JOYCE MANSOUR
(1928-1986 INGLATERRA)
TRADUÇÃO DE FLORIANO MARTINS
[MEU CÉREBRO AFINOU]
Meu cérebro afinou
Desde o outono
Por causa da lagosta marinha
Que uiva sob meu leito
Ao despontar cada dia
Meu olho está fechado
Desde o outono
Por causa de meu seio em pau de rosa
Que enrigesce
Meu leito é uma cruz
Desde o outono
Por causa de teu corpo
Que ordena
E ri
Enquando durmo
Quem dera cheguem as primeiras chuvas
[NUA]
Nua
Flutuo entre despojos com bigodes de aço
Com a ferrugem de sonhos interrompidos
Pelo suave bramido dos mares
Nua
Persigo as ondas de luz
Que correm sobre a areia semeada de crânios brancos
Muda eu planejo sobre o abismo
A densa gelatina do mar
Pesa sobre meu corpo
Monstros legendários com bocas de piano
Se refestelam na sombra dos abismos
Eu durmo nua
[SONHO COM TUAS MÃOS SILENCIOSAS]
Sonho com tuas mãos silenciosas
Que remam sobre as ondas
Rugosas caprichosas
E que reinam sobre meu corpo sem equidade
Eu estremeço e murcho
Pensando nas lagostas
De antenas ambulantes e ávidas
Que raspam o sêmen dos barcos adormecidos
Para logo estendê-lo sobre as cristas do horizonte
As cristas preguiçosas empoeiradas de peixes
Em que me refestelo todas as noites
A boca plena as mãos cobertas
Sonâmbula de mar salgada de lua
revista triplov . série gótica . outono 2019
parceria tripLOVAGUlha
EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO DO SURREALISMO 1919-2019
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