AMADEU BAPTSTA
O poeta é o anjo do pintor –
diálogo poético entre Amadeu Baptista, Walter Benjamin e García Lorca
Por Raquel Maceiras[1]
Universidade de Évora
Resumo: O Som do Vermelho, livro datado de 2003, tríptico poético da autoria do poeta português Amadeu Baptista (1953-) sobre a pintura do artista plástico Rogério Ribeiro (1930-2008), visa o diálogo entre a palavra e a obra visual executada pelo pintor. Mais do que olhar o outro, tornando-se o seu duplo, atinge-se a transfiguração entre poeta e pintor, dentro da intimidade criativa do atelier. Assiste-se, assim, a um tempo que se desdobra externamente ao presente. São convocadas figuras como o anjo e a inspiração, também estas transfigurações do próprio poeta. Tratando-se de símbolos-imagéticos presentes em outras produções literárias, pretendo, neste artigo, alargar o diálogo poético entre a poesia e a pintura deste tríptico, para assim chegar a autores como o autor alemão Walter Benjamin (1892-1940) e o poeta espanhol Federico García Lorca (1898-1936), convocadores do anjo, da musa, inclusive, do duende.
Palavras-chave: Amadeu Baptista; García Lorca; Walter Benjamin; Poesia portuguesa contemporânea; Rogério Ribeiro
Abstract: O Som do Vermelho, a book dated from 2003, poetic triptych by the portuguese poet Amadeu Baptista (1953-) on the painting by the plastic artist Rogério Ribeiro (1930-2008), aims at the dialogue between the word and the visual work executed by the painter. More than looking at the other, becoming his double, the transfiguration between the poet and the painter is achieved, within the creative intimacy of the studio. Thus, we witness a time that unfolds externally to the present. Figures such as the angel and inspiration are summoned, also transfigurations of the poet himself. Imagery symbols present in other literary productions, I intend, in this article, to broaden the poetic dialogue between the poetry and the painting of this triptych, in order to reach authors such as the german author Walter Benjamin (1892-1940) and the spanish poet Federico García Lorca (1898-1936), also these summoners of the angel, the muse, even the elf.
Keywords: Amadeu Baptista; García Lorca; Walter Benjamin; Contemporary portuguese poetry; Rogério Ribeiro
O Anjo, o pintor e o poeta
Ich weib jetzt, was kein Engel weib
[Sei agora o que nenhum anjo sabe]
Peter Handke (apud Cantinho 2015: 6)
A obra do autor português Amadeu Baptista (1953-), poeta que começa a publicar na década de 80 do século XX, inserido num grupo de escritores que será frequentemente ocultado do meio literário português, apesar de uma obra amplamente premiada – o que levará o escritor e editor Valter Hugo Mãe a lançar uma antologia que reúne diversos autores com obra publicada nesse período temporal, de nome Desfocados Pelo Vento. A Poesia dos Anos 80 Agora, no ano de 2004 (Mãe 2004: 7) – é dotada de um discurso poético que visa o constante diálogo entre a palavra e a obra visual, manifesto nos títulos lançados: O Som do Vermelho (2003), tríptico poético sobre a pintura do artista plástico Rogério Ribeiro; Sobre as Imagens (2008), alusivo aos catorze painéis provenientes do antigo retábulo da capela-mor da Sé de Viseu; Poemas de Caravaggio (2008), clara menção ao célebre pintor italiano; Sistina (2014), a partir dos afrescos da Capela Sistina do Vaticano; entre outras produções.[i] Ao debruçar-se pela obra de arte, a construção literária de Amadeu Baptista não inaugura uma tradição poética no território português, de que o exemplo mais notável em Portugal será Metamorfoses (1963) de Jorge de Sena. Não tratando apenas de uma poesia ecfrástica (ekphrasis, palavra provinda do grego, ek – fora, phrásis – falar; do verbo ekphrázein: proclamar ou chamar um objecto inanimado pelo nome; em português: écfrase) alia-se ao sentido do ver, do olhar para atingir a transfiguração do eu-poético: vozes que vão desde o pintor, pela condição daquele que cria, até à incorporação das personagens retratadas, símbolos-imagéticos continuum dos tempos ancestrais, passado, presente e futuro, numa constante renovação poético-pictórica, recaindo na condição existencial do homem no mundo. (Heffernan 2004: 191). Maria Graciete Besse afirmaria, na Revista Colóquio/Letras, que “O universo de Amadeu Baptista vive da presença ardente do Outro, do cruzamento de olhares e significações, da circulação indefinida entre o Eu, o Tu e o Mundo” (1987: 112).
