Sol negro

 

 

 

 

 


JOSÉ EMÍLIO-NELSON


 José Emílio-Nelson é escritor e editor do CEJMS. Nasceu em  Espinho, 1948. Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Publicou poemas e ensaios em revistas literárias portuguesas e estrangeiras. Prepara a reunião da sua colaboração crítica em jornais e revistas literárias e ensaios sob o título: MAIS DO QUE LER.


Não é branco o Inverno, ao pensá-lo,

as árvores ao sol leve. Têm folhas, não

as perdem. O mau Inverno?

Íngreme, ao fitá-lo das falésias

contra o solo, ansiando o coração de Cristo

com espinhos estampado. Ó estação

preenchida pela dor, leva-me

empoado, carregando a chuva

a moer, retumbante, a trovejar,

penteando-me no crucifixo que amaldiçoou,

urrou. O Inverno (se vangloriava) em vão

era o Inverno.

 

Correm para a luz

as folhas esparsas,

o vaso prende o pé

e o ar frio arrasta

a sós cada haste.

A jarra parada (a derramar-se)

(Pistils) de Mapplethorpe,

envolvendo o mundo esbanjado de esplendor.

E caindo possuída de sexo, soberbo enlevo,

cuidadosamente debruado, ressentido

por uma nudez descansada,

muito limpa, de calcário

 

de tulipaglande, de jarrão erecto e íntimo,

de uma flor distendida, de tufos, a

florpúbis, a pénisflor (de prepúcio,

de pistilos).

 

Ah! Eu então não sabia, homenzinho maravilhado,

enredara-me num cipreste que

alastrava aterrador a penumbra, que se escoa

projectando penoso uma beleza,

digo agora fatídica, arqueando

cada linha enlameada

(dizia: mexe-se sem

sombra, sem neve, sem Inverno)

para, servindo-me disso, servir

numa página o Sol negro

aturdido, comovido, emergindo imperfeitamente,

fixamente, para a visão que sacudi

(até parecera chuva).

 

Ostentava por isso, no papel,

as vastas chuvas atulhadas na noite muda

que apreciávamos com temeridade idolatrada,

alindando com desolada lava, enegrecida, tão vulgar,

flagelando de imprevisto com o borrão

argiloso da melancolia

o céu de Inverno (o céu de escrever).

 

(Apesar de tudo, não me atrevi a dizer, vi andorinhas.

Que resta do velho Inverno,

enorme, engendrado, fuliginoso?)

 


Revista Triplov

Setembro de 2024

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