MARIA MARTINS (1894-1973) BRASIL
Maria Martins. Prometheus II ou Brûlant de ce qu’il brûle 1948
Maria Martins . Prometheus I, 1949
I
Eu sei que minhas Deusas e sei que meus Monstros
sempre te parecerão sensuais e bárbaros.
Eu sei que você gostaria ver reinar em minhas mãos
a medida imutável dos elos eternos.
Você esquece
que eu sou dos trópicos, e de mais longe vinda,
você esquece tudo isso, que de mais longe vindo
se mistura ainda nas minhas veias,
ao sangue queimado do Astro equatorial,
o orgulho bravio do Espanhol vencido
raptando sua vitória ao Mouro perdido de êxtase;
– a aventura portuguesa temerário destino,
abdicando do ouro e do poder no braço de Moema
– a arrogância holandesa, a inquietude irlandesa,
uma e outra submissas
ao imperioso amor, que dispõe dos homens
II
Eu sou o meio dia pleno da noite tropical.
Tudo é calma e esplendor, nenhuma folha se move.
Nenhuma falha rompe a eternidade do dia,
um mesmo torpor, angustiante e mudo,
das cores do pássaro ao odor da flor
tece o mesmo sonho.
E o jaguar todo lânguido de doçura,
cede à embriaguez do sono.
Só o transe efêmero de uma cigarra
corta a morna espessura do silêncio macio.
III
De repente o espaço é de chumbo.
Palpitante e bravio desperta a floresta
num arrepio de espera e uma onda de felicidade
e de repente sobe um sopro de loucura,
e eis o vento correndo em altiva frenesia,
o vento que canta e uiva,
a grande canção de força e de desejo,
o vento que ruge e ralha, transbordante
e desesperado grita
seu monstruoso amor num tumulto ofegante.
E durante longas horas as folhas
e as árvores se entregam
se afastam e se entregam, se afastam e se entregam,
até o bom cansaço da união vivida…
Então, tudo volta à tranquilidade primeira
reengendrada dolorosamente
na conquista da plenitude.
E a vida, inocente saciada,
a terra fresca descansa,
a terra novamente Virgem e misteriosa e fechada
como aquela que a Vida não ousaria atormentar.
[Texto gravado em chapas de cobre, originalmente escrito em francês, Nova York, 1946.]
revista triplov . série gótica . outono 2019
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EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO DO SURREALISMO 1919-2019
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