Petrúcio Maia, “em cada sonho seu…”! 

JORGE MELLO 


Quando cheguei em Fortaleza, cheio de sonhos e energia para trabalhar com música, tive como meu primeiro amigo e companheiro de papos musicais, a linda figura de Petrúcio Maia, a quem chamávamos de Pete. Pouca gente sabe desse meu primeiro momento na capital cearense. Era muito difícil. Eu só conhecia o Pete, coisa que explicarei em seguida. Acontece que para um garoto sonhador, que deixou sua terra em busca do sonho, houve a necessidade de um grande trabalho para encontrar o caminho das pedras. Como começar, o que devia fazer para chegar onde eu sonhava. Teria que ir me oferecer na TV? Tinha que freqüentar programas de calouros nas estações de rádio? Visitar os locais onde poderiam estar os músicos, tais como escolas de música, Conservatórios, teatros? Só sei que tentei tudo, e de tanto me infiltrar nas “bocas” para me entrosar com os musicais locais, tive a satisfação e o prazer de ser desses compositores da nova geração em Fortaleza, o primeiro, a ver gravadas suas composições. Petrúcio acompanhou isso. Estava próximo de mim nesse momento. Duas canções minhas foram gravadas pelo grupo “BRASAS SEIS”, conhecido como o melhor grupo de “Musica Jovem” do Ceará. Eles gravaram no seu álbum LP “SOM QUENTE” as minhas canções “Loucura de Você” e “Garota Linda”. Canções que eu cantava semanalmente no programa SHOW DA TARDE NA TV Ceará sob o comando do Paulo Limaverde. Esse disco foi gravado no Rio de Janeiro ainda em 1968. Nesse mesmo ano também no Rio de Janeiro, a cantora Sonia Regina e a Banda Jovem “OS SELENITAS”, gravaram um compacto simples pela gravadora RIO SOM selo HOT essas mesmas músicas minhas. Foi um compacto simples e de um lado “Loucura de Você” e do outro “Garota Linda”. Eu me sentia um artista consagrado, mas, os papos com Pete me mostravam outro caminho, diferente desse de criador de canções que lembravam a “Jovem Guarda” do Roberto Carlos e sua tropa. E só o Pete Maia sabia disso, coisa que era assunto em nossas andanças e encontros. Ele me falava dos outros musicais da terra, e eu morria de vontade de os conhecer. Coisa que aconteceu quando me inscrevi num Festival de Música, e tratarei adiante.

Eu tinha um profundo carinho pelo amigo Petúcio Maia. Posso iniciar esse texto, com palavras que escrevi em outro trabalho em que homenageio o parceiro Belchior, quando falo de nossas parcerias. O texto já publicado tem o título de “CENAS DO PRÓXIMO CAPÍTULO – Sonho e parcerias”. Naquele texto iniciei com essas palavras:

“Na segunda metade dos anos 1960 vinha eu do Piauí para Fortaleza movido por dois grandes sonhos: a universidade e a carreira musical (essa alimentada pelas notícias da chegada da televisão na capital alencarina). É que na minha terra natal, Piripiri, eu já encantava as garotas com minhas composições interpretadas nas serenatas pelas madrugadas, e achava pouco. Queria muito mais! E também me divertia nos programas de rádio de Teresina, onde estudava. Cheguei em Fortaleza no início de 1967. Nesse ano prestei vestibular para cursar Direito na UFC e meu irmão Emanuel Carvalho, prestou para Medicina. E logo no início de 1968 o Emanuel chega pra mim com a notícia de que na sua turma tem um cara igual a mim, segundo ele, que “fica todo tempo criando versos e tocando violão”. E ele levou até onde eu morava numa republica estudantil o tal colega de turma. Assim conheci o Belchior em março de 1968. Claro foi como cair a sopa no mel. Fiquei imediatamente ligado a ele e ele a mim. Frequentei sua casa e ele visitava muitas vezes o meu canto, um apt. de apenas um cômodo na Av. Duque de Caxias.”

