MANOEL TAVARES RODRIGUES-LEAL
Tributo
Org.: Luís de Barreiros Tavares
Do blogue : http://linguafone.blogspot.com/
O gesto surge e ergue-se
Manobra ondulação de ombro braço e mão
Manuel Tavares Rodrigues-Leal, 23-1-71
Algumas considerações.
“A Poesia não tem nome. À sua imagem, o poeta é o homem incógnito. Como poderia ter um nome se a Poesia é o homem à procura dos seu nome?”
Eduardo Lourenço, Tempo e Poesia, Porto, ed. Inova Porto, 1974. (primeira edição)
“Conheces o nome que te deram,
não conheces o nome que tens” (Livro das evidências)
Inscrição de abertura de Todos os Nomes de José Saramago
“Perguntou-se como iria viver a sua vida daqui para diante, se voltaria às suas colecções de gente famosa, durante rápidos segundos apreciou a imagem de si próprio, sentado à mesa ao serão, a recortar notícias e fotografias com uma pilha de jornais e revistas ao lado, a intuir uma celebridade que despontava ou que pelo contrário fenecia, uma vez ou outra, no passado, tivera a visão antecipada do destino de certas pessoas que depois se tornaram importantes, uma vez ou outra tinha sido o primeiro a suspeitar que os louros deste homem ou daquela mulher iam começar a murchar, a encarquilhar-se, a cair em pó, Tudo acaba no lixo, disse o Sr. José, sem perceber naquele momento se estava a pensar nas famas perdidas ou na sua colecção.”
Todos os Nomes (José Saramago)
What did your face look like before your parents were born?
Zen koan
Tinha dezoito anos (em 1981) quando conheci pessoalmente Manoel Tavares Rodrigues-Leal (Manoel – Lisboa 1941). A ideia de construir este blogue (http://linguafone.blogspot.com/) ocorreu em 2011. Trinta anos depois. Tomei contacto com a sua poesia no primeiro dia em que o conheci. Éramos vizinhos, se vizinho se pode chamar a uma pessoa que mora a cerca de trinta metros da outra. Já o conhecia de vista há vários anos. Nas possibilidades que os meus dezoito anos me permitiam, pareceu-me logo que havia qualquer coisa de pelo menos interessante na sua obra. Não se trata de um dado ou nome, quase, nem tão-pouco adquirido. E esta ideia entusiasma-me… Geralmente é o que acontece quando falamos ou escrevemos sobre algum autor que, se não está já lançado ou na ribalta, pelo menos está na rampa de lançamento editorial. Não é o que acontece ainda com este poeta. Chamaria àqueles casos tão banalizados – dados e nomes quase ou já adquiridos -, e criando uma nova expressão, mas lembrando aquela extraordinária de Marcel Duchamp (ready-made): ready-made-name. Uma espécie de coisa, objecto, dado ou nome já feito, já terminado. No caso da expressão ready-made-name, o ‘nome’ toma um lugar prevalecente como garantido e, por isso, já feito, sendo consequentemente, muitas das vezes, o que mais importa. Ou seja, às tantas, o nome acaba por ser o mais importante, impondo-se como imperativo antes de qualquer outra coisa. É que o “dado e adquirido” incorre frequentemente – não quer dizer que seja sempre – num ‘antes’ (já dado e adquirido) que é paradoxalmente um ‘depois’ (já dado e adquirido). ‘Antes’, numa espécie de apriori; ‘depois’ porque finalizado, terminado, e isso vem no fim, a saber, depois.
Todavia, o que me parece haver é uma insuficiente compreensão destes mecanismos da linguagem que funcionam muito bem, de um certo modo inconscientemente, nas engrenagens dos mercados, das publicidades e, acima de tudo, da visibilidade pela visibilidade que trai de uma certa maneira alguma cegueira de que se não dá por isso. Quer dizer que esta modalidade de trabalhar com o ‘nome’ se cola enquanto garantia à partida numa lógica de mercado e de publicitação.
