MARIA AZENHA
Foto: M CÉU COSTA
TRIBUTO
TRAD. PORTUGUÊS / ITALIANO : DANIELA DI PASQUALE
Daniela Di Pasquale tem licenciatura em Letras e doutoramento em Estudos Comparatistas. Foi bolseira de pós-doutoramento durante 7 anos no Centro de Estudos Comparatistas da Universidade de Lisboa. Traduz poesia e ficção de português para italiano e o seu primeiro livro de poemas foi publicado em 2014 (Mater Babelica, Lietocolle). Actualmente trabalha na área da educação.
CORRE NUA NA RUA
Corre nua na rua.
— É uma mulher —
Entrega a chuva
de pérola
em
pérola
a um diamante secreto
oculto nas mãos.
Vem com ela a Noite
e a neve.
E o primeiro dia da Criação.
Se minha filha viver, será sua.
CORRE NUDA NELLA VIA
Corre nuda nella via.
— È una donna —
Consegna la pioggia
di perla
in
perla
a un diamante segreto
occulto nelle mani.
Viene con lei la notte
e la neve.
E il primo giorno della Creazione.
Se mia figlia vivrà, sarà sua.
ABSURDO
Oh flor de ânsia sobre o mundo
— excremento da ruína —
verso que se afoga frente ao Nada!
O poema arde em seus cavalos árduos.
O desespero horroriza a página.
ASSURDO
Oh fiore di ansia sul mondo
— escremento della rovina —
verso che affoga di fronte al Nulla!
La poesia arde sui suoi cavalli ardui.
La disperazione terrorizza la pagina.
O ZELO DAS TREVAS
Ele amava a mulher.
Ela enforcou-se na casa de praia.
Encontrou-a sozinha sem os pés no solo.
Viu-a
Depois
junto à janela
mergulhar no silêncio da sala.
Será
que prova ramos tenros
da Primavera?
Ou espia para dentro dos espelhos
de Março?
Difícil imaginar estas árvores
de trevas
sem nenhum ar!
Nos meus sonhos ela está sempre a dizer adeus
cavalgando para o mar
LO ZELO DELLE TENEBRE
Lui amava la donna.
Lei si impiccò nella casa della spiaggia.
La trovò da sola senza i piedi sul suolo.
La vide
Dopo
vicino alla finestra
immergersi nel silenzio della sala.
Starà
provando i rami teneri
della Primavera?
O spia dentro gli specchi
di Marzo?
Difficile immaginare questi alberi
di tenebre
senza aria alcuna!
Nei miei sogni lei dice sempre addio
cavalcando verso il mare
TRAD. PORTUGUÊS / FRANCÊS: EDUARDO VERAS
Eduardo Veras. Pesquisador colaborador e pós-doutorando na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) – Brasil, onde atuou em 2016 como professor de Literatura Francesa. Especialista na obra de Charles Baudelaire, sobre quem escreveu tese de doutorado (UFMG, 2013), realizou dois estágios de pesquisa no “Centre de Recherche sur la Littérature Française du XIXe Siècle” da Université Paris-Sorbonne, sob a supervisão do professor Dr. André Guyaux. Atualmente, prepara uma nova tradução dos poemas em prosa de Baudelaire, de quem já traduzira o ensaio “L’École Païenne”. É autor de “O oratório poético de Alphonsus de Guimaraens” (Relicário, 2016) e co-organizador da coletânea de ensaios “Por uma literatura pensante: ensaios de filosofia e literatura” (Fino Traço, 2012). Tem publicado artigos sobre diversos poetas, brasileiros e franceses, em periódicos especializados.
O AMOR É COMO DUAS MONTANHAS
O amor é como duas montanhas em colisão.
E é assim que alguém morre.
Conheço uma mulher pequena e triste
que toca flauta no oceano.
É descendente das águas que se derramam,
sendo levada pelo vento durante a noite.
É do tamanho do coração de um espelho gigante,
morrendo todas as vezes no poema.
L’AMOUR EST COMME DEUX MONTAGNES
L’amour est comme deux montagnes en collision
Et est ainsi que quelqu’un meurt.
Je connais une femme petite et triste
qui joue de la flute dans l’océan.
Elle est descendante des eaux qui se renversent
étant emmenée par le vent durant la nuit.
Elle est de la taie du cœur d’un miroir géant,
mourant toutes les fois dans le poème.
TRAD. PORTUGUÊS / INGLÊS : LESLEY SAUNDERS
Lesley Saunders . Poet and educationalist
UM HOMEM ENCONTROU UMA MULHER
Um homem encontrou uma mulher e atirou para dentro dela uma flor.
A flor acompanhou a mulher durante nove meses arrastada pelo vento.
E o vento carregado de folhas mortas gritou: é tempo de nascer outra flor.
E a memória da flor deixou-se operar.
