MARGARETE BERTOLO BOCCIA
Articulação entre Literatura Infantil e e a Matemática (1)
RESUMO
O presente texto tem como objetivo apresentar o relato da experiência realizada com alunas (os) do curso de Pedagogia articulando a Literatura Infantil e a Matemática. Essa experiência foi pautada por reflexões relacionadas à formação docente cuja discussão sobre a articulação entre os conhecimentos didático-pedagógicos e os chamados específicos das áreas de conhecimento não são unanimidade. Há muita discussão sobre a relação Teoria e Prática, lacunas na formação de professores e uma resistência dos alunos do curso à área de exatas, cuja matemática está inserida; é comum ao conversarmos com alunas (os) e estas expressarem experiências negativas, muito receio e angústia, quanto a: o que? e como ensinarão aos seus futuros alunos? O alento é que estes sujeitos esperam não reproduzir essas experiências ruins, bem como não desejam participarem de um círculo vicioso de reprodução de experiências de insucesso. Destacou-se a não descaracterização da Literatura Infantil como recurso ao trabalho e ensino de outra área de conhecimento, mas sim um trabalho interdisciplinar. O trabalho desenvolvido contou com a análise de 41 livros por diferentes grupos de alunos e destes, 14 aceitaram compartilhar seus registros comentários e impressões sobre o desenvolvimento da atividade. Essas marcas serão apresentadas e consideradas para o fortalecimento do espaço de formação e de novas reflexões sobre alternativas necessárias à construção de conhecimentos tanto conceituais, quanto didático- procedimentais e práticos.
PALAVRAS-CHAVE: Formação, Articulação, Literatura Infantil, Matemática e Curso de Pedagogia.
INTRODUÇÃO
Este texto visa apresentar reflexões sobre a articulação entre a Literatura Infantil e a Matemática na perspectiva da formação de professores, no curso de Pedagogia.
O ensino da Matemática, ou melhor, a apropriação dos conteúdos matemáticos pelas crianças em nosso ensino, seja na educação infantil ou no ensino fundamental I passa pela discussão da formação de professores dessa área.
A discussão é acirrada e pulsante quanto a mesma, pois a formação dos professores no curso de Pedagogia traz uma gama exigente e bastante ampliada de conteúdos específicos formais e de formação geral, às vezes chamados de teóricos sobre a área da Educação; por outro lado, associa-se uma necessidade premente de estudos relacionados às metodologias, à didática, ou como muitas vezes denominadas, as práticas.
A dicotomização ou polarização entre Teoria e Prática é algo recorrente nessa acalorada discussão. Mas, com vistas a aproximar esses campos ou áreas de conhecimentos, tão importantes e complementares, propõe-se aqui, apresentar uma experiência que utiliza a articulação entre Literatura Infantil e a Matemática como possibilidade de realização de um trabalho interessante e consistente para a construção de conhecimentos matemáticos na educação infantil.
A escolha por esta aproximação deve-se ao fato que, exatamente no curso de Pedagogia existe uma característica de resistência a áreas de exatas, cuja matemática está inserida; é comum ao conversarmos com alunas do referido curso, expressarem experiências negativas, quando alunas, em suas aulas de matemática e, ainda, muito receio e angústia, quanto a como ensinarão aos seus futuros alunos?
O alento ao cenário brevemente apresentado é que essas alunas esperam não reproduzir essas experiências ruins aos seus futuros alunos quando estiverem em suas salas de aulas, não desejam participarem de um círculo vicioso de reprodução de experiências de pouco ou nenhum sucesso, muito pelo contrário! Para que a expectativa seja realizada, o espaço de formação reforça sua responsabilidade em oferecer alternativas que favoreçam a construção de conhecimentos tanto conceituais, quanto didático- procedimentais e práticos.
A LITERATURA INFANTIL E A MATEMÁTICA
Ao iniciarmos nossa reflexão cabe destacar que a Literatura Infantil aqui não pode e não deve ser descaracterizada, muito menos ser considerada como recurso ao trabalho e ensino de outra área de conhecimento, parte-se da compreensão de ser perfeitamente possível a realização de um trabalho interdisciplinar em que a riqueza do trabalho com a Literatura Infantil seja respeitada como Arte que é.
Sabemos que muitas vezes as obras literárias são utilizadas como meios de se ensinar algum conteúdo, ou ainda as solicitações de leitura estão associadas a exercícios de interpretação de texto.
A aproximação com diferentes gêneros literários é parte integrante dos objetivos a serem atingidos com as crianças, na área de Língua Portuguesa e, por acreditarmos na possibilidade de interligação e articulação entre as áreas de conhecimento, não compreendemos e não sugerimos que a Literatura Infantil seja, em nenhum momento, suporte, pretexto ou recurso.
