Ser ou não ser, eis a questão

CUNHA DE LEIRADELLA


E foi. E dizer por que o ex-seminarista carioca José Mata passou a se chamar Joe Wood é fácil. Falsificou o passaporte e entrou em Miami sem ninguém gritar pega ladrão. Mais difícil é dizer qual foi a causa que levou Joe Wood a adotar aquela profissão. Não que Joe Wood fosse algum lobista, algum xerife ou algum caubói. Não. A profissão de Joe Wood não lesava os interesses da comunidade, não mexia com a lei nem requeria esforço físico. Só exigia uma dedicação sacerdotal e uma integridade à prova de qualquer conta numerada na Suíça.

Falar da dedicação sacerdotal e da integridade à prova de qualquer conta numerada na Suíça de Joe Wood seria o mesmo que falar de asas e de patas avículas. Mas falaremos. Falaremos, pois como há asas e asas e patas e patas, também há dedicações e dedicações e integridades e integridades. Tanto um pinguim quanto uma águia têm asas, assim como tanto um pardal e uma avestruz têm patas. Mas é na proporção dessas diferenças que poderemos avaliar o grau de intensidade da dedicação e da integridade de Joe Wood. Na verdade, as asas das águias e as patas das avestruzes estão para as asas dos pinguins e as patas dos pardais assim como a dedicação e a integridade de Joe Wood estão para a dedicação de um funcionário público e a integridade de um político. Quer dizer, não há comparação.

E foi, justamente, por não haver comparação que Joe Wood conseguiu realizar o seu sonho de consumo. Entrar no fechadíssimo círculo dos ecotrólogos juramentados. Ao contrário do que se poderia imaginar, Joe Wood preencheu o questionário de avaliação do American Institute of Sound and Echo EffectsAISEE, como se fosse entrar num Big Brother. Mentiu paca e tirou nota dez.

Contratado, Joe Wood se mandou pelo mundo gravando ecos. Primeiro em Qumran, no deserto da Judeia. A experiência foi um sucesso mas o resultado catastrófico. Além de uma ação conjunta de judeus, palestinos e apostólicos romanos, interposta no Tribunal Internacional de Justiça, Joe Wood se defrontou ainda com outro problema. E gravíssimo. O eco das cavernas de Qumran não era um eco elementar. Era uma babélica suruba, composta por uma infinidade de xingações e palavrões cabeludíssimos. Resultado: editadas as fitas, o que se escutou foi uma salseirada capaz de fazer corar a kamasutrice da Cleópatra ptolomaica, moralmente impossível de ser traduzida e divulgada.

Joe Wood não xingou o gravador nem pediu indenização ao AISEE. Caiu foi fora, se crismou Matulamindh Matu, mandou ver um rag-dong tibetano e seguiu o eco elementar dos seus ecos interiores. Mantrar de qualquer jeito a salseirada de Qumran, pegando o caminho de Bethel. Encontrou-a na fazenda de Max Yasgur, na tarde de 15 de agosto de 1969. Milhares de amassos soap and water off cantavam make love, not war, coroados de mosquitos. Maravilhado, Matulamindh Matu, aprumou os dois metros do rag-dong e ia mandar ver a primeira trombetada, e um trombonão lhe estoura nos ouvidos: Golly, brother! We are looking forward to keeping in touch with God! Era o Swami Satchidananda, yogão e invocador do festival, lhe apresentando um guitarrão cabeludo: Our brother Jimi Hendrix. Gollies brothers pulando na poeira e Jimi Hendrix e Matulamindh Matu mandaram ver o mais memorável dueto da mantragem musical da salseirada de Qumran. Tão memorável, que até no Brasil deu brado patriótico. Em fevereiro de 1971, o rag-dong de Matulamindh Matu baixa em Guarapari e no dia 17 se estende no areal. E se aquele festival do make love, not war tupiniquim foi um fracassão, foi só porque os brasileiros não entenderam a profundidade sonora da trombeta rag-dônguica. Mas Matulamindh Matu não xingou o público e também não pediu indenisação ao produtor. Tranquilo que nem um John Wayne depois do vendaval, pautou a salseirada num arranjo para sopro e sentou na privada, trombonando.

As pautas correram mundo, a mantragem foi tocada em tudo quanto foi lado e fizeram do ex-seminarista carioca José Mata um rival do bilionário americano Bernard Madoff, a sentença ainda não transitada em julgado:

E assim José Mata provou que o ser ou não ser do velho compadre de Windsor não é mais uma questão. É apenas a fissura vivaldina do rag-dong de cada um, conta bancária em offshore.


© Revista Triplov . Série Gótica . Inverno 2017