E a mulher disse: quero a minha flor de volta.
E ouviu a sua voz perdida noutro lugar.
Anos mais tarde o homem envelheceu e recebeu de presente
um caixão.
A mulher pulou da janela.
A primavera, repleta de flores, tornou-se insuportavelmente bela.
A MAN MET A WOMAN
A man met a woman and loosed a flower inside her.
Drifting on the wind the flower accompanied the woman for nine months.
And the wind laden with dead leaves cried: it is time for another flower to be born.
And the memory of the flower renounced its work.
And the woman said: I want my flower back.
And she heard her voice lost in an elsewhere.
Years later the man grew old and received the gift
of a coffin.
The woman leapt from a window.
Spring, brimming with flowers, turned unbearably beautiful.
HERANÇA
A mulher deixou cair uma filha da barriga.
A barriga que tinha crescido morreu.
Deixou estampada uma folha de neve no chão.
Lá dentro meteu pauzinhos para fazer no inverno um caixão.
A filha que tinha crescido com uma folha da lua sepultada na face,
Deixou tombar os ponteiros de neve na sala.
Depois começou a lamber o sangue das paredes
como o útero de Deus.
LEGACY
The woman let drop a daughter from her belly.
The belly that had grown big died.
She let a leaf of snow imprint the ground.
There within she stacked some little sticks to make a winter coffin.
The daughter who’d grown tall with a leaf of moonlight buried in her face
felled the pillars of snow in the room.
Then she began to lick the blood off the walls
as if they were the womb of God.
TRAD. PORTUGUÊS / CASTELHANO : JOSÉ ÁNGEL CILLERUELO
José Ángel Cilleruelo . Poeta, narrador, tradutor crítico.
HÁ QUEM DIGA
A morte tem luvas brancas tão belas.
Todos os que amo já têm as suas.
E o temor das pessoas é como estrelas
sobre o seu arco de triunfo.
Seus dedos longos de bruma.
Revoltos pela luz do luar.
E pelo temor das pessoas.
Há quem diga que ela é um alforge da lua.
Hay quien dice
La muerte tiene hermosos guantes blancos.
Tienen los suyos todos los que amo.
Y el temor de la gente, como estrellas
en su arco de triunfo.
Dedos largos de bruma.
Revueltos por la luz de la luna.
Y por el temor de las personas.
Hay quien dice que es alforja de la luna.
TRAD. PORTUGUÊS / CASTELHANO : GUSTAVO PETTER
Gustavo Petter . Professor, poeta e tradutor.
ORATÓRIO
conheci o homem mais elegante do mundo
o homem que transformou a minha vida num oratório
é o único homem que não tem nome
as joias dos seus ossos ouço-as através das paredes
reconheço a sua estatura pelo bater do mar em meu coração.
por vezes a sua voz amável entra em meus pulmões e eu não canto
ressoa numa delicada paloma de âmbar
e a sombra de fogo que vai deixando vai ampliando o céu.
sei então que me abeirei do relicário mais secreto da alma
onde entrego o sangue da sua generosidade a uma gaveta de prata.
sei ainda que aí é possível conceber as gemas de Deus.
quando é escuro e a noite se derrama
tocamo-nos com a devoção de Bach e adormecemos
numa silhueta única.
às vezes crio a ilusão de ele ser meu pai.
ORATORIO
conocí el hombre más elegante del mundo
el hombre que transformó mi vida en un oratorio
es el único hombre que no tiene nombre
las joyas de sus huesos oigo a través de las paredes
reconozco su estatura por el golpear del mar em mi corazón.
por veces su voz amable adentra en mis pulmones e yo no canto
resona en una delicada paloma de ámbar
y la sombra de fuego que va dejando va ampliando el cielo.
sé entonces que me aproximé del relicario más secreto de la alma
donde entrego la sangre de su generosidad a un cajón de plata.
sé aún que ahí es posible concebir las gemas de Diós.
cuando es oscuro y la noche se derrama
nos tocamos con la devoción de Bach y adormecemos
en una silueta unica.
a veces creo en la ilusión de ello ser mi padre.
TRAD. PORTUGUÊS / CASTELHANO : SANDRA SANTOS
Sandra Santos . Poeta, professora e tradutora. Mestrado em “Estudos Editoriais” pela Universidade de Aveiro, Portugal. Desenvolve projectos na sua área de estudos. Escreve e tra/produz.
espelhos crianças
as crianças escrevem
a sua alegria
onde o poema é mais obscuro
saltam os instantes
de muro
em
muro
regressam
brancas
trespassadas pelo lume
uma delas disse:
quando crescer vou ser a lua
ESPEJOS NIÑOS
los niños escriben
su alegría
donde el poema es más oscuro
saltan los instantes
de muro
en
muro
regresan
blancos
traspasados por la flama
uno de ellos dijo:
cuando crezca voy a ser la luna