Bocage: um homem vertical

 

 

 

 

 

ADELTO GONÇALVES


Por Maria João Martins

Maria João Martins (1967), nascida em Vila Franca de Xira, Portugal, jornalista, professora, realizadora de cinema e cenógrafa, é licenciada em História e mestre em História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Como jornalista, começou no extinto Diário de Lisboa e foi redatora do Jornal de Letras, Artes e Ideias, sendo ainda colaboradora dos jornais Diário de Notícias e A Mensagem, de Lisboa, e das revistas Vogue, Máxima, Visão e DIF. Foi professora de Introdução ao Pensamento Contemporâneo na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias durante cinco anos e assinou um programa de História na RDP-Antena 2 durante dois anos. Publicou vários estudos de História, nomeadamente Divas, santas e demônios – mulheres portuguesas e O paraíso triste – o quotidiano em Lisboa durante a IIª Guerra Mundial. Estreou-se na ficção com a novela Escola de validos (2007). Neste momento, prepara tese de doutoramento sobre História Social da Moda, área em que está a se especializar.


Um homem coerente e vertical – eis como o brasileiro Adelto Gonçalves define Manuel Maria Barbosa du Bocage, cuja vida reconstituiu no livro Bocage, o perfil perdido, publicado em 2003 pela Editorial Caminho, de Lisboa, que acaba de ganhar sua edição brasileira pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (Imesp), e que constitui a primeira biografia do poeta em mais de meio século. Nascido em Santos, Adelto Gonçalves (1951) é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa e mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana pela Universidade de São Paulo (USP).

É ainda autor de uma biografia de Tomás Antônio Gonzaga (Gonzaga, um poeta do Iluminismo, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1999), dos romances Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2003) e Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem 2015), do livro de ensaios e artigos Fernando Pessoa: a voz de Deus (Santos, Universidade Santa Cecília, 1997), do livro de contos Mariela morta (Ourinhos-SP, Complemento, 1977), de Tomás Antônio Gonzaga, estudo biográfico-crítico (Rio de Janeiro/São Paulo, Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial , 2012); e dos ensaios históricos Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo colonial (São Paulo, Imesp, 2015) e O reino, a colônia e o poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo – 1788-1797 (São Paulo, Imesp, 2019).

Como jornalista desde 1972, passou por várias redações, incluindo Cidade de Santos, A Tribuna, de Santos, O Estado de S. Paulo e Folha da Tarde e pelas editoras Abril e Globo. Em Portugal, é colaborador do quinzenário As Artes Entre as Letras, do Porto, e das revistas Vértice e Colóquio/Letras, de Lisboa. É também colaborador do Jornal Opção, de Goiânia, do Diário do Nordeste, de Fortaleza, e da revista digital VuJonga, de Lisboa, dedicada aos povos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), entre outros sites do Brasil e Portugal.

Foi professor da Universidade Santa Cecília (Unisanta) e Universidade São Judas-Unimonte, nos cursos de Jornalismo, e da Universidade Paulista (Unip), nos cursos de Direito e Pedagogia, em Santos. Ganhou os prêmios José Lins do Rego de Romance (1980) da Livraria José Olympio Editora, do Rio de Janeiro; Fernando Pessoa (1986) da Fundação Cultural Brasil-Portugal, do Rio de Janeiro; Assis Chateaubriand (1987) e Aníbal Freire (1994) da Academia Brasileira de Letras, e Ivan Lins de Ensaios (2000) da União Brasileira de Escritores e Academia Carioca de Letras. É sócio correspondente da Academia Brasileira de Filologia.

Pergunta – O seu livro Bocage, o perfil perdido é a primeira biografia do poeta português publicada em mais de 50 anos. Quais são as novidades que acrescenta aos estudos já existentes?

Adelto Gonçalves Bocage, o perfil perdido desfaz um grande equívoco: o poeta não nasceu numa casa da Rua de São Domingos, atual Rua de Edmond Bartissol, em Setúbal, como afiança uma placa afixada lá no século XIX, mas numa morada ao Largo de Santa Maria com a antiga Rua das Canas Verdes, atual Rua de Antônio Joaquim Granjo, também em Setúbal, lugar mais nobre, que marca o início do burgo. Resultado de um ano de pesquisas em arquivos portugueses com bolsa de pós-doutoramento da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp), a biografia tem outras novidades: recua ao avô francês de Bocage e apresenta a árvore genealógica da família a partir de seus avós e bisavós, abrangendo toda a vida do poeta – o nascimento a 15 de setembro de 1765, a sua infância, a adolescência e a entrada no regimento de Setúbal, a ida para a Marinha, a presença na Índia portuguesa, o retorno a Lisboa, a entrada e expulsão da Nova Arcádia, a participação na maçonaria, a atuação como revisor e tradutor da Tipografia do Arco do Cego, as contendas com os censores da Comissão Geral sobre o Exame e Censura de Livros, os seus livros publicados, os seus derradeiros dias e a morte a 21 de dezembro de 1805.

Com que imagem ficou do seu biografado?

A imagem que me ficou de Bocage é a de um homem que não abriu mão de suas ideias, mesmo depois de ter passado por um processo de “reeducação”, que durou quase ano e meio. Nas contendas com os censores, ele dizia abertamente que preferia que vetassem todo o poema a ser obrigado a cortar algum verso ou a substituir alguma palavra mais ofensiva aos ouvidos do poder. Depois da prisão, é claro, Bocage foi sempre mais cauteloso, mas não contrariou seus princípios. Nem mesmo deixou de frequentar os círculos maçônicos e só não voltou à prisão porque, em 1802, à época em que foi denunciado como pedreiro-livre por uma adolescente numa confissão a um religioso, a Inquisição já não tinha a força de antes .

Já dedicara uma biografia a outro poeta português do século XVIII, Tomás Antônio Gonzaga. O que o interessa tanto na poesia desse período e nas figuras de seus autores?

Já me disseram que, para mim, o mundo acaba quando d. João é obrigado a deixar Lisboa em 1807 rumo ao Brasil. De fato, a partir daí, há uma reviravolta no mundo português. O que me atraiu no século XVIII foi, inicialmente, a vida de Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), tema de minha tese de doutoramento em Literatura Portuguesa pela USP. Para fazer esse trabalho, em 1994, fiquei seis meses em Portugal com bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian, de Lisboa, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Brasil. Diziam-me à época que não teria muito mais a descobrir sobre Gonzaga além do que o professor M. Rodrigues Lapa havia levantado. No entanto, desfiz muitas lendas que existiam acerca do poeta, inclusive levantando a sua vida no desterro na Ilha de Moçambique. Mostrei, por exemplo, que a sua mulher não era filha de um grande traficante negreiro, como o professor M. Rodrigues Lapa supôs. Percebi logo que o professor M. Rodrigues Lapa não havia avançado muito na documentação de Moçambique no Arquivo Histórico Ultramarino, talvez porque à época os papéis não estivessem devidamente tratados e ordenados. Depois, com o conhecimento do século XVIII português que adquiri, entendi que estava preparado para pesquisar a vida de Bocage. Já sabia que Teófilo Braga, seu principal biográfico, não fora um pesquisador rigoroso. Sabia que havia espaço para uma nova biografia de Bocage, realizada dentro das normas atuais da historiografia.

Bocage, o perfil perdido, de Adelto Gonçalves
Prefácio de Fernando Cristóvão
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (Imesp)

520 páginas, 2021, R$ 85,00.
Site: https://livraria.imprensaoficial.com.br/bocage-o-perfil-perdido.html


Revista Triplov

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Portugal – Fevereiro de 2023