Pois bem, veja que relato o início de minha amizade com o parceiro Belchior, pessoa que conheci em 1968 porque era colega de turma na Faculdade de Medicina da UFC, de um irmão meu. Mas, nesse relato informo que cheguei a Fortaleza um ano antes, no início de 1967. Ai é que está a mágica do presente texto sobre minha amizade com Pete Maia. Fui amigo dele um ano antes de conhecer meu maior parceiro por toda a vida, que foi Belchior.

Ao chegar na capital alencarina, procurei duas coisas imediatamente: a TV e o rádio. Eu era de rádio em Teresina, onde participava de todos os programas de auditório e até alguns programas noturnos apesar da pouca idade. Na capital piauiense eu me apresentava semanalmente nos programas de auditório da Rádio Pioneira e participava semanalmente do programa “Shows dos Bairros” na Rádio Difusora de Teresina, programa comandado pelo palhaço Guarani. E a minha transferência para Fortaleza, foi motivada pela chegada da Televisão naquela localidade. Ouvira falar na TV Ceará Canal 2. Não resisti e procurei me mudar para conhecer essa novidade tecnológica. Logo que cheguei na nova capital passei a ser artista constante do programa “Show da Tarde” de Paulo Limaverde na TV, como já falei. E também dos programas de auditório da Rádio Assunção, naqueles tempos funcionando na Praça José de Alencar. Para me sustentar procurei trabalho e fui contratado como vendedor de rua, da loja “Gustavo Silva”. E passava os dias andando pela cidade oferecendo os produtos, com o talão de pedidos debaixo dos braços. Foi muito bom, assim conheci de imediato a cidade inteira e aprendi onde estavam os locais que me interessavam: os Teatro José de Alencar, e Teatro Universitário; Conservatório de Música Alberto Nepomuceno; Casa Juvenal Galeno e, claro a TV Ceará. E para relaxar das caminhadas parava um pouco entre uma venda e outra nesses lugares, buscando conhecer os músicos da terra. Um dia, no Conservatório Alberto Nepomuceno, tive o prazer inesquecível de conhecer Petrúcio Maia. Conversamos, falamos de música, e ele ao piano me mostrou suas composições. Uma delícia. Foi o Pete Maia, o primeiro amigo dentre todos os outros musicais cearenses que hoje tenho como irmãos. Ele me levou logo em seguida à Mércia Pinto, me falou dos festivais de música da cidade, e me apresentou à Dalva Stela. Petrúcio me levou à Faculdade de Arquitetura e também ao Teatro Universitário. Sonhei ser universitário para circular naquele ambiente mágico da Universidade. Ele me levou ao ponto de encontro dos músicos e poetas na Avenida Duque de Caxias, no Bar “Balão Vermelho”. Foi quem me apresentou Augusto Pontes e Cláudio Pereira. No ano seguinte, já tendo conhecido o Belchior e participado de Festivais, e conhecido outros compositores, e até já dirigindo musicalmente os programas musicais “PORQUE HOJE É SABADO”  e o programa “GENTE QUE A GENTE GOSTA” na TV Ceará, e já tendo amizade com muitos dos músicos de minha geração, aconteceu de ser também o Petrúcio Maia quem primeiro me levou ao “Bar do Anísio”. Olha que coisa maravilhosa essa nossa relação. Lembro muito desse dia: estávamos eu e Belchior e outros amigos compositores no “Bar do Gerbô”, ao lado da TV Ceará, quando Petrúcio Maia nos informa que a turma agora se reúnia na Beira Mar num lugar ao lado da casa do Cláudio Pereira, chamado “BAR DO ANISIO”.  Nesse dia conheci esse lugar mágico e degustei minha primeira biquara frita, prato típico servido pelo Anísio e família. Uma delícia. Nunca mais saí de lá onde fiz amigos que se tornaram irmãos. Quanta saudade…!  Só deixei o “BAR DO ANISIO”, lugar que ia diariamente, no dia em que fui embora pro Rio de Janeiro continuando a saga na busca do sonho. Isso no início de 1971.

