CUNHA DE LEIRADELLA
Tributo
O questionamento
como meio de conhecimento
Na Natureza, a perfeição é sempre inversamente proporcional ao Absoluto. Quanto mais eu penso, quanto mais eu raciocino, quanto mais eu pergunto, quanto mais eu questiono, mais o meu conhecimento me torna relativo e mais o Absoluto se distancia.
Se Protágoras desconhecia que o Universo se expandia entre cinco e dez por cento a cada bilião de anos, e tinha alguns buracos negros,[1] sabia, ao menos, que o homem era a medida de todas as coisas.
O maior progresso do ser humano sempre foi a velocidade. Hoje, eu voo pelo Cosmos, meço todas as distâncias, posso até equacionar matematicamente o Universo, presumir que é composto por 100 biliões de galáxias, estimar que atinge a massa de 316 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 quilogramas[2], e imaginar que a velocidade a ser atingida pelos táquions, quando forem descobertos[3], será maior do que a da luz. Somos quase deuses. Apenas nada mais conhecemos de nós além do que Protágoras conhecia de si mesmo.
Na contrapartida, porém, podemos destruir tudo o que fazemos na razão direta da velocidade dos nossos cálculos. O que milhões de homens, durante milhares de anos, fizeram com clavas, com espadas, com fuzis e com canhões, nós fazemos, hoje, sozinhos, com uma bomba. E em segundos. Na era do bilionésimo de segundo o nosso próximo não existe. Não há tempo de encontrá-lo.
Com a maior pompa, e ainda maior circunstância, dizem-nos que somos a mais perfeita criação da Natureza. Mas sabemos que não somos. Somos, apenas, a mais iludida criação da Natureza. Mesmo podendo conjeturar o que aconteceu no primeiro segundo depois da grande explosão do Universo (Big Bang)[4], e pressupondo, também, poder esquadrinhar quasares a 14 biliões de anos-luz, cada vez sabemos menos de nós próprios. Se há mais de dois mil anos nos disseram que o homem é a medida de todas as coisas[5], hoje só nos sabem dizer que acerca daquilo de que se não pode falar, tem que se ficar em silêncio.[6]
No estágio em que se encontra a Humanidade, com a velocidade tecnológica sempre a avançar, só um fator permanece inalterado. A angústia do fim de tudo. A nossa existência a depender apenas de um botão. Que alguém, algum dia, apertará em nome da Paz.
Por isso, ou se fortalece a parte, o ser humano, para fortalecer o todo, a Humanidade, ou o todo sucumbirá. E o único modo de fortalecer a parte é dar-lhe consciência. Fazer dela um ser-definido. A consciência do ser humano é o seu conhecimento. O que ele conhece, ele não teme.
Com os engenhos nucleares já em contagem regressiva, e os clones já invadindo a Natureza, não importa mais que o ato de fazer Arte seja um ato individual ou um ato coletivo. Ele terá que ser um ato de conhecimento ou será inócuo. Ou o ser humano conhece e questiona os seus limites, ou jamais ultrapassará as fronteiras da sua solidão e do seu medo. Na aceitação ou na revolta não existe conhecimento. Existe, apenas, passividade ou negação. Só no questionamento existe conhecimento. Para questionar é necessário, antes de tudo, conhecer. E, conhecendo, o ser humano pode transformar. A si mesmo e à realidade que o cerca.
O Teatro de Questionamento
como forma de conhecimento
O Teatro sempre foi, de todas as artes, a mais dinâmica, a mais direta, a mais real e a mais viva. Por isso, cada representação é única, pois depende sempre do estado psicológico dos atores, no ato de representar, e do estado psicológico dos espectadores, no ato de assistir. Mas para isso, para que o teatro possa ser Teatro, o teatro tem de questionar a realidade que o originou. Uma representação teatral não pode ser mais, somente, um veículo a serviço de uma ideologia ou uma discussão existencial. Por ser uma formulação intrinsecamente associativa, o Teatro tem de exigir que o espectador seja um elemento participante. Pois, na medida em que ele participa, questiona e é questionado, obtém condições de se transformar e transformar a realidade que o cerca.