O tríptico poético da obra literária O Som do Vermelho separa em três momentos a produção poética, aludindo a três quadros do pintor português Rogério Ribeiro (1930-2008).[ii] A primeira pintura impõe a presença de uma enorme figura alaranjada, composta por cores de fogo, debruçada sobre uma pequena tela branca que no centro funde tons azuis e vermelhos. Pintado de vermelho-escuro, o fundo do quadro permite o vislumbre de uma sombra horizontal que molda o movimento das asas: trata-se d’O Anjo da Paleta, datado de 1988. A segunda tela – O Pintor Apoiado pela Inspiração, de 1997 – apresenta nova figura, mais uma vez modelada em diferentes camadas de vermelho. Observa-se a ação do movimento contida no gesto-guia: o braço estende-se em paralelo e sobrepondo-se à mão de uma segunda personagem, apoiando o braço daquele que será, porventura, o próprio pintor. Este movimento a dois permite que o traço se desenhe na tela: um semicírculo. Atrás destes, um painel central pintado de verde mágico. Por fim, a última produção – Quadros para uma Exposição, de 2011 – dá continuidade ao fundo escarlate. Diversas figuras sobrevoam no fundo do quadro, em diferentes posições, correndo; outras projetando-se em movimento vertical de ascensão; algumas pairando sobre outras telas, pela força das asas ou mesmo na ausência destas. Nesta última pintura, observa-se o atelier do artista e os seus quadros; um possível auto-retrato do pintor com a sua paleta, ao centro; e as ferramentas que permitem que o desenho e a pintura aconteçam. Um quadro no canto direito inferior revela a figura de um homem-concha, um homem com carapaça ou cápsula, em posição fetal; enquanto no canto inferior esquerdo subsiste uma tela que revela apenas a parte de trás, assinada pelo pintor-criador.
A cada quadro, um passo poético. Os três poemas de Amadeu Baptista são caracterizados por uma única e longa estrofe de título homónimo à pintura. Não se observam maiúsculas em início de frase, sequer rima obrigatória, ou qualquer rigidez estilística. A ausência de maiúscula cria um efeito de continuidade, de um tempo indivisível. Os versos são soltos, heterométricos, sendo os versos mais breves recolhidos como quem pretende que estes sobressaiam. A exemplo, no poema “O Anjo da Paleta”, as seguintes depressões de início do verso podem ser observadas:
há quem pense que o artista me pôs aqui
à espera de alguma coisa que vai acontecer.
é, realmente, assim, embora não seja de todo verdade
que eu espere o que quer que seja, além de uma
salvação plausível.
antes de mais, quem mais espera aqui é o artista,
sempre capaz de interpor à espera outras celebrações
e outra predominância do desejo, enquanto aguarda
o exacto momento
em que, mais que nascer, a luz há-de surgir das coisas
para existir de novo, conclusivamente.
o artista maneja a minha vontade apenas numa mínima
porção
evidente, a porção exacta de um constrangimento
ou de uma derrocada,
mas essa porção mínima, deve dizer-se, é que é fulcral
para que o estremecimento possa gerar
entre as presenças
uma maior presença avassaladora e definitiva.
uma vez colocada esta presença entre o espaço
da moldura,
que é por coincidência a minha presença angelical,
todas as coisas mudam para sempre na sua desmedida
dimensão
e passa a haver uma outra grandeza em tudo
o que nos rodeia e me rodeia.
por esse alcance inigualável do artista, passo
a significar
outros sentidos na superfície da tela, com outras,
inúmeras,
correspondências sobre o que vejo e me vê.
(Baptista 2003: 13-14)
Juntando-se os versos breves dessa sinalização de avanço – “salvação plausível […] / o exacto momento […] / porção […] / da moldura […] / dimensão […] / a significar […] / inúmeras”, e não sendo possível colocar o poema na íntegra pela sua extensão, adiciono os versos com espaçamento precedente que se seguem: “que atravessa […] / o artista” (versos 5, 9, 13, 21, 24, 28, 30, 66 e 107, Baptista 2003: 13-16) – outra coisa se forma, metamorfoseando-se; podendo, ou não, ter sido intenção do autor, ou consequência estabelecida pelo leitor.
Sobre os longos poemas, é o próprio Amadeu Baptista que, entrevistado por Maria Cantinho (2017: s.p.), responde:
Sobre a questão dos poemas longos, digo o seguinte: não sou eu quem determina a quantidade de versos que os meus poemas possam ter; escrevendo o poema é o próprio poema que reclama mais ou menos espaço para se instituir e a mim cabe-me acatar e calar. Tenho poemas de um só verso e tenho poemas de inúmeros versos: cedo ao meu inconsciente e ao poema o arrojo da sua extensão, um capítulo em que eu não mando nada.
A autora observará, mais tarde, em ensaio dedicado ao autor, que estamos perante uma produção poética singular que, se situada na década de 80, não apresenta correspondência com os seus pares:
a sua obra é pouco consensual, não alinhando em modismos. Os seus longos poemas, que não podem ser incluídos em antologias, o seu afastamento relativamente às “tribos” poéticas, o facto de concorrer com sucesso a vários prémios literários, transformou-o numa persona non grata da poesia contemporânea portuguesa. (Cantinho 2018: 166)
Porém, acrescenta que se trata de
uma poesia de longo fôlego, discursiva, revelando o tom de uma voz lírica, muitas vezes inconformada com o seu próprio tempo e com os seus atores. Uma voz que se escreve como um modo de resistência, sempre, em improviso constante, como metamorfose ou fuga […] E essa fuga, expressão de uma linguagem que opera metaforicamente sobre o tempo […]. (idem: 168)
Em recente antologia que reúne grande parte da produção de Amadeu Baptista, Danos Patrimoniais – Antologia Pessoal 1982-2022 (2023: 911), em posfácio escrito por Henrique Manuel Bento Fialho, é em parte contrariamente considerado que
Não são poemas‑sequência nem desses poemas longos que parecem surgir de um fôlego […] levam a crer num labor demorado, num trabalho de montagem em que se percebe a tensão permanente entre os vectores da memória e do flâneur […].