Trata-se também, segundo me parece, de uma questão metonímica. Mas não é este o lugar para analisar esta questão.
Enfim, vivemos numa profusão vertiginosa e paradoxalmente futura de ready-made-names! Esta estranha pletora… Evidentemente que não é sempre assim. E mesmo nos casos, nos nomes em que isto acontece, não é obrigatório que sempre assim seja. Mais ou menos nestes termos, no Fedro de Platão, conta-se que os antigos (para a época) davam mais atenção ao que dizia uma pedra ou um carvalho do que a alguém com um nome importante vindo de uma grande cidade. Mas citemos: “Sócrates – Dizem, meu caro amigo, que os primeiros oráculos no templo de Zeus, em Dodona, foram feitos por um carvalho! É evidente que os homens daquele tempo não eram tão sábios como os da nossa geração e, como eram ingénuos, o que um carvalho ou um rochedo dissessem tornava-se muito importante, conquanto lhes parecesse verídico! Mas para ti talvez interesse saber quem disse determinada coisa e de que terra é natural, pois não te basta verificar se essa coisa é verdadeira ou falsa!” (Platão, Fedro, 175 c; tradução: Pinharanda Gomes). Nestes contextos da poesia ponhamos de lado a questão do verdadeiro e do falso. Talvez fosse interessante fazer um dia um estudo sobre a questão petulância do nome. Mas não é este o lugar nem o momento para tal análise.
“Hoje a táctica repressiva baseia-se precisamente no contrário. Nada de proibir. Agora trata-se de fomentar. O próprio excesso, a proliferação e a super-abundância ocupam-se de sufocar ou desvirtuar a voz dos melhores, dos que poderiam ser os autênticos guias da sociedade. Quanta estupidez nos invade em nome da independência e até da nobre pureza da juventude! Quantas banalidades são condecoradas e aplaudidas fazendo-as passar até por rebeldia! Quantas confusões se criam misturando o autêntico criador com tendências que se dizem novas ou que, demagogicamente, se diz serem mais populares, mas que não são senão frivolidades e disparates inventados pelas ordens estabelecidas! (Antoni Tàpies, A Prática da Arte, Trad. Artur Guerra, Lisboa, Cotovia, 2002). Tàpies não cita nenhum nome. Inteligentemente, ele apela para a atenção que deve ser tomada por qualquer um para o que se pode manifestar nestas circunstâncias, seja para quem for (1).
Eduardo Lourenço escreve a propósito de Fernando Pessoa: “ Pessoa conhece uma «glória» verdadeiramente universal. Devemos exultar diante de um fenómeno que toca a idolatria ou deplorá-lo? Muitos reflexos desta glória não nos aproximam nem da obra, nem da figura (em suma, humana) do poeta da Ode à Noite” (Fernando Pessoa, Rei da Nossa Baviera, Lisboa, Gradiva, 2008, p. 46).
Um autor tem oscilações (obras melhores do que outras). Bem como os critérios críticos também variam relativamente a um mesmo livro ou a um mesmo poema, p.ex. Um crítico pode fazer uma análise mais favorável e outro menos. Isto não é novidade.
Além disso, gostaria muito de ver certos críticos e estudiosos de certos autores tidos como malditos e loucos lidarem com eles directamente. A menos que tivessem a capacidade de transfiguração que lhes garantisse uma certa loucura e caos dispondo assim da possibilidade de suportar certos temperamentos que muitas das vezes caracterizam uma certa genialidade a par da obra. Fugiriam a sete pés, sem dúvida nenhuma. Gostariam de falar e escrever sobre eles à distância do espaço e ainda mais do tempo. Evidentemente que alguns são capazes.
Normalmente é muito fácil falar, escrever e pensar sobre o que já foi. Não por acaso Duchamp se retirou para um certo silêncio durante muito tempo.
Eis o desafio a que me propus, prestando aqui algum tributo, tanto quanto possível, à sua obra e à pessoa, uma vez que somos amigos. Sendo um pouco suspeito pelo motivo da amizade, deixo assim alguns registos.