Hoje, o Teatro não questiona. Só mostra. E quanto mais se exibe como espetáculo, mais esvazia o conteúdo. A maioria das encenações são feitas, apenas, para serem vistas. Olhadas como se fossem monumentos ou paisagens. Coisas. E fazer teatro só para mostrar coisas, não é fazer Teatro. É fazer do Teatro também uma coisa.
A tecnologia dos meios de comunicação fez do mundo uma aldeola. Mas, todos sabemos, a comunicação é inversamente proporcional à comunicabilidade. Quanto mais informações me fornecem menos eu me comunico, pois mais dirigido me sinto. Com o mundo menor do que a Abdera onde nasceu Protágoras, dizem-me que posso ver tudo e que posso saber tudo. Mas eu não vejo, nem sei tudo. Vejo e sei só o que e como. O que está a acontecer e como está acontecendo. Mas, para mim, a pergunta fundamental é: por que está a acontecer?
Estou na esquina da minha rua. Dois homens se cruzam, soa um tiro e um deles cai ao chão, morto. A cena me mostra, imediatamente, dois factos: o que aconteceu e como aconteceu. Mas não me diz o que eu mais quero saber: por que aconteceu? Se eu conhecesse as causas e os motivos que levaram um daqueles homens a matar o outro, se eu soubesse por que foi praticada aquela morte, saberia tudo. Saberia não só o que aconteceu e como aconteceu, mas conheceria também a verdade intrínseca daqueles homens.
Por isso, só o por que me permite saber todas as causas e todos os motivos. Conhecendo, apenas, o que e como, poderei, no máximo, supor as causas e os motivos. E é, justamente, no por que um daqueles homens puxou o gatilho que estão embutidas todas as causas e todos os motivos que determinaram aquela morte.
O diferencial estético
como meio evolutivo
Um teatro de forma dramática[7]
Ativo
Faz participar o espectador numa ação cênica
Consome-lhe a atividade
Proporciona-lhe sentimentos
Vivência
O espectador é imiscuído em qualquer coisa
Sugestão
As sensações são conservadas como tal
O espectador está no centro, comparticipa dos acontecimentos
Parte-se do princípio que o homem é algo já conhecido
O homem é imutável
Tensão em virtude do desenlace
Uma cena em função da outra
Progressão
Acontecer retilíneo
Obrigatoriedade de uma evolução
O homem como algo fixo
O pensamento determina o ser
Sentimento
Um teatro de forma épica[8]
Narrativo
Torna o espectador uma testemunha, mas
Desperta-lhe a atividade
Exige-lhe decisões
Mundivalência
O espectador é posto perante qualquer coisa
Argumento
As sensações são elevadas ao nível de conhecimento
O espectador está defronte, analisa
O homem é objeto de uma análise
O homem suscetível de ser modificado e de modificar
Tensão em virtude do decurso da ação
Cada cena em si e por si
Construção articulada
Acontecer curvilíneo
Saltos
O homem como realidade em processo
O ser social determina o pensamento
Razão
Um teatro de absurdo[9]
Expositivo
Aliena o espectador
Estagna-lhe a atividade
Exclui os sentimentos
Mostra-lhe a falta de sentido das conceções do mundo
O espectador é colocado à margem
Age por meio de constatações
As sensações são estagnadas
O espectador está à parte, assiste
O homem é objeto
O homem é só um módulo
Tensão visando à inércia
Cenas paralelas
Construção desconexa
Acontecer paralelo
Estratos
O homem como efeito
A eventualidade delimita o pensamento
Incomunicabilidade
Um teatro de questionamento[10]
Interpretativo
Estimula o espectador
Orienta-lhe a atividade
Impõe-lhe participação
Dá-lhe condições de interpretar
O espectador é provocado
Age por meio de demonstrações
As sensações são questionadas
O espectador faz parte de, questiona
O homem é determinante
O homem é a medida da sua própria ação
Tensão visando à comunicabilidade
Cenas concêntricas
Construção mutante
Acontecer circular
Voltas
O homem como causa
O homem determina o pensamento
Conhecimento[11]
O Teatro de questionamento não envolve o espectador, fazendo-o comparticipar dos acontecimentos, como propõe o Teatro de forma dramática, nem o torna uma testemunha, colocando-o perante qualquer coisa, como propõe o Teatro de forma épica, ou o aliena, afastando-o, como propõe o Teatro de absurdo. O Teatro de questionamento estimula o espectador, pois ele faz parte do espetáculo, questionando e sendo questionado. E é desta interação de questionamentos, o Teatro questionando a realidade e o espectador, e o espectador questionando a realidade e a si mesmo, que o ato de fazer Teatro será, obrigatoriamente, um ato de conhecimento. Como já foi dito, para questionar é necessário, antes de tudo, conhecer. Quando eu sei por que, eu tenho Ação, Narração, Exposição e Interpretação.