No tríptico poético sobre a pintura de Rogério Ribeiro não existe paginação (ao longo do presente artigo, quando mencionado o lugar dopoema/verso na obra, apenas se estabelece uma estimativa do número da página), o que adensa a ideia de continuidade, de uma complementaridade previamente estabelecida ao articular os três painéis por via da construção poética.
Ana Isabel Ribeiro, no prefácio à obra O Som do Vermelho, considera:
Um quadro valida a sua existência quando pode ser lido como uma pintura […] Neste sentido, um quadro é provocador na sua essência e aparência, cresce para além dos seus limites e, fugindo das mãos do artista, ganha outras e novas dimensões. Dá-se, mas não se desvenda. Deixa-se, apenas, perscrutar numa valência de verdade individual. (Ribeiro 2003: 2)
Partindo deste último excerto, importa considerar as palavras de Rancière quando fala da montagem das imagens para servir o discurso poético. Em particular, no ensaio “A pintura no texto”, o autor defende que as palavras não revelam ou explicitam verdades totalizadoras sobre as imagens; pelo contrário, “tornam-se elas próprias imagens para fazer mover as figuras do quadro, para construir essa superfície de conversão […].” (2011: 118). Para o autor, a montagem literária é uma prática que redistribui o sensível, ou seja, reorganiza a forma como percebemos e compreendemos o mundo. Ao combinar diferentes textos, vozes e estilos, a montagem desafia as fronteiras tradicionais entre disciplinas e géneros, criando novas formas de ver e entender que se relacionam com a construção poética que Amadeu Baptista emprega sob o pretexto das pinturas de Rogério Ribeiro. A poesia torna-se um espaço de resistência e emancipação onde a linguagem não é apenas um meio de comunicação, mas um campo de experimentação estética que rompe com as cadeias de significados estabelecidos e abre espaço para novas formas de expressão e compreensão. A montagem poética permite a exploração das potencialidades da linguagem, revelando capacidades transformadoras, as quais pretendo evidenciar ao longo da presente análise.
Se, para Rogério Ribeiro, as três pinturas estão inseridas num conjunto alargado da sua produção pictórica que trata de uma “pesquisa plástica centrada em torno do Atelier” (Ribeiro 2003: 2), da intimidade do seu universo alquímico, para Amadeu Baptista trata-se de elaborar uma montagem, uma digressão poética pelos três exemplares recolhidos, particularmente estes, para fabricar novo agrupamento, concebendo nova narrativa, “transfiguração que vai do traço da pintura ao traço das letras” (ibidem).
Para Ana Isabel Ribeiro, o poeta vai mais além: “de uma semiótica do inteligível, para uma outra formulação intelectiva” (ibidem). Poder-se-á escutar a voz do escritor alemão Walter Benjamin (1892-1940), a propósito do projeto inacabado Passagenwerk (publicado pela primeira vez em 1982): “O método deste trabalho: a montagem literária. Eu não tenho nada a dizer. Só a mostrar” (Benjamin 2019: 589). Ou, acrescentando Rancière, “a superfície não é sem palavras, sem as ‘interpretações’ que a picturalizam” (2011: 119). O autor confere um grau de paradoxalidade de carga magnética, de atração de opostos que são correspondentes, do visível e dizível, provinda da máxima antiga ut pictura poesis de Horácio, totalmente desfigurada ou (re)configurada. A poesia torna-se um espaço de resistência e emancipação, onde a linguagem não é apenas um meio de comunicação, mas um campo de experimentação estética e existencial. A montagem poética permite a exploração das potencialidades da linguagem, revelando capacidades transformadoras, enfatiza a importância da dissociação e da recomposição como ferramentas que visam romper com as cadeias de significados estabelecidos e abrir espaço para novas formas de expressão e compreensão.
Ao abrir a obra O Som do Vermelho, o leitor é, primeiramente, confrontado com a figura do anjo, presença e figura da tela. Posteriormente, no poema que lhe dá continuidade (ou a duplica), “O Anjo da Paleta”, há novo confronto com o eu-poético que discursa na primeira pessoa do singular, através da voz lírica do anjo: “há quem pense que o artista me pôs aqui / à espera de alguma coisa que vai acontecer […]” (Baptista 2003: 14, vv. 1-2). O anjo é assim projetado em palavras, recorrendo ao tempo verbal presente, por uma ação que decorre no momento da fala para, ocasionalmente, recorrer ao infinitivo – sem modo ou tempo; ou a um imperativo da sugestão, do convite, da instrução que dirige ao pintor.
Figura furtada da superfície da tela do pintor, dotada de individualidade e vontade, quem é este anjo?