Segundo Arena (2010),
[…] a função da oferta e do ensino da literatura infantil para o pequeno sujeito leitor na escola transcende intenções singelas de “dar asas à imaginação e provocar prazer”, para assumir a função de formação integral do homem e de suas funções consideradas superiores e criativas em todas as áreas do conhecimento. A maturidade de imaginação do adulto dependerá do seu desenvolvimento desde a infância e a literatura infantil tem lugar destacado nesse processo (p. 32. Grifo do autor).
A Literatura Infantil deve cumprir sua função de fruição, sua função estética e cultural na formação dos leitores críticos e sensíveis, assim, a proposta apresenta-se como desafiadora a atender ambas as áreas de conhecimento.
Integrar literatura nas aulas de matemática representa uma substancial mudança no ensino da matemática, pois, em atividades deste tipo, os alunos não aprendem primeiramente matemática, para depois aplicar na história, mas exploram a matemática e a história ao mesmo tempo (SMOLE, 1999, p.12).
Assim, o professor pode e deve oferecer atividades articuladas que atendam às especificidades das duas áreas e ainda, facilitar a compreensão da língua materna.
A conexão entre Matemática e Literatura Infantil pode ser identificada quando verificamos que ao ler precisamos de organização do pensamento, a classificação e a ordenação precisam ser habilidades acionadas para que possamos compreender e acompanhar o enredo das histórias. Ao acompanharmos o desenvolvimento das histórias levantamos hipóteses, que serão ou não confirmadas. Por outro lado, ao nos depararmos com questões matemáticas precisamos interpretá-los, levantarmos hipóteses para encontrarmos os resultados esperados.
Segundo Smole (1999)
Em termos gerais, entendemos que estabelecer conexão em matemática pode implicar em:
a) relacionar as ideias matemáticas é realidade;
b) relacionar as ideias matemáticas com as demais disciplinas;
c) reconhecer a relação entre diferentes tópicos da matemática
d) explorar problemas e descrever resultados usando modelos ou representações gráficas, numéricas, físicas e verbais (p.13).
Considerando os elementos descritos acima podemos afirmar o papel importante que a Literatura Infantil tem na formação integral de crianças, adolescentes e até mesmo adultos. Ela tem a capacidade de desenvolver capacidades como memória, imaginação e raciocínio lógico-matemático.
O ESPAÇO DE FORMAÇÃO – MARCAS DAS ALUNAS
Para comprovar essas capacidades, oferecer no espaço de formação dos futuros professores a oportunidade da articulação entre a Literatura e a Matemática, por meio do projeto de análise de livros de Literatura Infantil com vistas a identificação de conteúdos matemáticos e construção de propostas integradas pode ser um caminho interessante.
Quando o professor se sente diante do impasse pela reflexão de querer modificar sua prática docente, discutindo e tomando consciência dos aspectos positivos e negativos do seu trabalho, é impulsionado a criar, a modificar, pois todo ser humano tem em geral, essa necessidade de buscar conhecer o mundo ao seu redor e de querer transformá-lo (ALVES, 2001, p. 104).
Assim, oferecer uma proposta diferente pode se constituir em uma possibilidade de formação consistente.
A proposta que será descrita foi desenvolvida em um curso de Pedagogia presencial, na cidade de São Paulo, especificamente no quinto período, cujo objetivo era proporcionar aos alunos e alunas a oportunidade de articularem os conteúdos matemáticos aos enredos da literatura.
Os alunos foram organizados em diferentes grupos de trabalho, cuja proposta apresentou a análise 41 livros e, destes 14 dos grupos aceitaram compartilhar seus registros, comentários e impressões sobre o desenvolvimento do trabalho coletivo.
Algumas formas de propiciar a relação matemática/língua podem ser encontradas em atividades que envolvem ler, escrever, falar e ouvir sobre matemática e cada um desses aspectos deve engendrar um esforço considerável por parte do professor que conduz o trabalho em sala de aula (SMOLE, 1996, p.67).
Por isso, solicitar o registro, escrito, das impressões dos grupos de alunos pode ser um recurso interessante para essa articulação.
Ao analisar e selecionarmos os excertos das escritas, identificamos que essa proposta foi uma novidade a esses alunos, causando inclusive estranhamento e; ainda certa dificuldade.
[…] houve certa dificuldade no início da montagem por ter que realizar a junção da Literatura Infantil com a Matemática, o que era algo novo e incerto para nós (grupo 12).
