Acaso é encantamento?
Matsi Chatzilazarou

 

 

 

 

 

 

 

 MATSI CHATZILAZAROU (1914-1987 GRÉCIA)
TRADUÇÃO DE FLORIANO MARTINS


[ACASO É ENCANTAMENTO?]

Acaso é encantamento? Sonho? Milagre?

A sedução de meu pensamento, a febre e as saudades,

e o gênio criador o terrível de minha carne.

Eu te dou tudo o que é meu – no sol e na cor

de amor de teus olhos.

Como cai a folha do álamo, a folha que enfeitiça

a luz? É como cairei dentro de teus braços.

Meu corpo nu já está na zona morna.

Será encantamento? Sonho? Milagre?

A palma de mina mão te espera, a palma de minha mão te busca,

a palma de minha mão treme e esvoaça entre os ramos – ai!

em meu punhado pousou um pássaro, o pássaro é tua ternura.

Qual será o amor que contém o clima desalojado?

Ao meu redor vejo apenas todas as ânsias de uma Sexta-feira Santa.

Que o meu pranto seja o canto mais manso; minha tristeza,

procissão de maio desde o mar até o campo; minhas ilusões,

dez barcos guarnecidos que navegam para a feira.

Jamais, jamais a minha vida sem encantamento.

E é o encantamento o cheiro do desejo primaveril entre as macieiras.

E é o encantamento todo o amor de uma rocha seca – com a luz, com o sol.

E é o encantamento, desde meu berço até o túmulo meus gemidos os que geram o milagre.

 

Matsi Chatzilazarou

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[UM CANÁRIO ESTÁ METIDO EM MEU CABELO]

Um canário está metido em meu cabelo e as amendoeiras

atomizaram todas as suas flores.

Talvez sejamos mais inocentes que um canário, porém castos não somos.

E não importa quantos mastros sejam desmontados, quantas medusas sejam mortas,

meu ser sempre será um exílio

Ah já, já! Venham dizer a canção que não se apaga – o rumor da clematis quando se deixa

acariciar pelas sombras, a barafunda da baleia quando encalha e seus pequenos se salvam,

O hino de nossa vida quando se perde, e encontramos nosso coração.

O que farei com as dores, os estros, os anseios?

O sol segue apenas uma trajetória.

Um dia abrirei as minhas pálpebras e minhas coxas, para receber a chuva.

Também abrirei os caminhos que sufocaram minhas resistências.

Sim. O que a mão não alcança, nosso coração supera.


[ESTA ÚLTIMA GOTA DO VINHO]

Esta última gota do vinho contém o grito de um caracol,

sobre uma onde navega minha esteira de trigo.

Ah, para! Porque ali à direita no céu vi a nuvem de meu coração.

O delfim é meu filho, as ânsias são meus olhos, e o mar as esgotou.

Contei os pequenos recipientes do balcão – desse número sem valor algum sempre falta meu ser.

Tenho vivido entre as rochas com tantas grutas marinhas – em cada

Terno buraco da cova pendo minha bandeira natal.

Jamais olhei detrás de minhas velhas fotos

(ali onde estou tão indefesa) – tem que acaso venha a descobrir meu drama pessoal.

Assim um dia encontrarei entre meus lençóis uma rosa vermelha – dentro de sua

intensidade espreitar o peso de sua ternura.

E mesmo que não me convenção as mãos de muitos, e mesmo os alentos de muitos não

nublem um espelho meu sequer – um dia cala o vento que desce sozinho da montanha

com um gemido humano.

 


revista triplov . série gótica . outono 2019

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21 MULHERES SURREALISTAS

EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO DO SURREALISMO 1919-2019

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