Primeiro, o poeta é a voz do anjo. Esse milenar mensageiro vindo de parte incerta, esse ser alado, feito pelo homem à sua própria imagem numa sublime transferência do seu eterno desejo de voar, e que permanece enigmático na sua bondade e adversidade, misterioso nas suas capacidades de incarnação da esperança universal. Os anjos, tradicionalmente portadores de boas novas, omnipresentes, revelam-se a quem os sabe encontrar. É por isso que este anjo, de dedos delicados, apenas toca na paleta, aqui simbolicamente representando a Pintura e que se assume, de acordo com o poeta, como um “[…] anjo a potenciar a criação do artista […]” este anjo é pretexto para Amadeu Baptista evocar a contínua demanda, a luz, o som, as interligações que, sem dúvida, acrescentam sentido à existência e conferem ao homem o poder de intervir sobre todas as coisas. (Ribeiro 2003: 4)
Este anjo fala em momento posterior àquele em que foi desenhado e colocado no cenário idealizado pelo pintor. Porém, assegura que qualquer controlo que o pintor tenha sobre si é de carácter ilusório e provisório:
uma vez colocada esta presença entre o espaço
da moldura,
que é por coincidência a minha presença angelical,
todas as coisas mudam para sempre na sua desmedida
dimensão
e passa a haver uma outra grandeza em tudo
o que nos rodeia e me rodeia.
(Baptista 2003: 14, vv. 20-26)
Avançando um pouco mais dirá: “estou a ser visto e a ver, cresço / numa tensão quase inacreditável sobre o ilimitado / espaço da sensibilidade / e passo a ser o reflexo de uma experiência comum […].” (idem: 15, vv. 35-38).
A figura do anjo tem lugar em outras indagações literárias, provocadas também pela pintura, provindas ou desencadeadas pelo poder da imagem, em Walter Benjamin. Aludo à figura de um anjo em particular – “O Anjo da História” – inserido no ensaio de nome “Über den Begriff der Geschichte” (“Sobre o Conceito de História”, originalmente publicado em 1942) que interroga o conceito de História em confronto com o progresso e o messianismo, construindo caminhos que irão ao encontro do domínio da Filosofia da História. Convém, no entanto, recuperar o momento em que o próprio Walter Benjamin descreve o impacto causado por uma pintura que lhe ocupará o pensamento, transversal à elaboração dos futuros ensaios:
Há um quadro de Klee intitulado Angelus Novus. Representa um anjo que parece preparar-se para se afastar de qualquer coisa que olha fixamente. Tem os olhos esbugalhados, a boca escancarada e as asas abertas. O anjo da história deve ter este aspecto. Voltou o rosto para o passado. A cadeia de factos que aparece diante dos nossos olhos é para ele uma catástrofe sem fim, que incessantemente acumula ruínas sobre ruínas e lhas lança aos pés. Ele gostaria de parar para acordar os mortos e reconstituir, a partir dos seus fragmentos, aquilo que foi destruído. Mas do paraíso sopra um vendaval que se enrodilha nas suas asas, e que é tão forte que o anjo já as não consegue fechar. Este vendaval arrasta-o imparavelmente para o futuro, a que ele volta costas, enquanto o monte de ruínas à sua frente cresce até ao céu. Aquilo a que chamamos o progresso é este vendaval. (Benjamin 2010: 14)
O Angelus Novus (1920), do pintor alemão Paul Klee, expõe um par de asas abertas, hibridização do desenho geométrico das mãos. O olhar está fixo naquele que o encara, o espectador, em contraste com o anjo de Rogério Ribeiro e de Amadeu Baptista, que dirige o olhar e observa na tela o mundo: debruça-se sobre o precipício. O presente é revelado pela fixação física na tela, a presença corpórea e cromática, em que estes anjos se configuram. Não esqueçamos: a tempestade vem do paraíso. O futuro que Benjamin teoriza está aliado à ideia de um passado que o anjo de Paul Klee materializa. Para Benjamin, a montagem literária é uma técnica que permite uma crítica ao tempo e à história. Em vez de apresentar uma narrativa linear, a montagem justapõe fragmentos, que o anjo de Klee recolhe, citações e imagens, revelando contradições e múltiplas perspetivas. Também a voz do anjo, gerada por Amadeu Baptista, nos diz: “eu ali, o observador ali, os dois / em simultâneo a reviver o novo e o antigo / que, procedendo do nada, / é, simplesmente, pura totalidade” (Baptista 2003: 16, vv. 79-82).
Amadeu Baptista classifica o nada como a continuidade das coisas, numa afirmação paradoxal ao abranger também a rutura do tempo. A afirmação é retirada de um artigo da sua autoria, em memória do poeta português João Orlando Travanca Rego (1940-2003):
O Sujeito da Catástrofe da experiência da História (próximo do anjo das Teses sobre a História, o último texto de Walter Benjamin) é um sujeito […] obrigado a fazer a experiência e a elaborar o conhecimento (im)possível dessa situação de descontinuidade e fractura. […] O pensamento, como a linguagem, não são homogéneos, contínuos, encontram-se já atravessados e estruturados pelo nada – uma vez que, em poesia ou filosofia, se trata sempre de “(re)interrogar o nada”. (Baptista 2005: 190)
O anjo é, em ambos, potenciador da criação, ser omnisciente que aumenta o horizonte do artista, prolonga-se através deste:
ultrapasso a primeira dimensão do entendimento,
oiço vozes,
o som do vermelho repõe pelo mundo a planície, […]
revelo-me como princípio enunciador, estou solidário
com o pintor como um poeta sage […].
