A que ama os interdiscursos

 

TRIBUTO A ANA HADDAD


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência  (Instituição-sede da última proposta de pesquisa) . Brasil


Por Maria Estela Guedes

Cruzamento interespecífico é o que ocorre entre duas ou mais espécies e pode ou não produzir descendência fértil.  O que Ana Haddad promove é igualmente desafiador mas não diz respeito à biologia, nem à história, sim ao cruzamento entre discursos. Não está em causa o mundo físico, sim o mundo das palavras, especialmente palavras escritas.

Desafiante, pois grande parte daqueles que lidam com as palavras, a exemplo dos poetas, suspeitam do discurso diferente do seu, como se de um poema só se pudesse falar em verso, como se a ciência nenhuma relação tivesse com a literatura, como se todos os mundos fossem desprovidos de mérito exceto um. Um mundo privilegiado, posto ao alto, intocável. Em tempos remotos, desses seres excluidores, discriminadores, dizia-se viverem em torres de marfim.

Enfim, Ana Haddad é uma investigadora do fenómeno literário que trabalha com a interdisciplinaridade, analisando o poema, o romance, do ponto de vista da história ou da ciência. Há autores que a isso se prestam muito mais do que outros, como Marco Lucchesi, autor de um livro intitulado até Hinos matemáticos, largamente analisado por Ana Haddad, como o leitor pode comprovar neste tomo da Revista Triplov, que lhe presta merecido tributo.

Ora foi precisamente numa instituição científica, de magistrais pergaminhos, que conheci Ana Haddad. Refiro-me ao Instituto de Investigação Científica Bento da Rocha Cabral, o qual, ao longo dos seus cem anos, celebrados agora, em 2022, concedeu laboratório a inúmeros cientistas portugueses na área biomédica, um deles, Egas Moniz, Prémio Nobel. Foi no auditório do Rocha Cabral que a ouvi falar dos poetas gregos contemporâneos, num ciclo de conferências promovido por Ana Luísa Janeira, então diretora do CICTSUL, um centro interdisciplinar. Ana Luísa lançou as primeiras pedras deste tipo de estudos no programa de ensino da Universidade de Lisboa.

A partir daí, Ana Haddad e eu ficámos em contacto e diversas vezes me convidou a participar em iniciativas na PUC e na UNINOVE, destinadas preferencialmente a um público de estudantes, e em obras académicas por ela organizadas e co-organizadas. Relembro algumas recentes: Estética do Labirinto – A poética de Marco Lucchesi (2018); Literatura e Educação (2016); Tempo-Memória na Educação (2014); e Mia Couto – Uma literatura entre palavras e encantamentos (2016), que tive a honra de prefaciar.

Uma palavra de carinho devo a José Roberto Baptista, marido de Ana Haddad, que a dado passo tentou a edição, convidando-me e a outro português, Luís Serguilha, para lhe darmos corpo. Participei com Arboreto, livro de poemas sobre árvores.  Entretanto o Beto deixou-nos há poucos meses, morte que o coração muito sente. Da intercolaboração de ambos e outros, resultaram eventos bem importantes, na Casa de Portugal e no Espaço das Américas, onde Luís Serguilha e eu tivemos o privilégio de ser entrevistados por Antônio Abujamra.

Ana Haddad não é uma presença muito óbvia no Triplov, mas muito lhe devemos, não só pelo que adiantei no último parágrafo, mas também porque, sendo professora universitária, ela tem encaminhado colegas como Márcia Fusaro e outros, bem como estudantes, para nosso portal, onde têm sido publicados, facto que tem contribuído para a credibilidade literária e científica do website, e por isso para a sua presença marcante no universo internacional académico.

É fácil ver então que Ana Haddad não tem sido só uma companheira de trabalho que partilha ideias, a mais vinculativa  das quais sendo a ferramenta interdisciplinar na análise da obra de arte. Ela tem sido um dos nossos maiores amigos.

 

 


Série Viridae . Ana Maria Haddad Baptista.

Maio 2022 . 

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