bem português, é Floriano Martins.  Ele  aqui está, em collage de um beijo grato.

Floriano Martins e Estela Guedes. Collage de FM

 


Floriano Martins (Brasil, 1957). Poeta, ensaísta, editor, tradutor. Dirige a Agulha Revista de Cultura e o selo ARC Edições. Colaborador das revistas Altazor (Chile), Matérika (Costa Rica), La Otra (México), Blanco Móvil (México), Triplov (Portugal) e Acrobata (Brasil). Estudioso da tradição lírica na América Hispânica e do Surrealismo.
Contato: floriano.agulha@gmail.com.
Visite:
Agulha Revista de Cultura:
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com

Escritura conquistada:
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/01/escritura-conquistada-poesia.html
Atlas Lírico da América Hispânica:
https://revistaacrobata.com.br/atlas-lirico-da-america-hispanica/


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