(Baptista 2003: 19-20, vv. 188-203)
Esta última comparação com o poeta sage não é mais que a representatividade dos laços entre o anjo, o pintor e o poeta; e por último, transfiguração do poeta no anjo. Poeta e pintor partilham o mesmo oráculo, pertencem ao mesmo círculo que interpreta e exterioriza pelo medium da linguagem e da expressão visual. Ambos traduzem signos e estabelecem relações para depois proceder à fixação via imagem ou palavra.
Sobre o signo-símbolo do anjo, Federico García Lorca (1898-1936), poeta espanhol, teceu outras considerações, na conferência Teoría y juego del duende:
O anjo deslumbra, mas não voa sobre a cabeça do homem; está acima, derrama sua graça, e o homem, sem nenhum esforço, realiza a obra ou simpatia ou dança. […] Anjo e musa vêm de fora; o anjo dá luzes e a musa dá formas (Hesíodo aprendeu com elas). Pã de ouro ou túnicas de pregas, o poeta recebe normas em seu bosque de louros. Ao contrário disso, é preciso que se desperte o duende nos últimos recantos do sangue. (1930: 112)
O anjo, sob a perspetiva de García Lorca, não pertence à etnia sensível do poeta. Limitado, apregoa imposições criativas. Concede a graça, abençoa, todavia, a graça que concede pressupõe uma regra, uma resignação criativa. Trata-se de um anjo que abre caminhos, porém dominado por um carácter tendencioso.
Unicamente comparável ao anjo de Walter Benjamin pelo gesto análogo daquele que derrama a luz mas que, contrariamente ao primeiro, a intenção não é de agraciar, antes de desobscurecer o passado e iluminar o presente trágico: “Diante do mundo em escombros, permanece o inesquecível olhar, o olhar de um anjo alegórico, que se sobrepõe à ‘revelação cínica’ e que já nada consegue salvar.” (Cantinho 2015: 101).
O anjo de Lorca, ao que é possível apurar, e contrariamente aos anjos de Amadeu Baptista e Walter Benjamin, é desprovido de conexão pictórica. O poeta espanhol irá introduzir duas outras figuras que, além do anjo, importam ser comentadas, em linha de continuidade e configuração no tríptico poético de Amadeu Baptista e nas pinturas de Rogério Ribeiro: a musa e o duende.
A inspiração, a musa e o duende
Quais são as parcelas do mundo que o artista reinventa e decifra pintando? Quais são os territórios do discurso que se instaura, corporiza e materializa em traços, em jogos de luz e cor, e até em sons, de que fala o poeta? (Ribeiro 2003: 5)
O segundo momento poético dá lugar a nova fala: a voz da inspiração eleva-se, corporizada pela força da palavra, à semelhança do corpo vermelho observado na tela que apoia o braço do pintor, surgido pela força cromática. Mais uma vez, o eu-lírico apresenta-se na primeira pessoa do singular, estabelecendo raízes com o momento presente, à semelhança do “Anjo da Paleta”: “sou a inspiração que o pintor procura / em lugares desabridos e raramente encontra […] / e eu existo e não existo, sem que possa / revelar a minha presença imperscrutável.” (Baptista 2003: 24, vv. 1-5).
Se é possível afirmar que o poeta se fez inspiração do pintor e que o próprio, ou ambos, não são mais do que desdobramentos do anjo, já a inspiração é de qualidade distinta. A inspiração, figura feminina, fantasiada com a mesma carga simbólica da musa, partilha com a figura do anjo o facto de ser presença externa e interna da criação que se dá no quadro. Existe porque o pintor a colocou ali. E subsiste fora do espaço pictórico porque é constantemente indagada, servindo a outros olhares e interpretações. O anjo e a inspiração são figuras simbólicas de uma tradição literária e pictórica longa que une a literatura e a criação plástica de toda a ordem e variação. Inspiram à criação, pertencem ao oculto, ao divino, bem como, ao demoníaco. Não obstante, no poema de Amadeu Baptista, o anjo é verbalizado em momento póstumo à presença na tela, para a partir desse lugar futuro evocar o passado e o presente. Já a inspiração é iniciada por uma fixação invisível que pertence ao processo criativo de procura e interrogação do pintor e poeta:
Dando voz à inspiração, o poeta questiona, talvez perguntando-se, simultaneamente, a si próprio: “onde estou? onde está a linguagem / que comigo vem? / onde estarei antes mesmo de, na sua nuca, / me tornar implícita no que quer que pense? / onde estarei na cabeça do pintor? (Ribeiro 2003: 6)
A inspiração estava já presente, porém, existe e não existe. É de carácter ontológico e suporta o ato criativo das relações que o pintor estabelece com o mundo e as coisas que o rodeiam.
