Abro um armário
Thérèse Renaud

 

 

THÉRÈSE RENAUD
(CANADÁ 1927-2005)
TRADUÇÃO DE FLORIANO MARTINS

 

 


[NUMA MONTANHA DE ROCHEDOS]

Numa montanha de rochedos cavernosos há uma velhinha com seu velho cão.

 

Uma noite. Estou cansado. Tomo o caminho que há pouco depositei no meu bolso. Eu o desdobro e vou perseguindo com meus saltos precipitados os olhos da imensa noite.

 

Um olho no fundo me confunde com seu convidativo sorriso.

 

A velhinha é alegre boa e acolhedora conversamos sobre as misérias do homem.

 

Mas o que há nessa casa feita para a tranquilidade? Eu me entedio sou forçada a abandonar a velhinha. O que me espera na noite?

 

A velhinha é doce e compreensiva ela se despede de mim com beijo na orelha.

 

Estou ainda a desdobrar o caminho. Continuar sem jamais empalidecer de vergonha.

 

 

[ELE ENTROU NO PÁTIO]

 

Ele entrou no pátio e caiu fulminado por um olhar de recife.

 

A vizinha saiu em velocidade e tocando seus dois polegares cuspiu na terra em sinal de redenção.

 

Vi todas essas cenas por uma fenda no muro e me exclamando bem alto: “que é triste ver caírem as folhas no outono.” Fui até o pátio recolher flores e minha mãe me disse me enviando beijos com a mão: “volte minha filha sua gaveta da escrivaninha permanece aberta e isso quer dizer que esta noite você sairá nua e entrará mofada.”

 

Alcei os ombros. Aproximei-me do fulminado e coloquei dois beijos em seus olhos então ele me disse: “Os lilases são maldosos e você reflorirá amarela na primavera.”

 

Modestamente entrei na casa furando-me as bochechas.

 

 

[ABRO UM ARMÁRIO]

 

Abro um armário e dele sai uma mulher nua toda coberta de espinheiros.

– Minha senhora, por favor, eu lhe suplico essas mãos que não ousam acariciá-la.

– Para você fritarei todas as cascas dos corações.

– Então você tem realmente vinte anos sobre a nuvem de sua beleza?

– Sou muito feliz (ela boceja e se estende, mas eu diante desse espetáculo de fazer furar os olhos me viro e fecho o armário e em um murmúrio:)

– Às vezes há alegrias doces e cruéis.

 

Ah! Enclausure-me por ter roubado esse segredo e tido a infelicidade de ver o amor sem cair aos seus joelhos…


revista triplov . série gótica . outono 2019

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21 MULHERES SURREALISTAS

EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO DO SURREALISMO 1919-2019

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