T.S. Eliot e Fernando Pessoa

RICARDO DAUNT
Tributo
Organização:  DERIVALDO DOS SANTOS


S. Eliot e Fernando Pessoa: Diálogos de New Haven, de Ricardo Daunt
Por Claudio Willer


Ensaio de Claudio Willer. Revista de cultura # 40 – Fortaleza, são Paulo – agosto de 2004. Disponível em http://www.jornaldepoesia.jor.br/ag40livros.htm. Acesso em 15 de outubro de 2019. Ensaio 12


 S. Eliot e Fernando Pessoa: Diálogos de New Haven, de Ricardo Daunt. Landy Editorial. São Paulo. 2004.


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Fernando Pessoa e T. S. Eliot se desconheciam. Não se encontraram em vida. Menos ainda, em New Haven. Quem esteve lá foi o narrador, crítico e estudioso de literatura Ricardo Daunt. Nessa localidade, desenvolveu um estudo comparativo, demonstrando haver diálogo, não entre os personagens históricos Pessoa e Eliot, porém entre seus textos.

Literatura comparada é o campo onde a crítica, entendida como estudo universitário de literatura, respira. Promove sua desburocratização, ao libertá-la do jugo deste ou daquele paradigma. Trabalhando diretamente com o texto, busca, não apenas relações lineares de influência, porém aquelas mais complexas de intertextualidade e, ainda, as sincronias, diálogos implícitos, entre autores que, em alguns casos, sequer chegaram a ter a oportunidade de ler um ao outro.

Assim procede Ricardo Daunt – de quem também acaba de ser publicada a narrativa Anacrusa, pela Nankin Editorial – ao confrontar dois vultos maiores da literatura no século XX. Examina, não apenas o que têm em comum, porém diferenças que correspondem, por sua vez, a relações de complementaridade.

No plano das diferenças e da complementaridade, o modo como ambos organizaram sua obra, deixando-nos, no caso de Pessoa, um caos, uma profusão de anotações e textos esparsos, em um desafio a compiladores e organizadores, conforme bem registra e comenta Daunt; e, no caso de Eliot, um corpus perfeitamente organizado. Complementares também foram suas vidas, e a recepção de suas obras: na década de 1930, Eliot já era um poeta reconhecido e um crítico respeitado, ganhando aos poucos a reputação de mestre; e Fernando Pessoa ainda era o autor de textos em revistas literárias, reconhecido por não muito mais gente que os integrantes de Presença e os remanescentes de Orfeu.

Diferenças entre esses dois vultos maiores tornam mais importante ainda o exame das afinidades: cada um a seu modo, herdaram a ironia simbolista, especialmente de Laforgue, e se identificaram com os metafísicos, de Donne em diante. O modo como viram a questão, central em poesia, da relação de razão e emoção, estaria ligado, mostra Daunt, a seu vínculo com a vertente metafísica.

Há continuidade de T. S. Eliot e Fernando Pessoa: Diálogos de New Haven com relação a O Castelo de Axel de Edmund Wilson, onde, de modo precursor, foi estabelecida a conexão entre os simbolistas Laforgue e Corbière, e os modernizadores anglo-americanos Pound e Eliot. Cotejando O Castelo de Axel e T. S. Eliot e Fernando Pessoa: Diálogos de New Haven, vê-se que Daunt prossegue e completa a contribuição de Wilson ao introduzir Pessoa, dando-nos uma versão mais completa da gênese dos modernismos e vanguardas do século XX.

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S. Eliot e Fernando Pessoa: Diálogos de New Haventambém serviria como argumento adicional para reforçar as afirmações de Octavio Paz (em Os Filhos do Barroe em seu ensaio sobre tradução, Traducción: Literatura y Literalidad) sobre o caráter transnacional e translinguístico das literaturas: …mais correto seria considerar a literatura do Ocidente como todo unitário, no qual os personagens centrais não são tradições nacionais – a poesia inglesa, a francesa, a portuguesa, a alemã – senão os estilos e as tendências. Nenhuma tendência e nenhum estilo têm sido nacionais, nem sequer o chamado “nacionalismo artístico”. Todos os estilos foram translingüísticos: Donne está mais próximo de Quevedo do que de Wordsworth; entre Gôngora e Marino há uma evidente afinidade, enquanto nada, salvo a língua, une a Gôngora e ao Arcipreste de Hita que, por sua vez, faz pensar por momentos em Chaucer. Os estilos são coletivos e passam de uma língua a outra; as obras, todas enraizadas em seu solo verbal, são únicas.

A citação acima é de Traducción: Literatura y Literalidad, onde, justamente, Paz examina a influência de Laforgue, de um modo em Eliot, de outro em modernistas hispano-americanos, resultando em poemas distintos, imitando o simbolista francês e oferecendo, ao mesmo tempo, versões originais. São Lunario Sentimental de Leopoldo Lugones e Zozobra de López Velarde, de um lado, e Prufrock and other observations de Eliot, de outro: Em Boston, recém-saído de Harvard, um Laforgue protestante; em Zacatecas, escapado de um seminário, um Laforgue católico, diz Octavio Paz.

O modo como Octavio Paz examinou essas conexões não retira a originalidade do ensaio de Daunt. Ao contrário, serve para acentuá-la, mostrando que enfrentou um desafio, ao apresentar um acréscimo importante à compreensão de como se constituiu a grande poesia do século XX.

A originalidade de T. S. Eliot e Fernando Pessoa: Diálogos de New Haven não reside apenas na comparação efetuada, mas no estilo. Sem abandonar, em momento algum, o rigor acadêmico, a boa fundamentação de seus argumentos, seu autor escreve como se conversasse com alguém. Os diálogos do título da obra não se referem apenas às relações entre Pessoa e Eliot, mas ao modo como procura relacionar-se com seu próprio leitor.


RICARDO DAUNT . TRIBUTO

revista triplov . série gótica . primavera 2020