Da inspiração personificada por Amadeu Baptista, encontram-se paralelismos e afinidades em duas outras figuras – a musa e o duende – expostas por Federico García Lorca, na mencionada Teoría y juego del duende:
A musa dita, e em algumas ocasiões, assopra. Pode relativamente pouco, porque está distante e tão cansada (eu a vi duas vezes) que tive de dar-lhe meio coração de mármore. Os poetas de musa escutam vozes e não sabem de onde vêm, mas são da musa que os alenta e às vezes os alimenta. Como no caso de Apollinaire, grande poeta destruído pela horrível musa com que o pintou o divino angélico Rosseau. A musa desperta a inteligência, traz paisagem de colunas e falso sabor de lauréis, e a inteligência é muitas vezes inimiga da poesia, porque imita demasiado, porque eleva o poeta a um trono de agudas arestas […]. (2000: 112)
García Lorca associa à figura da musa um carácter imperativo, sobranceiro. Há uma ressonância negativa no falso alento que arremessa com força os poetas. A musa acena com a inteligência, porém o seu sopro leva a criação ao tédio.
Em contraste, está a figura aliciante do duende: “A verdadeira luta é contra o duende […] Para encontrar o duende não há mapa nem exercício. Sabe-se somente que o sangue queima como um tópico de vidros, que esgota, que rechaça toda a doce geometria aprendida, que rompe estilos.” (idem: 113).
García Lorca atribui à figura do duende a origem de uma composição poética que triunfa pela natural inteligibilidade que possui, afirmando:
A virtude mágica do poema consiste em estar sempre “enduendado” para batizar com água escura todos os que o olham, porque com duende é mais fácil amar, compreender, e é certo ser amado, ser compreendido, e essa luta pela expressão e pela comunicação da expressão adquire, às vezes, em poesia, características mortais. (idem: 121)
Está implícita a violência criativa inerente à voz lírica que é a inspiração, no poema “O pintor apoiado pela inspiração” de Amadeu Baptista, que a afasta da musa, conforme García Lorca a caracterizou, e aproxima do duende. São vários os momentos em que tal pode ser verificado: “onde estarei na cabeça do pintor? / onde lhe inflijo o golpe para que tudo desvende.” (Baptista 2003: 24, vv. 25-27); “e, num momento, o pintor decide-se a uma ideia / simples, / cabendo-lhe aguardar que o rastilho magnífico / se incendeie.” (idem: 25, vv. 35-38); “o pintor sabe, ou suspeita, insidiosamente, / que a linguagem, qualquer linguagem, é um clarão. / e o meu assédio é total, brutal, eficaz.” (idem: 26, vv. 77-79); “e eu a atormentá-lo sempre, a perseguir o artista, / a zurzir-lhe nos ombros a vara da aflição e do fascínio, / a prender-lhe aos cabelos a escuridão das casas […].” (idem: 27, vv. 94-96); “esse animal, sou eu, obviamente, / que em várias noites venho por montanhas / e vales a inspirar, / a conspirar, / para despertar no pintor o que em si dorme há seculos / e em pura fúria persiste […].” (idem: 29, vv. 171 a 176).
Lorca observa o seguinte: “o duende ama os flancos, a ferida e aproxima-se dos lugares onde as formas se fundem em um anelo superior às suas expressões visíveis.” (2000: 122).
Entre a inspiração, figura poética, construída por Amadeu Baptista e o anjo de Walter Benjamin, existem semelhanças, espelhando a primeira característica do Angelus Novus, nomeadamente nos seguintes versos: “às vezes nem uma sombra sou e o pintor / não pode mais fazer do que lançar o olhar / sobre os desígnios do mundo […].” (Baptista 2003: 24, vv. 6-8); “o pintor é um eremita a perscrutar / a pedra, sondando-lhe o interior, a ver / na escuridão uma seara povoada por infinitas / legiões de camponeses […] /e, como anjos, vislumbram no horizonte imperfeito um mar de trigo / a arder, sempre a arder, na distância […]. (versos 57 a 63, idem: 25-26, vv. 57-63).
A alegoria observa o passado e esse passado é negro, flameja. Cantinho analisa a ironia corrosiva contida no registo poético de Amadeu Baptista, “por vezes, desconcertante, mas sempre pautada por uma vigilância crítica, que faz ressaltar uma voz singular e multímoda na poesia contemporânea portuguesa.” (2018: 169). Enquanto Ana Isabel Ribeiro atenta na verdade intrínseca presente na figura da inspiração, a que o pintor tem como tarefa “dar corpo ao corpo da existência” (Baptista 2003: 6).
Podemos afirmar que a figura da inspiração carrega em si uma tripartição: é anjo, musa e duende nos distintos elementos que a integram por via da criação poética, extrapictórica. É inteira e una no espaço temporal: está antes, agora e depois. Mais: não está nunca e está sempre.