Sou testemunho de uma ínfima parte de um conjunto de cerca de 100 cadernos inéditos de prosa-poética e fundamentalmente de poesia (alguns deles com 100 poemas), só conhecendo uns 3%, se tanto.
Parafraseando o enorme e ímpar poeta que foi Fernando Pessoa, se é bom ou não “sei lá, pouco me importa.”
Não se trata aqui de alguém que descobre alguém. Quem sou eu para o ter descoberto se nos separam mais de vinte anos de idade. Andava eu na creche e já ele escrevia poemas. Quem é ele para me descobrir se a ideia de construir este blogue partiu de mim. Para mais, também faço as minhas coisas à parte estas. Mas as coisas não se resumem a somatórios. Aliás, como todos nós em relação uns aos outros, fazemos sempre outras coisas que os outros não fazem, cada um a seu modo na sua dignidade. Neste e noutros casos, as pessoas descobrem-se um pouco mutuamente nos trabalhos que partilham. Quando muito dão-se também a descobrir, dão os outros a descobrir-se, dão-se a descobrir pelos outros. Enfim, dão-se a descobrir uns aos outros através das coisas que todos fazem durante os trabalhos e os dias, para empregar as palavras de Hesíodo – sabendo que há sempre algo mais a fazer e por descobrir.
Não fui eu quem previamente trouxe a sua poesia a um leve aparecimento público. Antes foi a sua poesia que me fez trazê-la a este primeiro limiar. Além disso foi o Manoel quem reatou contacto comigo há uns 5 anos após um interregno de 8, e um dos motivos foi o de ele ir para a frente com a divulgação da sua obra (publicações de edição de autor) contando com o meu apoio na medida das minhas possibilidades.
Enfim, e lembrando uma expressão usada por um antigo meu professor de Filosofia, Costa Freitas (Manuel Barbosa da Costa Freitas – Frade Franciscano que de vez em quando nos lia ou nos pedia para ler o conto de Alphonse Daudet: A Mula do Papa), num tom algumas vezes espirituoso e muito ao seu jeito, e não só: “ninguém substitui ninguém.”
Entre outros feed-backs, menciono o de Maria João Seixas relativamente a um livro seu ( “Eis o livro de um grande poeta”), de José Gil ao ler um poema (“é belíssimo”) e de Eduardo Lourenço nas suas primeiras impressões ao ler alguns poemas (“tem inegáveis qualidades poéticas”).
Este blogue foi inicialmente aberto como espaço provisório com poucos poemas para enviar a algumas pessoas na passagem de ano 2010/2011. Em Janeiro de 2011 decidiu-se construir um blogue permanente, partindo desse dito espaço provisório, onde se foram colocando mais dados acerca da obra do Manoel. ‘Manoel’, como o próprio diz, é a matriz de todos os seus pseudónimos, sendo que simultaneamente o seu nome próprio é ‘Manoel’. Esta ideia ocorreu e decidiu-se fazer este trabalho em conjunto. Este poeta tem alguns livros publicados (quatro, e dois com posfácios escritos por mim) em edição de autor desde 2007. Sairá em de 2012 um outro livro. Publicou alguns poemas no Boletim da SLP (Sociedade da Língua Portuguesa), havendo também no site desta instituição uma recensão sobre um livro seu pela Dra. Elsa Rodrigues dos Santos, bem como um texto da minha autoria sobre os seus três livros.
Manoel desconhece o modo de trabalho com a Net. Mais uma razão para que esta seja o medium principal para este tipo de divulgação, e para que futuramente se possa dizer e pensar o que bem se entenda sobre a sua obra – coisa que não me dirá minimamente respeito – antes que o resto do espólio vá por água abaixo.
Para levar a cabo este projecto foi preciso da minha parte um grande poder de encaixe com a loucura, inclusive a minha, correspondentemente, também, claro. Eis pois o resultado de um ano de registos vídeo e escritos.
Luís de Barreiros Tavares . 12/2011
MANOEL TAVARES RODRIGUES-LEAL