Delicatessen

 

Claudio Willer fotografado por Emerson M. Martins

CLAUDIO WILLER
Tributo


EDITORIAL
Por Maria  Estela Guedes

 

Claudio Willer devia ser meu conhecido desde os anos 70 ou 80, por ocasião do II Congresso promovido pela Associação Portuguesa de Escritores, em Lisboa, mas tão longe não vai a minha memória e, já ele famoso,  decerto o protegia de olhares recém-chegados a muralha dos seus colegas portugueses. Atrevo-me a adivinhar que o principal defensor do convite para vir a Lisboa partiu de Carlos Eurico da Costa, poeta participante no movimento surrealista português, garantia mais que certa da segurança do poeta brasileiro. Não, nem Claudio Willer, nem Cesariny nem Cruzeiro Seixas. O meu pensamento devia estar concentrado em algum ausente da populosa reunião.

Onde eu conheci o Claudio Willer foi no Brasil, em São Paulo, por ocasião de um encontro em torno de Herberto Helder. Presente também um outro poeta, assíduo no Triplov, Gledson Sousa, que reencontramos neste número da Revista Triplov, devido tributo nosso a Claudio Willer que, nesse encontro em São Paulo, leu alguns poemas de Herberto Helder. Willer é um bom intérprete da poesia, sua e alheia, por isso um bom diseur.

Terá sido nas proximidades de 2010 esse encontro, data de saída do meu segundo livro sobre o poeta português, A obra ao rubro de Herberto Helder, editado pela Escrituras de São Paulo, a que Claudio Willer dedicou a sua atenção de crítico (1).

A maior familiaridade da minha parte, entretanto, decorre da presença assídua de Claudio Willer no Triplov, que ele e Floriano Martins acompanham e têm apoiado desde o primeiro momento, ajudando assim o portal a crescer e a sustentar-se na Internet e na comunidade cultural. A dívida é imensa, pois com ambos a rede alargou os seus tentáculos, não só aos surrealistas, como a intelectuais de variada estirpe, um pouco por todo o mundo, com maior intensidade e extensão no Brasil e restante América Latina. Deve-se-lhes por isso esta circunstância de o Triplov ser francamente bilingue, com superabundância do espanhol a par de textos nos vários registos do português, no que se irmana à Agulha Revista de Cultura, dirigida então, a abrir o novo milénio, por Floriano Martins e Claudio Willer.

Tudo isto é informação superficial, embora necessária. Já não é árido o título que escolhi para esta nota, Delicatessen. Nessa altura, em São Paulo, ignorava que ele diz respeito a confeitarias e outras mercearias finas. Por isso, ao sentar-me à mesa com Claudio Willer e Rodrigo Petrónio, dei à pastelaria o nome de “Délicatesse”, muito mais familiar para mim o francês que o alemão. E Claudio Willer corrigiu, com elegância: Delicatessen…

Sim, mais de uma vez nos encontrámos na Avenida Paulista, em São Paulo, numa das mais requintadas pastelarias – aliás o termo “pastelaria” só vale em Portugal, no Brasil o pastel contempla apenas os salgados – chamemos-lhe então deli Delicatessen, pois este tipo de confeitarias se conhece precisamente pelo abreviado nome de “deli”.

Se lermos a poesia de Claudio Willer, verificamos que não terá sido por acaso que ele escolheu a confeitaria Delicatessen para local de encontro: dura embora a crítica social que por vezes transparece nos seus versos, eles são sempre elegantes, finos, recortada a emoção com delicadeza.

Claudio Willer não só é poeta ligado ao Surrealismo como grande conhecedor do movimento mundial, ou da modernidade. Daí que dois poetas eleitos para os seus cursos, e repetidamente, sejam Baudelaire e Rimbaud. A temática de vários livros seus recai sobre eles, e também sobre a beat generation, gémea americana do surrealismo europeu.

Figuram no entanto assuntos de maior profundidade analisados nos seus livros no âmbito do Surrealismo, aqueles que confinam com a religião ou com a psicanálise. Com efeito, a sua atenção tem recaído em temas difíceis, por isso menos estudados: o ocultismo, a alquimia, os vetores mágicos seguidos por alguns poetas. Mais veementemente expressos neste universo da espiritualidade são a escrita automática e o acaso objetivo, a que naturalmente Claudio Willer tem dedicado muita pesquisa.  Volta, por exemplo, é um livro que gira em torno do acaso objetivo.

Terminando esta nota, não será ocioso declarar que, quer no domínio da criação pura, como poeta, quer no da pesquisa, Claudio Willer é um autor de referência indispensável, uma autoridade no que toca ao teor mais profundo do Surrealismo, desde o berço francês até à deriva americana.


(1) https://www.triplov.com/willer/2011/herberto_helder/index.htm


C.W.: Biobibliografia


revista triplov

SÉRIE VIRIDAE . NÚMERO  04: CLAUDIO WILLER

portugal . fevereiro . 2022