O Teatro de absurdo, contraposto ao Teatro de forma épica, foi um avanço estético tão grande quanto o Teatro de forma épica contraposto ao Teatro de forma dramática. A desmitificação do ser apenas social foi sedimentada. Mas preocupado somente com a apresentação de situações básicas do ser humano, o Teatro de absurdo enveredou pelo caminho reto da negação. Não aceitou, mas também não questionou. E deixou o homem ainda mais só e mais angustiado.
Divorciado de suas raízes religiosas, metafísicas e transcendentais, o homem está perdido; todas as suas ações se tornam sem sentido, absurdas, inúteis.[12]
O Teatro de questionamento não propõe nenhuma rutura irreversível, nenhuma oclusão. Propõe, apenas, abrir um caminho e caminhar. Mas sabendo que, se amanhã algum dos componentes da realidade de hoje, sofrer alteração, também esse caminho sofrerá alteração. Ser ou não ser não é mais a questão. A questão, hoje, é poder ser. Se alguns dizem que já não é mais a medida de todas as coisas, o ser humano ainda é a medida, e a medida exata, das suas limitações humanísticas.
A análise do texto
Um texto teatral não pode ser apenas a tradução de uma ideia ou o desenvolvimento de um raciocínio, por mais interessante que seja a ideia ou por mais lógico que seja o raciocínio. As personagens, no seu contexto de ação/conflito, são seres que vivem no seu próprio mundo, assim como nós também somos seres que vivemos no nosso próprio mundo.
Exatamente como nós, as personagens exercem também o seu livre-arbítrio. São emotivas e contraditórias, e têm a sua própria liberdade e as suas próprias convicções. E, ainda como nós, também não são obrigadas a serem lógicas.
Se as personagens fossem, apenas, interessantes ou lógicas, não passariam de marionetes. Serviriam, tão-somente (como nós também só servimos quando abjuramos as nossas convicções e a nossa liberdade), para o autor provar este ou aquele conceito, demonstrar esta ou aquela tese de acordo com o seu enfoque ideológico ou existencial.
Fazer Teatro não é fazer proselitismo. É fazer Arte. Assim como o texto deve questionar para poder interpretar a realidade que o originou, também ele deve ser questionado para poder ser interpretado. Sem uma profunda perceção e um perfeito entendimento do subtexto, jamais se penetrará no verdadeiro ser das personagens. Sabendo, é evidente que o subtexto é a intencionalidade precípua do autor subjacente ao texto.
1a fase
1) Estudar o significado do título. Ele é o primeiro indicativo do autor sobre a intencionalidade do seu texto.
2) Localizar o texto no espaço e no tempo, e confrontá-lo com a realidade que o originou.
3) Confrontar as personagens com a realidade atual:
– como seres humanos;
– como cidadãos.
4) Estudar os antecedentes dos factos apresentados pelo texto, confrontá-los com a realidade atual e verificar as ilações e consequências possíveis.
5) Situar as personagens no começo e no fim do texto, estudar as determinantes das variações comportamentais de cada uma e confrontá-las com a realidade atual.
6) Estudar profundamente o subtexto e explicitar com absoluta clareza a intencionalidade do texto. A sua essência. O seu fator determinante. Ele será o ponto de partida para a conceção e o fulcro do espetáculo.
2a fase
1) Explicitar todas as afirmações comportamentais, filosóficas, sociais, políticas, religiosas e existenciais contidas nos diálogos e dadas como opiniões das personagens.
2) Precisar a veracidade ou a contradição dessas afirmações e confrontá-las com a psicologia e com a ação das próprias personagens.