O novo sempre causa insegurança e incerteza. A área da educação está muitas, vezes em busca de certezas, mas para se fugir de mais do mesmo, é necessário fazer diferente.
Esse fazer diferente foi considerado complexo, conforme relato do grupo abaixo:
A produção do trabalho foi complexa, pois, unir literatura e matemática não é algo costumeiro. São consideradas matérias opostas, mas com auxílio das outras atividades propostas conseguimos ampliar nossos conhecimentos e relacionar os conteúdos (grupo 2).
A superação do primeiro momento trouxe um novo conhecimento e ampliação do olhar dos alunos.
Quando lemos o livro pela primeira vez não sabíamos que era possível trabalhar matemática, mas com o olhar mais amplo nós percebemos que é possível trabalhar o sistema de numeração com as crianças de forma lúdica – livro Os dez sacizinhos (grupo 1).
A ideia de desenvolver a proposta de modo lúdico e interdisciplinar também foi ressaltado por outro grupo de alunos.
Contemplando a interdisciplinaridade, a proposta de trabalhar a literatura infantil instiga o interesse do aluno ao usar o lúdico, contribuindo para a mediação dos conteúdos da área de matemática, que são necessários desde a Educação Infantil (grupo 5).
O grupo destaca que a proposta pode ser desenvolvida em todos os segmentos da educação seja, educação infantil ou ensino fundamental. Apesar do grupo abaixo apresentar a ideia de recurso lúdico, ressalta também a importância das propostas aos futuros professores.
Concluímos que, para os docentes, atividades interdisciplinares de Matemática e Literatura Infantil representam um recurso lúdico eficaz, pois facilita o melhor aprendizado das crianças nas duas disciplinas (grupo 9).
A mediação, a interdisciplinaridade, o lúdico são elementos importantes para a formação de professores. Segundo Smole (1996) “[…] o professor deve sentir-se responsável por buscar caminhos que favoreçam aprendizagens significativas, possibilidades de estabelecimento de múltiplas relações entre significados …” (p.194).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo inicial foi apresentar reflexões sobre a interligação e relação possível de ser estabelecida entre a Literatura Infantil e a Matemática.
Essa relação foi localizada nas questões presentes e existentes no campo da formação de professores, especificamente no curso de Pedagogia, principalmente, no que diz respeito à articulação entre teoria e prática e, ainda na construção de conhecimentos, por meio de propostas não convencionais.
Mereceu nosso destaque a não descaracterização da Literatura Infantil como recurso ao trabalho e ensino de outra área de conhecimento.
A proposta descrita trouxe as marcas e impressões dos alunos envolvidos. Essas marcas trouxeram as dificuldades, o estranhamento, mas também a fruição, a estética e possibilidade de formação dos leitores críticos e sensíveis, bem característicos da Literatura.
Referências Bibliográficas:
ALVES, Eva Maria Siqueira. A ludicidade e o ensino de matemática. Uma prática possível. Campinas: Papirus, 2001.
ARENA, D. B. A literatura infantil como produção cultural e como instrumento de iniciação da criança no mundo da cultura escrita. In: SOUZA, R. J. [et al.]. Ler e compreender: estratégias de leitura. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2010. p. 13-44.
SMOLE, Katia Stocco (org). Matemática e Literatura Infantil. Belo Horizonte: Editora Lê, 1999.
_______. A Matemática na Educação Infantil: A teoria das inteligências múltiplas na prática escolar. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul, 1996.
(1) Relato/ registro da atividade desenvolvida com alunas (os) do curso de Pedagogia, bem como as impressões e marcas que a mesma deixou aos participantes.
MARGARETE BERTOLO BOCCIADoutora em Educação PPGE UNINOVE (2016), área de concentração Teorias e Políticas em Educação. Mestre em Educação também pelo PPGE UNINOVE (2008). Possui graduação em Pedagogia e Pós-Graduação em Didática e Psicopedagogia pela Universidade Cidade de São Paulo. Foi professora da PMSP e da SEE-SP e diretora de escola na PMSBCampo, na rede privada de ensino foi professora, diretora de escola de educação infantil; coordenadora de curso da Graduação presencial e EaD e; Pós-Graduação. Atualmente é docente do curso de Pedagogia da Universidade Nove de Julho – UNINOVE, no curso presencial. Pesquisadora e Integrante do GRUPEFP com produção divulgada no Blog
http://formacaodeprofessoresuninove.blogspot.com.br. Autora de livros, capítulos e artigos, com contato pessoal por: margaretebertolo@gmail.com; ou margaretebertolo@yahoo.com.br.
©REVISTA TRIPLOV DE ARTES, RELIGIÕES E CIÊNCIAS
série gótica. outono . 2018