A linguagem é um clarão
a inquietação de quem, não tendo asas,
ousa voar, pintando. por um lado, vejo.
por outro lado, pinto. e tudo a que aspiro
é esta perturbação imperturbável
que vem da luz e o mundo transfigura,
sem que ignore, em qualquer momento,
que também surjo do mundo e nessa luz
evoluo, a questionar o mistério e o sortilégio
em que aqui chego, como um sintoma
de tudo o que existe no universo
e é, comigo, a expressão da ressonância
que viaja pelos tempos para todo o sempre
e pela variedade infinita se define
(Baptista 2003: 32)
Nesta fase conclusiva, é necessário dirigir o olhar para a pintura, dobrar a visão entre o poema e o quadro.
O desfecho poético acontece com a composição “Quadros para uma exposição”, aquele que é o poema mais breve do tríptico e em que o eu-poético assume nova voz. Se em conceção anterior, a figura do anjo e da inspiração se dirigem a uma terceira pessoa – o pintor –, o poema final é assumido pelo próprio, aquele que exerce a arte de pintar. Transforma-se o anjo em inspiração e gradualmente no autor que deu origem às figuras que, nos dois poemas anteriores, corporalizaram o discurso.
Monólogo poético, espécie de solilóquio, ocorrido no exato momento presente da fala – porventura da criação –, o pintor, metamorfose do anjo, ousa voar. Ele é personagem, unidade do complexo maior que é o mundo por inteiro, suportando as constantes mutações que ressoam dentro de si. Não podemos esquecer que, na pintura de título homónimo, está patente um possível auto-retrato do pintor, e, ainda, pela assinatura, a certificação da existência enquanto criador, pequeno deus. Porém, Ana Isabel Ribeiro, no prefácio da obra, desvenda o possível engodo: “Um e não o pintor, já que não é de um auto-retrato que se trata. Aquele pintor, que segura a paleta revelando o segredo das cores geradoras de outras, está de olhos fechados, não afronta o espectador, apenas repousa na sua postura de trabalho.” (Ribeiro 2003: 6).
Sobre o movimento na pintura, Sousa afirma:
O movimento na pintura é sempre sugerido, como o próprio tempo, através de efeitos da forma: a colocação e natureza das figuras, a repetição, o tratamento sucessivo da presença de andamento natural, do homem e das coisas, também quanto ao tamanho e desfocagem destas. Mas isso não passa de uma avaliação, simplificação de todo o processo, como de resto acontece com a simplificação por nivelamento ou por acentuação, mas integra diversas sensações de tempo e forma. (2013: 115)
Da pintura e da génese do tempo, importa recolher e colocar junto à asserção de Sousa os seguintes versos: “falo, antes de mais, dessa energia / que as formas geométricas corporizam / e não são mais que figuras de nós mesmos / em permanente mudança, a fluir / no que se adivinha e pressente […].” (Baptista 2003: 33, vv. 22-26). A conjuntura do tempo repete-se e, mais uma vez, a reminiscência do Angelus Novus de Walter Benjamin ecoa, a que se aproximam circunstâncias: “cercado por negrume e a asfixia, tantas vezes / tão próximo da ruína e do extermínio […].” (idem: 33, vv. 37-38); solicitando a memória que perscruta o pintor: “pela memória assumo a diligência / de averiguar o que é estrela fixa / e no ponto de fusão ao cosmos acrescenta / um lugar de partida e de chegada […].” (idem: 33, vv. 41-44).
Compreende-se que o pintor é intermediário entre tempos ancestrais, entre presente e futuro, todavia aquilo que cria dá-se somente na ordem do presente atual da sua existência. Nele residem a figura do anjo e da inspiração. O pintor é um observador iluminado rodeado de sombras. O seu olhar cede à duplicidade da visão do precipício que o anjo observa na primeira tela, não se deixando dominar pela visão possivelmente funesta, apoiado pela inspiração que o traz à superfície e incita:
por um lado, vejo. por outro lado,
pinto. e é como se tivesse uma dupla pupila sob a reserva
que na alma levo,
vencendo assim um obstáculo e outro,
notando como a mão
a segurar o pincel
é potencialmente asa,
talvez precária,
talvez rudimentar,
mas não menos asa sobre o espaço
e a matéria […].
(idem: 35-36)
Porém, é nesta capacidade criativa que o pintor revela aqueles que são os segredos da humanidade e do mundo, nem sempre entendidos, vistos ou ouvidos; questionamentos dirigidos ao próprio observador-recetor sobre si mesmo, interrogando-o, constantemente, em função do tempo vivido.
Sobre os diferentes modos de criação, Ana Isabel Ribeiro afirma:
Ambos sabem, pintor e poeta, que são artes e engenhos que podem atenuar e reinventar os contornos da esperança, tornar menos agrestes as arestas do tempo, quando (talvez no exacto momento), o pintor se deixa afagar pela asa do anjo, e pinta, mesmo quando o poeta dá voz à voz do pintor, e escreve. (Ribeiro 2003: 9)
É subentendido que o eu-lírico deste último poema, criação do poeta, exteriorizado por uma voz que se configura como sendo a do pintor, não é mais que o poeta dentro do corpo do pintor. “Presença e representação são dois regimes de entrançamento das palavras e das formas. E é ainda pela mediação das palavras que se configura o regime de visibilidade das ‘imediações’ da presença.”, afirma Rancière (2011: 107). Para o filósofo francês, a montagem literária é uma prática que redistribui o sensível, ou seja, reorganiza a forma como percebemos e compreendemos o mundo. Ao combinar diferentes textos, vozes e estilos, a montagem desafia as fronteiras tradicionais entre disciplinas e géneros, criando novas formas de ver e entender.