3a fase
1) Analisar a estrutura dos diálogos. São eles que evidenciam a intencionalidade do autor e demarcam o subtexto.
2) Analisar os verbos e os tempos em que são empregados. São eles que determinam o grau do conflito e da ação.
3) Verificar como cada personagem emite as suas opiniões. Mesmo quando passivas, elas também participam do conjunto. Portanto, também questionam e devem ser questionados.
4a fase
1) Decompor a construção do texto, dividindo as cenas em unidades dramáticas. Os parâmetros da divisão são fornecidos pelas variações da ação.
2) Cada unidade dramática deve apresentar uma uniformidade bem definida.
3) Analisar a intensidade de cada unidade dramática, tomando como ponto de convergência o fator determinante do texto.
4) A intensidade de cada unidade dramática deverá ser sempre proporcional à divergência ou à concordância do afastamento ou da aproximação do fator determinante do texto.
5a fase
1) Decompor a ação, evidenciando os elementos fundamentais de cada unidade dramática. Cada unidade pode comportar um ou mais elementos.
2) Explicitar a causa matriz de cada elemento.
3) Explicitar o significado precípuo de cada elemento.
4) Escrever um resumo da ação de cada unidade dramática, considerando o grau de questionamento inerente e/ou sugerido pelo texto.
5) Escrever um resumo da ação de cada unidade dramática, considerando o grau máximo de questionamento suportado pelo texto.
6) Escrever um resumo da ação de cada unidade dramática, considerando o grau de questionamento pretendido para o espetáculo.
7) Confrontar os resumos. Se o grau de questionamento pretendido para o espetáculo for superior ao suportado pelo texto, rever o grau pretendido. Caso contrário o espetáculo deixará de ser o veículo adequado para o propósito do autor.
8) Estudar o conflito existente em cada unidade dramática e confrontá-lo com a ação de cada personagem, dentro da unidade. O conflito deve estar sempre ligado ao exercício consciente da vontade.
6a fase
1) Determinar, prioritariamente, sobre cada personagem:
– os desejos conscientes;
– os impulsos inconscientes;
– os conflitos existenciais;
– as atitudes.
2) Verificar o desenvolvimento do somatório das ações coerentes e/ou contraditórias de cada personagem. Isoladamente e no grupo.
7a fase
1) Estudar o clima do texto como um todo.
2) Estudar o clima de cada unidade dramática, depois de decomposta a construção.
3) Conceber o clima geral do espetáculo.
OBS. – O clima do espetáculo não se concretizará se o fator determinante do texto não tiver sido profundamente estudado e explicitado.
8a fase
1) Determinar o ritmo de cada unidade dramática, considerando o seu grau de intensidade.
2) Estudar o ritmo mais adequado para o espetáculo.
OBS. – O ritmo do espetáculo não se harmonizará se a intensidade de cada unidade dramática não tiver sido devida e profundamente analisada e explicitada.
A interpretação
Numa representação teatral, o que acontece no palco não pode acontecer só no palco. Se acontecer somente no palco, jamais sairá dele. Nunca chegará aos espectadores. E o que mais importa é que eles participem. O ato de interpretar e o ato de assistir são partes de um mesmo processo. São realidades comunicantes e concomitantes. Para o espectador, a realidade do seu ato de assistir é a interpretação que o ator dá à personagem. Da mesma forma, para o ator, a realidade do seu ato de interpretar é a personagem interpretada. Deste modo, para que o que acontece no palco não aconteça só no palco, é necessário que estas duas realidades se questionem e sejam também questionadas.
Como para questionar é necessário, acima de tudo, conhecer, as duas realidades terão que ser decodificadas, pois o ato de ser é sempre relativo. Quanto mais racional, mais o ser humano se distancia do Absoluto. Na contrapartida, e daí a tragédia da existência, o ato de existir é sempre absoluto. Só a morte pode decompô-lo. Por isso, as duas realidades terão que ser decodificadas a partir da sua expressão mais profunda. O ato de existir, do espectador e do ator, contraposto ao seu ato de ser: a assunção plena da sua condição relativa.
