RICARDO DAUNT
Tributo
Organização: DERIVALDO DOS SANTOS
ENTREVISTA CONCEDIDA POR RICARDO DAUNT À EDITORA VIA LETTERA, EM 27/11/2005
1 Quando e como você começou sua vida de escritor?
RD: comecei usando a palavra escrita como desabafo e registro de emoções pessoais. Na adolescência fiz poemas e acrescentei algumas linhas a peças de teatro quando era ator amador e dirigia um pequeno grupo, juntamente com um colega que permanece no meio teatral até hoje.
Passei alguns anos sem escrever no fim da adolescência, mas no início da década de 70 voltei a fazer versos e me dei conta de que escrever era o que eu queria fazer pelo resto da vida. Escrevi muitos poemas e repentinamente comecei a fazer contos e a esboçar um e outro projeto romanesco.
2 Qual é o seu percurso literário? Como se dá a opção de fôrma – conto, poesia, ensaios, etc? Como cada fôrma responde as suas necessidades?
RD: o percurso parte da poesia, passa pelo conto, pela novela e romance; paralelamente torno-me crítico literário, o que ocorre no final dos anos 70. Escrevo para grandes jornais de São Paulo e Rio de Janeiro, continuo escrevendocontos e planejando trabalhos mais longos (o que não quer absolutamente dizer que sejam mais difíceis, como muita gente acha). Nos anos 80 recebo um convite de um escritor amigo meu, que era professor, para me candidatar a uma vaga na pós-graduação da USP, na área de Literatura Portuguesa. Começo um doutorado direto e vou me entusiasmando cada vez mais pelo ensaio e estudo literário. Ambicionava e continuo ambicionando ser um autor com absoluto domínio do meu trabalho, severa autocrítica e empenho imaginativo. O exercício da crítica e o exercício da criação caminham conjuntamente em minha vida. Devo confessar que uma boa página de crítica chega a mexer um tantinho assim com minha vaidade pessoal, quando percebo que está bem realizada. A poesia eu encaro talvez mais friamente, já que o verso é um líquido perigoso de se trabalhar, líquido que pode muito rapidamente ferver demais ou transbordar ao menor descuido. Conselho ao jovem poeta: “Se seus olhos estiverem marejados de lágrimas pelo belo verso que você acabou de escrever, largue tudo e volte amanhã, porque hoje você não tem condições de trabalhar”.
O ensaio faz parte do mundo especulativo, do mundo das idéias; é o espaço para minhas reflexões sistemáticas. A ficção curta ou longa depende das características do objeto de trabalho.
O conto já nasce com um tamanho fixado na minha cabeça.
Jamais errei. Normalmente sou capaz de antecipadamente dizer que terá 10 ou 11 páginas. Meu último romance eu sabia que teria mais de 600 páginas e menos de 700.
Entretanto a fôrma literária não vem em resposta a uma necessidade minha, como sua pergunta dá a entender. Ao contrário, sou eu que me curvo face a necessidade do objeto que quer nascer por minhas mãos. É como se ele já existisse em algum lugar.
3 Você segue o processo criativo em todas as suas obras? Como isso vai evoluindo?
RD: Cada caso pede o processo de trabalho que é mais pertinente.
4 Como se dá a montagem de uma antologia de contos? Quais os critérios para unir trabalhos tão distantes no tempo e na forma?
RD: a variedade da forma narrativa é característica emblemática da minha contística desde o princípio. Se você sair à rua determinado a encontrar pessoas de chapéu, certamente se surpreenderá com a quantidade de pessoas que o usam ainda hoje em dia. Se você se impuser uma disciplina de trabalho que o deixa em estado de alerta para toda idéia que favoreça seu projeto contístico seu espírito ficará habitado a propostas as mais variadas. No estágio atual da minha vida, já não preciso me esforçar para que as idéias me visitem; elas o fazem a todo momento. Eu as recebo e dialogo com elas. As mais insinuantes permanecem, tornam-se coisa impressa. A preparação de uma antologia depende muito de inúmeras contingências. O livro de contos Homem na prateleira é o olhar do autor para o desamparo da vida humana. Endereços úteis, outro livro de contos, especula sobre a variedade mágico-trágica da vida. Poses nasceu como um projeto acabado, que era o de capturar a vida humana a partir de uma situação síntese, a que denominei “pose”.
5 Como você escolheu o nome “Poses”?
RD: Já respondi acima: existe a pose decadente do homem solitário, sentado em uma poltrona de um apartamento vazio que sonha com glórias que não teve; a pose do artesão exigente, em sua oficina, tocando seus objetos de trabalho com paixão; a pose do próprio objeto de museu que se deixa observar, mas tem um segredo que ninguém tomou conhecimento.
6 O livro Poses mostra vários lugares, narradores e situações. Como isto foi trabalhado e como você acha que o leitor irá recebê-los? O que você pode falar sobre sua técnica?
RD: Viajei muito em minha vida, por vezes a trabalho. Morei fora do país inúmeras vezes. Isto desde a adolescência. Vivi culturas diferentes por longos períodos e isso me ensinou a guardar essas vivências em mim como um bem muito valioso. Quando escrevo, não há fronteiras, não há pré-concepções. Sou um escritor nascido no Brasil, de família de origem européia. E que viveu em diversos países. Qualquer vivência humana pode se transformar em literatura. A nação da literatura é o mundo inteiro. Sou um observador meticuloso. E me interesso por tudo que está ao redor. Sou um diletante, um generalista. Acho que poucos escritores não o são.
Poses é o livro de um observador profissional, digamos assim. Minha técnica narrativa é fruto também da autocrítica que já mencionei aqui. E da observação sistemática da tradição literária. Sou um escritor povoado de escritores. Quando escrevo, dialogo simultaneamente com a tradição inteira, além de fazê-lo comigo mesmo. Meus textos são refeitos diversas vezes, e permanecem no limbo por longo tempo até que recebam o passaporte para a posteridade. Costumo ser exigente comigo todo o tempo. Escrever não é um passatempo. É um ato do destino. Um ato irrevogável. Quase uma condenação. O verdadeiro escritor não consegue deixar de sê-lo. Sei disso porque cheguei a largar a literatura por 3 anos. Fiquei doente, porque não estava sendo eu integralmente. Recomecei a escrever e minha doença metafísica acabou.
7 O que este livro representa em sua carreira?
RD: Poses é meu livro de ficção curta mais importante. Como foi longamente gestado, traz inúmeras marcas e sinalizações do meu caminho como ficcionista. E algumas novidades, como o humor, que o leitor irá deparar em diversos contos e novelas, com algumas passagens realmente até engraçadas, ao lado de momentos singelos.
RICARDO DAUNT . TRIBUTO