Podemos observar, como ato conclusivo e através da análise produzida, que a transformação das figuras pictóricas pelo(s) poeta(s) – incluo Walter Benjamin e García Lorca – permite “estados metafóricos da matéria”, reconfigurações provindas de um espaço pictórico que, por meio de uma construção e manejo poético, revelam nova visibilidade, pois a criação, seja literária ou pictórica, transige transfigurações desta ordem.
Bibliografia
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Benjamin, Walter (2010), O Anjo da História, tradução de João Barrento, Porto, Assírio & Alvim.
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Cantinho, Maria (2015), O Anjo Melancólico. Ensaio sobre o conceito de alegoria na obra de Walter Benjamin, Paris, Nota de Rodapé [2ª ed.].
__ (2017), “Amadeu Baptista: ‘a poesia é um território inabitável’”, Revista Caliban, <https://revistacaliban.net/caudal-de-relâmpagos-é-já-uma-boa-proposta-para-os-vindouros-que-pela-minha-obra-se-possam-d352d3505055> (último acesso em 12/03/2024).
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Rancière, Jacques (2011), “A pintura no texto”, in O Destino das Imagens, Lisboa, Orfeu Negro, 95-120.
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Sousa, Rocha de (2013), “Deriva breve pelas coisas básicas do ver e a visibilidade das somas”, in Com ou Sem Tintas: composição, ainda?, Lisboa, Faculdade de Belas-Artes, 106-117, <https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/10385/2/ULFBA_ET12_835_Rocha%20de%20Sousa.pdf> (último acesso em 12/03/2024).
Mãe, Valter Hugo (org.) (2004), Desfocados pelo Vento. A poesia dos Anos 80, Vila Nova de Famalicão, Quasi.
[1] Raquel Maceiras encontra-se atualmente a redigir uma dissertação que evoca o conceito de ekphrasis e desocultação na poesia do autor português Amadeu Baptista (1953-), no contexto do mestrado em Literatura – Especialidade em Criações Literárias Contemporâneas, pela Universidade de Évora. Em 2020, concluiu a licenciatura em Línguas e Literaturas – ramo de Literatura e Artes pela mesma universidade. Enquanto autora publicou Os Poemas de Eurídice (2023), sob o pseudónimo Bárbara, pela editora Páreas|Párias, e participou na primeira edição da plataforma europeia digital Poetry Expo 2024, organizada pela Versopolis Platform, que visou a exploração e celebração da poesia, da criatividade humana e da literatura, com apoio do Programa Europa Criativa da União Europeia.
[i] Sobre os poetas com publicação estreada na década de 80, é de menção uma primeira antologia: Baptista, Amadeu / José Emílio-Nelson (orgs.) (2002), Poesia Digital – 7 poetas dos anos 80, Porto, Campo das Letras. No prefácio escrito por Luís Adriano Carlos são referidas as circunstâncias histórico-sociais vividas por estes autores: “A geração de 80 desperta entre o período pós-revolucionário e a integração na CEE, para amadurecer a sua visão do mundo com o fim da Guerra Fria e a queda do Muro de Berlim. É a geração que pelos seus 30-40 anos assiste ao fim de um ciclo iniciado na década simétrica de 1910 e conhece o nascimento precoce do século XXI entre os escombros da era atómica e o vórtice hiperfuturista da revolução digital. O seu mundo é o mundo da digitalização generalizada, do genoma à cidade, do sexo à reprodução, do indivíduo à comunicação, do planeta ao espaço intergaláctico – da letra ao texto e ao hipertexto.” (2002: 7).
[ii] Rogério Ribeiro (1930-2008), destacado pintor português, cuja obra abrange várias vertentes, desde a pintura à gravura até ao design gráfico e cenografia, autor de painéis de cerâmica e de cartões de tapeçaria, foi o fundador da Gravura – Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses. É reconhecido pela sua habilidade em capturar a essência das paisagens e das figuras humanas, usando cores e formas de maneira expressiva e simbólica. Amadeu Baptista e Rogério Ribeiro estabeleceram uma colaboração artística que integrou poesia e pintura, criando uma fusão entre as duas artes. Além de O Som do Vermelho, servem de exemplo os livros do poeta intitulados O Claro Interior (2004) e Salmo (2004), ilustrados pelo pintor. Em sentido reverso, nos catálogos das exposições Rogério Ribeiro: o Atelier do Pintor (2001) e Ícaro: exposição de Rogério Ribeiro (2000) são adicionados poemas de Amadeu Baptista. Este tipo de parceria é relativamente comum na história da arte, onde poetas e pintores se inspiram mutuamente, criando obras que dialogam entre si, cumprindo a qualidade ancestral de um princípio e origem comum: o conceito grego de ekphrasis, a que poderá acrescentar-se a mímesis intrínseca que se transfigura e expande.
Revista Triplov . Dezembro de 2024