A condição básica para que o ator possa interpretar, é colocar-se na mesma situação em que o espectador deve ser colocado. Questionando. O ator não deve passar para o espectador nenhuma visão crítica da personagem. De forma alguma o trabalho do ator deve distanciar, afastar o espectador. Se isso ocorrer, será o mesmo que colocar o palco dentro de uma redoma, porque as duas realidades, que devem ser partes do mesmo processo não serão comunicantes. E, muito menos, concomitantes. E não havendo comunicabilidade, nem concomitância, também não haverá participação. O espectador será apenas um espectador. Um conduzido, nunca um participante. E, o que é pior ainda, jamais poderá questionar e ser questionado.
O ator, antes de se perguntar como deve construir a personagem, que meios físicos e psicológicos deve considerar e utilizar para que a personagem possa realmente ser o significante do significado do texto, deve perguntar-se por que ele, ator, é o que é. É fundamental que o ator questione as múltiplas razões que o levam a ser o que é para poder e saber questionar as múltiplas razões que levam a personagem a ser também o que é. Só assim o ator poderá entrar no ser da personagem e comunicá-la integralmente.
O ator jamais deve forçar-se para se transformar na personagem. Ele nunca conseguirá ser a personagem. Mesmo no próprio ato de interpretar o ator não deixará nunca de ser quem é. Um ser humano. Próprio. Específico. Identificado. Ele. Portanto, para o ator ser a personagem, teria de abdicar a sua própria condição de ser. E se ele o fizesse, ou pudesse fazê-lo, não seria humano. E não sendo humano, obviamente, não poderia ser ator.
Para o ator, a personagem não deve ser apenas um conjunto, um feixe, um apanhado de ideias. Uma imagem abstrata à qual ele terá que dar forma e dar vida. O ator deverá olhar sempre a personagem como um outro ser humano. Tão verdadeiro e tão contraditório quanto ele, recheado de virtudes e defeitos. Passível, portanto, de questionar e de ser questionado. De produzir conhecimento.
Restantes etapas
da encenação teatral
I – Escolha do elenco
O elenco deve ser escolhido considerando-se, determinantemente, a adequação do ser dos atores ao ser das personagens. A aparência física, physique du rôle, é importante. Mas quando considerada como condição sine qua non, corre-se o risco de ter o corpo, a aparência da personagem, mas não a alma, a essência, o ser, o eu da personagem.
II – Leitura do texto
1) O texto deve ser sempre lido pelos atores.
2) As primeiras leituras devem ser feitas sem interferência do encenador, e o texto deve ser lido sempre completo. Só lendo todas as falas os atores poderão ter uma idéia concreta da intencionalidade do autor.
3) Qualquer que seja a intenção da leitura, nunca esquecer que será sempre uma leitura dramática. O que se costuma chamar de leitura branca, sem envolvimento dos atores, não existe. É impossível ler seja o que for sem haver envolvimento, participação de quem lê.
4) O encenador só deve questionar a leitura dos atores quando estes já conhecerem as suas personagens. Antes, é só mais um texto que deve ser bem decorado.
III – Distribuição dos papéis
A primeira distribuição deve ser provisória. É preferível trocar um ator a ter de contornar uma personagem.
IV – Marcações cênicas
1) As primeiras marcações devem ficar sempre por conta dos atores.
2) As marcações do encenador, ainda que provisórias, devem ser iniciadas pelas unidades dramáticas de menor intensidade. É nesta fase que são aceitas, corrigidas ou trocadas as marcações criadas pelos atores.
3) As correções de voz, gesticulação, postura, valorização de palavras ou expressões só devem ter início quando os atores já conhecerem os eus das personagens.
V – Cenografia I
Primeiro estudo da cenografia:
1) O encenador, o cenógrafo, o figurinista e o aderecista, em conjunto, devem conceber os cenários, os figurinos e os adereços, considerando a sugestão do texto e a proposta do espetáculo.
2) O encenador, o cenógrafo, o figurinista e o aderecista, em conjunto, devem discutir as diferenças e/ou dificuldades encontradas em cada área e solucioná-las.
3) O encenador, o cenógrafo, o figurinista e o aderecista, em conjunto, devem ajustar os cenários, os figurinos e os adereços, considerando o espetáculo como um todo.
