RICARDO DAUNT
Tributo
Organização: DERIVALDO DOS SANTOS
ENTREVISTA COM RICARDO DAUNT ELABORADA PELA LANDY
1. Por que você ficou tanto tempo afastado da literatura?
RD: Afastei-me do mercado editorial, na verdade. Jamais da literatura. No curso desses anos que passei em silêncio, pensei e escrevi. Escrevi alternadamente ficção e ensaio; ficção e estudo literário; poesia e trabalho acadêmico.
2. Pode nos falar um pouco mais sobre isso?
RD: Bem, nos anos 90, após publicar a novela epistolar Blake versus Claude, realizei uma pesquisa extensiva sobre o modernismo em Portugal, que resultou em uma obra com dois volumes a sair nos próximos meses. Produzi também, na área de pesquisa, e sempre ocupado com a modernidade, um conjunto de ensaios sobre T. S. Eliot e Fernando Pessoa, que acaba de sair no mercado brasileiro, com a chancela da Landy. Ao lado disso, ou em meio a tudo isso, preparei entre outros, um livro de poemas, um livro de contos, Migração dos Cisnes, ambientado na Europa, e algumas coisas na área infantil: três poemas narrativos – um deles concebido há longo tempo, trazendo ilustrações de John Graz, O besouro Carirá e a história do morango gigante.
3. Comecemos então pelo conjunto de ensaios recentemente publicado: T. S. Eliot e Fernando Pessoa: diálogos de New Haven. O título é sugestivo e suscita imediatamente curiosidade: primeiro, porque são dois nomes significativos na literatura do séc. XX e, à primeira vista, Fernando Pessoa produziu uma literatura flagrantemente diversa da de Eliot. São, digamos, temperamentos poéticos muito diferenciados. Segundo, indica um cotejo entre os dois poetas e ao mesmo tempo um diálogo entre eles. Supomos que nesse diálogo você traduz algum traço comum entre os dois poetas e ao mesmo tempo os traços individualizadores de cada um. O que, na verdade, pretendeu trazer nesses ensaios?
RD: os autores mencionados nasceram na mesma época, no mesmo ano, 1888, em países distintos, o primeiro americano do norte, o segundo português. Ambos vivenciaram, não obstante, a cultura inglesa tradicional; o primeiro por opção, o segundo porque viveu Reino Unido. A escolha derivou da incontestável evidência de que Pessoa e Eliot são os nomes ainda hoje em maior destaque; são os dois grandes representantes da cultura inglesa e portuguesa, respectivamente. Assim, oferecer ao leitor um lugar à mesa em que ambos ‘dialogam’ a partir de seus textos e posturas estéticas, e colocar esse leitor face ao que de mais significativo foi produzido em poesia no século XX, na Inglaterra e em Portugal parecia-me tarefa urgente. Admira-me que até hoje ninguém tenha tido a idéia de examinar Eliot e Pessoa lado a lado. Mas você pergunta qual fora minha pretensão ao escrever esses ensaios: foi a de procurar oferecer um melhor entendimento da poesia moderna, um entendimento mais pleno com respeito às raízes e formação não apenas desses dois autores, como de seus pares e seguidores. E, parece-me, ainda, ficou patente a forma como cada um deles equacionou as fortes influências que recebeu da tradição; o modo como traçaram seu rumo a partir de suas particulares leituras da obra dos predecessores e pares.
4. Poderia falar um pouco mais das raízes comuns desses dois autores?
RD: Como disse um pouco antes, ambos estudaram pela mesma cartilha inglesa. Leram Ben Jonson, John Dryden, Samuel Jonhson, os grandes críticos entre a Renascença e o Barroco. Ambos foram seduzidos pela poesia maneirista inglesa e sobretudo por uma sua vertente, denominada por Dryden, em um ensaio sobre a sátira, de poesia metafísica, termo utilizado também por Johnson.
Ambos, ainda, estudaram os sermões de Donne, e leram seus poemas; detiveram-se em Crashaw, Marvell, Cowley, Townshend e Benlowes. A partir dessa formação adotaram rumos distintos, mas não inteiramente diversos. Da experiência adolescente com a poesia metafísica, partiram para a leitura de outros poetas, também metafísicos, como Baudelaire, Laforgue. Eliot se diz um poeta metafísico, não porque imite os pares de Donne, ou mesmo aqueles de Laforgue, mas porque entende que a poesia metafísica é um fenômeno cíclico, que aparece em Dante, no século XIII, depois no XIX, com os simbolistas franceses, e mais adiante no século XX, com o próprio Eliot, Joyce, e outros – e a cada renascer, a poesia metafísica surge apresentando o que Eliot chamou de uma crescente desintegração intelectual, uma maior dissociação da sensibilidade, uma mais evidente deterioração do ouvido – tudo isto dando conta de um fato primordial, entre muitos: a verdade é uma mercadoria em crise, como é, cada vez mais, o sentido da existência.
Pessoa escamoteou tanto quanto foi possível a fortíssima influência da tradição metafísica em sua obra mais original, mas o leitor verá, lendo este livro, que o biombo de aço foi arrancado. Não é curiosa a teia da tradição?
5. Sem dúvida, mas Daunt, qual a relação direta entre esses fatos e a literatura de hoje?
RD: A poesia de hoje, como a de sempre, nasce do embate com a tradição. Busca superá-la, busca, como dizia Octavio Paz, criar uma nova tradição, a tradição da modernidade, mas tudo, ainda, é tradição. O fio não se partiu.
Ao lado disso, espero que estes meus ensaios possam servir não apenas para fornecer subsídios para uma leitura mais adequada do que se escreve hoje, mas oferecer ainda instrumentos mais apurados para que a leitura poética seja cada vez mais uma leitura doadora de prazer.
6. No âmbito do ensaio, quais seus próximos trabalhos?
RD: Antes de haver escrito T. S. Eliot e Fernando Pessoa: diálogos de New Haven, produzi, como já disse, um obra sobre o modernismo: A audácia do tédio: panorama estético do Orpheu em Portugal. Espero que esse trabalho seja editado agora. Quanto a meus projetos futuros, entendo que há muito, ainda, o que falar sobre Eliot e Pessoa. Não é uma promessa, mas digo a você que pretendo voltar ao assunto.
RICARDO DAUNT . TRIBUTO