Apenas questão de qualidade

CUNHA DE LEIRADELLA
Tributo


Romance . Extrato

VENCEDOR DO 6º PRÉMIO LITERÁRIO
MARIA ONDINA BRAGA 2015


Se os seus princípios são tão rígidos e inabaláveis,
você, pessoalmente, já não precisa ser tanto.

MILLÔR FERNANDES
O Livro Vermelho dos Pensamentos de Millôr

SUMÁRIO

I PARTE

Brasil – Rio de Janeiro

 

II PARTE

Portugal – Vila Nova de Pardais


I PARTE

Brasil – Rio de Janeiro

Hino da cidade do Rio de Janeiro.

 

Cidade maravilhosa

Cheia de encantos mil,

Cidade maravilhosa

Coração do meu Brasil.

Cidade maravilhosa

Cheia de encantos mil,

Cidade maravilhosa

Coração do meu Brasil.

 

Berço do samba e das lindas canções

Que vivem na alma da gente,

És o altar dos nossos corações

Que cantam alegremente.

 

Jardim florido de amor e saudade,

Terra que a todos seduz,

Que Deus te cubra de felicidade,

Ninho de sonho e de luz.

 

André Filho

(Rio de Janeiro, 21/03/1906 – Rio de Janeiro, 02/07/1974)


 

Capítulo 1

Meu velho e falecido pai estava certo. Portugal é beleza. Pura beleza, sim senhor. Vendo o que eu estava vendo ali no Aeroporto Internacional Dr. Francisco de Sá Carneiro, quem se atrevia a duvidar? Ninguém. Nem eu, nem um tal de Descartes que duvidava de tudo e até dele, me disse o velho Mora. Qual é, meu caríssimo Sherlock? Sem essa. René Descartes, duvidava dele não. Fazia era da dúvida um meio de conhecimento. Se você tivesse lido Freud, que nem o nosso ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz que leu, não dizia besteira, meu caríssimo. Veja só Lula falando no Mutirão Arco Verde Terra Legal, em 12 de novembro de 2009, e depois fale, meu Sherlock. Eu já disse várias vezes: Freud dizia que tinha algumas coisas que a humanidade não controlaria. Uma delas eram as intempéries.

Intempéries? Torós daqueles? Isso aí, meu caríssimo Sherlock. Minha Nossa Senhora do Bom Parto, o que eu estou vendo aqui é, é paraíso do mais puro. Puro paraíso, sim senhor. E digo mais. Puro paraíso antes da chuva das maçãs, juro por Deus. Portugal, país de primeiro mundo? Só primeiro? Primeiro, o escambau. Portugal é, é puro paraíso. Para quem saiu do Rio de Janeiro com um aeroporto caindo pelas tabelas, escadas rolantes, elevadores e ares-condicionados, tudo funcionando na base da manivela, voos cancelados para tudo quanto era lado, e chega em um aeroporto tinindo de novo, bagagem deslizando na esteira que nem óleo Johnson em bunda de neném, um céu de brigadeiro mais berimbau do que manhã de carnaval, metrô parecendo até nave espacial, táxis, só Mercedes, Audi, BMW e outros Concordes que tais, calor beleza pura, tudo puro sonho de consumo, alguém vai me dizer que Portugal é só primeiro mundo? Só se for pinel. Louco de jogar pedra no chão. Portugal é, é puro paraíso.

Sonhando eu não estava, de porre também não, cego muito menos, aí só podia ser verdade. E tem mais. Em matéria paraíso, Portugal não é só Portugal, não senhor. É, é pura Terra Prometida. Só a pureza invicta do ar que respirei, minha Nossa Senhora do Bom Parto. Comparar aquele Chanel com o bodum, puro fedor de cocô de cavalo de bandido do asfalto do Rio de Janeiro, era que nem dar tiro no pé e não fazer nem curativo. De jeito maneira se podia comparar. No Rio de Janeiro, ar puro nem dentro do meu Porsche 911 Turbo 3000, mesmo com o ar-condicionado metendo bronca, martelando na catraca, respirar era suspiro.

A Terra Prometida era minha. Agora, a pureza invicta do ar que respirei, essa era do velho Mora. Meu caríssimo Sherlock, me disse ele no último tiro-curto antes do abraço dos adeuses, a cidade do Porto, ponto final do seu voo, se chama, antiga, mui nobre, sempre leal e invicta cidade do Porto, viu? Dita capital do norte de Portugal e com geminações por tudo quanto é lado. Até com Xangai ela tem geminações, fique sabendo. Geminações? Meu caríssimo Sherlock, coma pelas beiradas não que se estrepa. Esta geminação não é escrever dobrando letras não. É, diplomaticamente falando, pregar um diploma faz de conta na parede, e todo mundo fazer vênia e bater palmas, entende o meu caríssimo? Um Creio-em-Deus-Pai faz de conta? Minha Nossa Senhora do Bom Parto. Isso aí, meu Sherlock. Em diplomacia, esqueça não, tudo é falado em pó de talco. Amacia e pega bem, todo mundo sabe disso.

 


Cunha de Leiradella

E-mail – leiradella@sapo.pt


revista triplov

INDICE / SÉRIE VIRIDAE / 01 / CUNHA DE LEIRADELLA

Portugal / junho 2021