VI – Cenotécnica I
Primeiro estudo da cenotécnica:
1) O encenador, o iluminador e o músico (ou músicos), em conjunto, devem conceber os efeitos de iluminação e a banda sonora, considerando, separadamente, a intensidade de cada unidade dramática.
2) O encenador, o iluminador e o músico (ou músicos), em conjunto, devem discutir as diferenças e/ou dificuldades encontradas em cada área e soluciona-las.
3) O encenador, o iluminador e o músico (ou músicos), em conjunto, devem ajustar os efeitos de iluminação e a banda sonora, considerando o espetáculo como um todo.
VII – Cenografia II
Segundo estudo da cenografia:
1) O encenador, o cenógrafo, o figurinista e o aderecista, em conjunto, devem apresentar, e, se necessário, discutir os cenários, os figurinos e os adereços com os atores depois destes já conhecerem bem os eus das personagens.
2) A execução dos cenários, dos figurinos e dos adereços só deve ser iniciada depois desta reunião.
VIII – Cenotécnica II
Segundo estudo da cenotécnica:
1) O encenador, o iluminador e o músico (ou músicos), em conjunto, devem apresentar, e, se necessário, discutir os efeitos de iluminação e a banda sonora com os atores depois destes já conhecerem bem os eus das personagens.
2) A criação dos efeitos de iluminação e da banda sonora só deve ser iniciada depois desta reunião.
IX – Cenografia III
Terceiro estudo da cenografia:
1) Quanto mais cedo os atores puderem conhecer os cenários, os figurinos e os adereços, tanto melhor. Para o ator, o palco é um espaço concreto, onde cada objeto tem o seu lugar e a sua função. Inclusive ele, ator.
2) É necessário que os atores usem os figurinos e os adereços a partir dos ensaios corridos. Nada pior para o equilíbrio visual do espetáculo do que que os figurinos e os adereços deixem perceber que foram feitos para serem mostrados naquele momento.
X – Cenotécnica III
Terceiro estudo da cenotécnica:
1) Os efeitos de iluminação e a trilha sonora devem ser usados, já completos, nos ensaios corridos.
2) Nada pior para o ator do que ser obrigado a ajustar a personagem à junção de novos elementos.
XI – Ensaios
É nos ensaios que se consolida a armação e se faz a amarração do espetáculo.
Para que o desenvolvimento dos trabalhos se corporifique e cristalize, gradualmente, na mente dos atores e de todo o pessoal envolvido na produção, os ensaios deverão ser divididos em:
– ensaios parciais
– ensaios de prova
– ensaios corridos
– ensaios gerais
ensaios parciais
É nestes ensaios que se concretizam as marcações das unidades dramáticas. Paralelamente, se necessário, deverão ser utilizados exercícios de laboratório com os atores.
ensaios de prova
É nestes ensaios que se verifica a intensidade atingida em cada unidade dramática e, ao mesmo tempo, se confronta a relação ação/conflito. Os critérios a serem considerados para estes ensaios já foram assinalados na 4a fase da análise do texto, ao ser decomposta a construção, e na 5a fase da análise do texto, ao ser decomposta a ação. É ainda nestes ensaios que se explicita o grau de questionamento que o espetáculo deve, ou pode atingir.
ensaios corridos
É nestes ensaios que se ajusta o clima e ritmo do espetáculo, já assinalados na 7ª e na 8a fases da análise do texto, ao estudar o clima de cada unidade dramática e a sua adequação ao clima geral do espetáculo, e ser determinado o ritmo de cada unidade dramática e a sua adequação ao ritmo final do espetáculo. Os cenários, os figurinos, os adereços, os efeitos de iluminação e a banda sonora já devem estar executados.
ensaios gerais
É nestes ensaios que se verificam o clima e o ritmo do espetáculo como um todo. As apresentações são, praticamente, as mesmas que o público verá na estreia.
XII – Pré-estreia
É a prova de fogo do espetáculo. Um público escolhido deve ser convidado. O encenador deve ter pronto um cronograma das reações que ele julga serem as ideais para cada unidade dramática. No final deve ser feito um debate, do qual participarão todas as pessoas envolvidas na produção e o público convidado. O encenador deve avaliar, então, as diferenças entre as reações que considerou ideais e as demonstradas pelos espectadores convidados.