Foi o que descrevi no texto já citado sobre minhas parcerias com Belchior: “Nos festivais eu e Belchior conhecemos a rapaziada que fazia música em Fortaleza, mas não tínhamos intimidade com essa turma. Nossos encontros com eles no começo eram encontros formais. Com o programa na TV houve um amadurecimento dessas amizades e logo nos sentimos enturmados. Os encontros se estendiam ao ambiente universitário, principalmente na Faculdade de Arquitetura e aos bares, como o “Balão Vermelho” na Av. Duque de Caxias e também num bar ao lado da TV Ceará que tratávamos por “Gerbô”. E logo nos reuníamos no Bar do Anísio na Av. Beira Mar, vizinho à casa do Cláudio Pereira.

Lá no “Bar do Anísio” encontramos todos aqueles amigos que conhecemos nos festivais, na TV e nos outros bares da cidade. Éramos uma família agora. Irmãos inesquecíveis: Petrúcio Maia, Cláudio Pereira, Augusto Pontes, Rodger Rogério, Tetty, Fausto Nilo, Mércia Pinto, Chica (Francisca Nepomuceno), Ieda Estergilda, Antonio José Brandão, Dedé, Ednardo, Cirino, Fagner, Ricardo Bezerra, Olga, Delberg, Sérgio Pinheiro, Amelinha, Belchior e eu, Jorge Mello. Uma delícia estar com esses amigos…!”

“No dizer de Gilmar de Carvalho (jornalista, professor da UFC e Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP): “Na terceira fase vieram a televisão e os festivais. Os programas “Porque Hoje é Sábado” e “Gente que a Gente Gosta”, na TV Ceará, ambos produzidos e apresentados por Gonzaga Vasconcelos, passaram a recrutar o pessoal novo. Então pintou a possibilidade de mostrar um trabalho para um público maior, de se encarregar da direção musical: era a fase da aprendizagem. Os festivais, por sua vez, ao invés de separar, pelo caráter de competição, juntavam mais a turma. Era a certeza de que havia um trabalho, um processo e de que todo mundo estava perseguindo a mesma meta, apesar de serem diversos os caminhos. E houve o Festival Aqui, promovido pela Rádio Assunção e pelos diretórios acadêmicos das escolas de Arquitetura e Serviço Social e Orgacine, em cujos estúdios, em Fortaleza, foi gravado o LP artesanal, depois prensado pela Companhia Industrial de Discos. Depois vieram os festivais promovidos pelo DCE, TV Tupi, o Nordestino, também pela TV Tupi, e o de música de carnaval, pela cervejaria Astra. Nomes como o de Rodger Rogério, Ricardo Bezerra, Petrúcio Maia, Belchior, Ednardo, Fagner, Lauro Benevides, Jorge Mello, Cirino, Luis Fiuza, Ribamar, Dedé, Braguinha, Sergio Pinheiro, e Maninho despontavam.

Então o pessoal começou a se mandar. O êxodo seria a quarta fase. Era a consciência da qualidade do trabalho e a constatação de que fora do Rio-SP, centros de geração e difusão de ideias e atitudes, era inútil insistir.  Faltaria ressonância ao trabalho e nenhuma proposta e arte sobrevivem dissociadas do púbico que ela visa atingir. Foi-se a primeira leva. Belchior trancou a matrícula do curso de Medicina e se mandou, cantou na “barra pesada” e venceu com “Na hora do Almoço” um festival universitário de âmbito nacional. Era o começo.  Jorge Mello foi  dos primeiros a emigrar. Ednardo e Fagner foram depois.”.

E no chamado “Sul Maravilha”, tivemos a presença do Petrúcio Maia, tanto no Rio de Janeiro, convivendo em minha casa com Teca Melo, Fagner, Belchior e Cirino e comigo, como tivemos também sua presença no núcleo paulista, na casa de Rodger e Tetty. Lembro muito de uma certa vez em que fomos recebidos por Sérgio Ricardo em sua casa e sendo ele um pianista, havia um belo piano à disposição das visitas e o Pete foi a estrela central mostrando suas criações maravilhosas. Em São Paulo, estivemos juntos em inúmeros locais e por dezenas de vezes, gerando lembranças e memórias inesquecíveis e encantadas…!

