MARIA AZENHA
Foto: M CÉU COSTA
TRIBUTO
EDITORIAL
Maria Estela Guedes entrevista Maria Azenha
Maria Azenha é a poesia em estado de ser quotidiano, a atitude de rebeldia e de combate, e não me refiro apenas à obra da autora, sim a ela mesma, como pessoa. Ela, sem uma letra escrita, seria poesia. Porém as letras que publicou são muitas, em livro individual, em antologias, revistas, em papel ou na Rádio e Internet. Hoje as plataformas editoriais são muito diversificadas e Maria Azenha tem tirado bom proveito de muitas delas, quer em Portugal quer noutros países. No Triplov, por exemplo, contamos com vasta colaboração sua, aliás colaboração também na origem da publicação de textos de muitos outros artistas e poetas, se pensarmos que tem feito parte da organização dos Encontros Triplov, realizados habitualmente nas casas dominicanas.
Estas razões são menores para a homenagem que agora lhe prestamos. A razão fundamental é Maria Azenha merecê-la pela sua grande mestria poética.
Maria Estela Guedes – Maria Azenha, que importância tem a poesia na tua vida? E que importância tem a vida, espiritual e quotidiana, na tua poesia?
Maria Azenha – A poesia é o meu modo de respirar
através de um espaço estético, de um espaço de liberdade: um espaço de reinvenção.
Não me basta contemplar o Universo. Preciso de o nomear, dar-lhe existência corpórea. Medir-lhe a altura de abismo.
Aqui meu coração bate mais.
A vida espiritual e quotidiana mergulha nas raízes do mundo. Faltam-me palavras. Mas digo:
O meu laboratório, assente no solo, é uma arca de aliança entre o céu e a terra, preciso de um nome que me dê significação e destino.
Viajo no livro da quântica, umas vezes partícula. Outras, onda.
MEG – Tu não és só poeta, escreves outro tipo de textos. E a escrita não é a tua única arte. Que mais há a acrescentar?
MA – Textos de reflexão filosófica, esotérica, pintura, música, diseuse.. .
MEG – Lembras-te de como e quando começaste?
MA -Sim, lembro.
Quando me defrontei com o desenho das primeiras letras e o mistério delas.
MEG – Coimbra… Que relações tens com a cidade?
MA – Vivências de afecto , memórias académicas
e poéticas.
O fado de Coimbra foi a minha primeira assinatura poética.
MEG – A Matemática é uma das tuas melhores amigas? Ou nem a conheces?
MA – Uma das minhas melhores amigas.
Aos cinco anos tinha decidido enveredar por Matemáticas.
Mais tarde percebi que ela precisava de se complementar com a Poesia.
MEG – Que temas ou aspetos mais relevantes da tua arte escolherias para a definir?
MA – Temas: O Amor, a Morte.
MEG – Que poetas te tocaram mais e deixaram marcas na tua poesia?
MA – Não sei se deixaram marcas, mas foram muito importantes para me acompanhar na Poesia.
Pessoa, Herberto Helder, Vladimir MaiaKovski, Camões, Raul de Carvalho, António Maria Lisboa, Teixeira de Pascoaes, Natália Correia, Luiza Neto Jorge, Fernando Assis Pacheco.
MEG – Que artistas escolherias para salvar num hipotético fim de mundo?
MA – Difícil esta resposta. São hipoteticamente, e neste momento, alguns, entre mortos e vivos:
Gonçalo M. Tavares, Cruzeiro Seixas, José Afonso, Carlos Paredes, Teresa Salgueiro, Léo Ferré, Jorge Peixinho, Jorge Palma, Ana Luisa Amaral, Rui Massena, Clarice Lispector, Rosa Maria Martelo, Herberto Helder, António Barahona, Mário Henrique Leiria, Almada Negreiros, Maria Gabriela Llansol, F. Pessoa, Sylvia Plath, Borges, Camões, Lorca, Daniel Faria, Lawrence Ferlinghetti, Anna Akhmátova, Alexei Bueno, Adam Zagajewski, Charles Simic, Alejandra Pizarnik , Woody Allen, Manoel de Oliveira, Abdullah Ibrahim, etc., etc., etc.,…
MEG – Algumas palavras para reagires a elas: romã, telhado, escuro.
MA – Romã – Thipheret
Telhado – Limitação na Criação
Escuro – Silêncio iluminado
MEG– Alguns nomes para reagires a eles: Inês, Pedro, Camões, Vasco da Gama.
MA – Vou reagir, fugindo ao óbvio:
Inês- Rosa Crucificada
Pedro – Hiram A.
Camões – Mestre Perfeito
Vasco da Gama – Mundi
MEG – A espiritualidade é presença habitual na tua poesia, por vezes a religião até aparece na figura de santos, e estou a pensar num poema teu muito forte, «Nossa Senhora de burka». Que impacto tem a religião na tua vida?
MA – Religião no sentido de “Religare”, sim. Tem impacto. Traço um Pacto com a Vida, com os Sonhos, com as Palavras.
É nesse religare que, tacteando as trevas, me aparecem estrelas insistentes numa noite clara.
Por vezes perco-me. Não tenho Água. Nem Ar. Nem crenças. Nada então me pode sustentar.
Mas a Poesia é sempre promessa. Recebe-me como noviça , convida-me a abrir janelas sobre o Abysmo do Ser.
“ Nossa Senhora de burka” é o feminino mais humano que recusa a dor e a injustiça, habitando a Terra pela caligrafia da Vida.
Ela sofre, alegra-se e revolta-se numa língua que não sofre de anemia.
No sentido anteriormente focado, Religião é uma das portas para o Sagrado.
É neste âmbito que a espiritualidade é presença.
MEG – Que te diz a Rosa? Para lembrar Umberto Eco: tem nome, a tua?
MA – A Rosa não foi concebida para ser investigada. Analisá-la é tentar submetê-la a uma verdade comum. E não é da sua natureza.
Como pode alguém “ver” a Rosa?
Alguns olham-na através da Emoção pura.
Outros, pelo Raciocínio. Outros ainda, pela Intuição (inteligência da emoção).
Mas cada Rosa tem o seu “Criador”. Não é possível vê-la de Fora.
O seu Nome vem a partir da Gnose.
MEG – Por último: quem foi, ou quem é, o último rei de Portugal?
MA –“O último rei de Portugal”, título de uma obra que escrevi em 1992, nasceu de uma revelação involuntária.
Como texto literário é o “ lugar” onde se projectam conteúdos do inconsciente colectivo (nacional e individual)
Nele, personagens, autor e leitores encontrar-se-ão num espaço arquetípico, num solo de mitos.
É uma obra que não vive directamente do sentido imediato da palavra. É pretexto para significações mais profundas.
Como olhá-la apenas sob o império da lógica?
Foi escrito como um todo espiritual mais vasto em que o autor-actor se sentiu atraído pelo mistério de forças do inconsciente .
Quem “ O último rei de Portugal? Quem é ?
Ele é um OUTRO.