XIII – Ajuste
É a última apresentação do espetáculo antes da estreia. Nela devem ser corrigidos todos os pontos discutidos na pré-estreia. Principalmente as reações dos espectadores. Não deverá ter público presente.
XIV – Estreia
O encenador deve assistir ao espetáculo da plateia, como espectador. O espetáculo já não é mais seu. É do público.
Notas
1 – Stephen W. HAWKING, Uma breve história do tempo, 1988, pp. 75 e 138.
2 – Isaac ASIMOV, A medida do universo, 1986, p. 179.
3 – Ibid, p. 331.
4 – Stephen W. HAWKING, ibid, pp. 165-168.
5 – PROTÁGORAS, Raciocínios Demolidores, transcrito por Nicola ABBAGNANO, História da Filosofia, 1981, p. 86.
6 – Ludwig WITTGENSTEIN, Tratado Lógico-Filosófico, 1987, p. 142.
7 – Bertolt BRECHT, Um teatro moderno: o teatro épico, em Estudos sobre teatro, 1964, pp. 23-24.
8 – Ibid.
9 – Esquematização do Autor ao passar do Teatro de forma épica para o Teatro de absurdo
10 – Esquematização do Autor ao passar do Teatro de absurdo para o Teatro de questionamento.
11 – Os itens 1, 12, 13, 14, 15 e 16 são estruturais. Os restantes são conceituais.
12 – Eugène IONESCO, Dans les armes de la ville, transcrito por Martin ESSLIN, O teatro de absurdo, 1968, p. 20.
Bibliografia
ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia, 3ª ed. Lisboa, Editorial Presença, 1981.
ASIMOV, Isaac. A medida do universo. 2ª ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1986.
BENTLEY, Eric. A experiência viva do teatro. Rio de Janeiro, Zahar, 1967.
_____. O teatro engajado, Rio de Janeiro, Zahar, 1969.
BRECHT, Bertolt. Estudos sobre teatro. Lisboa, Portugália, 1964.
BRUSTEIN, Robert. O teatro de protesto. Rio de Janeiro, Zahar, 1967.
DORT, Bernard. Leitura de Brecht. Lisboa, Forja, 1980.
ESSLIN, Martin. Brecht dos males, o menor. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
_____. O teatro de absurdo, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1968.
FERGUSSON, Francis. Evolução e sentido do teatro. Rio de Janeiro, Zahar, 1964.
GIRARD, Gilles, OUELLET Réal, RIGAULT Claude. O universo do teatro. Coimbra, Livraria Almedina, 1980.
GUINSBURG, J., NETTO, J. Teixeira Coelho, CARDOSO, Reni Chaves. (organizadores) Semiologia do teatro. São Paulo, Perspectiva, 1978.
HAWKING, Stephen W. Uma breve história do tempo: do big-bang aos buracos negros. Rio de Janeiro, Rocco, 1988.
JÚNIOR, Redondo. (seleção) O teatro e a sua estética. Lisboa, Arcádia, 1963.
NELMS, Henning. Como fazer teatro. Rio de Janeiro, Letras e Artes, 1964.
PEACOCK, Ronald. Formas da literatura dramática. Rio de Janeiro, Zahar, 1968.
PISCATOR, Erwin. Teatro político. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968.
STANISLAVSKI, Constantin. A construção da personagem. 3ª ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1983.
_____. A criação de um papel. 2ª ed. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1984.
_____. A preparação do ator. 5ª ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1982.
TOUCHARD, Pierre-Aimé. O teatro e a angústia dos homens. São Paulo, Duas Cidades, 1970.
VIRMAUX, Alain. Artaud e o teatro. São Paulo, Perspectiva, 1978.
WAGNER, Fernando. Teoria e técnica teatral. Coimbra, Livraria Almedina, 1978.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratado lógico-filosófico. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.
CUNHA DE LEIRADELLA
Casa das Leiras
São Paio de Brunhais
4830-046 – Póvoa de Lanhoso
Portugal
E-mail: leiradella@sapo.pt
revista triplov
INDICE / SÉRIE VIRIDAE / 01 / CUNHA DE LEIRADELLA
Portugal / junho 2021