Aconteceu com outros compositores cearenses, porque foi o caso de Lauro Maia, também levado muito cedo do convívio com os amigos, fãs e admiradores da boa música. O criador do “Balanceio”, também era um gênio da música como foi Petrúcio Maia. No dizer de Humberto Teixeira: “…e a morte prematura, muito jovem, muito injusta, muito tirana do Lauro…” . Uma pena o que o destino fez com Lauro e Pete.

A primeira obra sua que me encantou foi com certeza, “Pé de Sonhos” que escreveu em parceria com Antonio José Brandão, também meu parceiro. Gravei em 1972 “Se for Preciso Você Chora” (de Jorge Mello e Antonio José Brandão) na Poligran.  “Pé de Sonhos” é uma canção sensacional. Linda! Ainda hoje me emociono quando a  canto. Sou eternamente deslumbrado com sua grande qualidade…! Outra canção encantadora é “Dorothy L’amour” que escreveu em parceria com Fausto Nilo. Outra obra prima!

Adoro o artista e a pessoa de Salvino Petrúcio Mesquita Maia, meu querido Petrúcio Maia, o sempre Pete Maia. A morte o roubou cedo demais do convívio de fãs e amigos como eu. Mas ficou sua bela obra para aliviar um pouco essa saudade tão imensa. Vi pouco meu amigo Pete Maia nos seus últimos dias. Seu calvário me pegou de surpresa no meio de uma aventura como produtor e empresário, porque chegou um momento na minha vida que me dividi entre o criador de canções e o produtor de discos e shows. Justifico. Precisei aprender a administrar minha carreira. Foi o que fiz ao abrir a minha própria produtora e gravadora. Senti que poderia fazer alguma coisa na área de produção de eventos e de trilhas e ainda de discos, porque não via como entregar isso a outra pessoa, porque não atraí o interesse de nenhum sujeito que quisesse fazer isso por mim. Caí de boca no mercado e fui fazer meus shows, produzir trilhas de publicidade e trilhas para teatro e cinema. E produzi e lancei meus próprios álbuns pelo meu próprio selo. E, assim tomado desse árduo trabalho,  não tive tempo nem de assistir adequadamente a família (mulher e filhos), nem de estar presente ao drama dos amigos, como o querido Pete Maia.

Muita gente sabe de minha formação em Direito. E da minha especialização e Direitos Autorais. E sobre isso, como advogado especializado na matéria, vou nesse momento me cobrir com o manto da ética própria à advogados e à advocacia, para não tratar desse assunto nesse texto sobre  a obra de meu querido amigo Petrúcio Maia. Isso porque fui procurado pela viúva Bigha Maia como advogado para ajudá-la. E mesmo tendo declinado do convite para atuar como advogado, e ficando fora de todos os atos e ações, ouvi suas razões e por isso, só por isso, não posso me manifestar. Ela tem advogados que nem conheço e quem pode falar dessa matéria são eles. Em respeito ao código de ética da advocacia nada posso falar, nem opinar sobre a matéria nesse momento.

Mas, atendendo ao convite do Floriano Martins, amigo de muitos anos, aceitei escrever sobre minha relação de amizade com meu inesquecível amigo Petrúcio Maia, pessoa a quem devo muito pelo que me ajudou no início de minha carreira.  No quintal por traz de casa há um sonho meu de pé, meu ACERVO, lugar em que guardei documentos que contam a história da música de minha geração. E muito do que ali se encontra tem o Petrúcio Maia como um dos personagens centrais dessa saga, para o conhecimento das gerações futuras interessadas na matéria. VIVA a música de PETRÚCIO MAIA!!!


♣revista triplov. série gótica . inverno 2018