TRIBUTO AO PROF. GALOPIM DE CARVALHO
Nesse tempo, das roupas de casa às de vestir, quase tudo era feito pela minha mãe. Costureira de fato de homem em solteira, fazia de novo, adaptava dos mais crescidos para os mais novos, virava, remendava, passajava. De agulha na mão ou a pedalar na máquina Singer, era trabalho que fazia por necessidade e, também, por gosto. Mais do que cozinhar, a mãe gostava de costurar.
Para os lençóis e fronhas de travesseiros e almofadas, comprava o pano e fazia-os à medida, o mesmo para cortinas ou cortinados, toalhas de mesa e guardanapos.
Um fato que o pai deixasse de vestir era desmanchado, virado do avesso e feito de novo para o filho mais velho, aproveitando as mesmas entretelas e os mesmos forros e chumaços. Só se notava a transformação, porque o bolso do peito, onde ainda hoje se coloca um lenço a condizer com a gravata, passava a ficar do lado direito, denunciando a situação, o que agastava o filho que não tinha outro remédio que não fosse usá-lo assim, até que voltasse para o cabide, à espera que o irmão mais novo crescesse. As camisas tinham, também, a sua história. Quando os colarinhos e os punhos, ao fim de um certo tempo de uso e de lavagens, ficavam roçados, cortavam-se as mangas e, com elas, faziam-se novos colarinhos. Reparada a camisa, agora de meia manga, ficava nova uma segunda vez. Mas havia uma terceira ressurreição destas peças do vestuário masculino. Inutilizado o último colarinho, ou seja, o que nascera das mangas, cortava-se a fralda, da qual ressurgia a última geração de colarinhos. A camisa, amputada da sua fralda original, recebia um transplante de uma qualquer camisa dadora, posta de lado para se transformar em pano de limpeza, depois de lhe serem retirados os botões.
Revista Triplov
Tributo a A.M. Galopim de Carvalho – Índice
Portugal . Outubro . 2022