Auto-retrato

 

MARIA AZENHA
Foto: M CÉU COSTA
TRIBUTO


Do livro “A lição do vento” – Maria Azenha . Edição: 1992 – Esgotada – Colecção, O Lugar da Pirâmide, Editora Átrio.


auto-retrato

O meu caminho é um barco sem memória.
O meu destino é o que o vento quer.
Há um rumor de velas
que o próprio mar devora.
O meu caminho é onde o mar estiver.

 

novamente as flores ao vento

Novamente
as flores ao vento,
em seu cume
de
silêncios.

Inúmeras pétalas de ar conquistado.

De novo,
estes
antigos pêndulos.

  

as minhas mãos

As minhas mãos escrevem a palavra vento.
Não o vento.
Não contra o vento.
Nem a favor.
Mas preciso de sofrer para dizer
O que é o vento.
Preciso de estar só completamente.
Ouvir a melodia das suas folhas.
Saber por onde o vento entra,
Como entra,
Como me encontra.

Ouço por vezes um soluço à noite.
E não sei se posso escrever a palavra vento.
Uma estrela brilha discretamente.
E o vento só me fala do vento.
As minhas mãos sofrem um nó de frio.
Talvez seja um fruto do vento.
As minhas mãos
As minhas mãos
Escrevem na geometria.
Não o vento.
Não contra o vento.
Nem a favor.
As minhas mãos sustentam o peso das coisas.
Cruzam-se com os dias.

Maria Azenha por M Céu Costa

 


indice . revista triplov . série gótica . inverno 2020-2021