NICOLAU SAIÃO
Tributo
1 MONSTROS NO ESPELHO SUBLUNAR DA ESCRITA E DO CINEMA
a Fernando Guerreiro (FG), poeta de mérito e editor lúcido e capaz que possibilitou em Portugal a edição de “Os Fungos de Yuggoth”, de H.P.Lovecraft
Há, no mundo da escrita, as chamadas “hipóteses levantinas” – que são as que ficam a jusante desse rio que pelos continentes da fábula corre lentamente e desagua no grande oceano das concepções que, mais ou menos ocultamente, se vislumbram, tacteiam e finalmente se agarram entre luz e sombra, entre sol e lua. Para tudo dizer: por detrás do monte, da colina onde se acoitam os mundos do imaginário.
Não esquecer, também, que no “texto novelesco” por extenso (cf. J.B.Priestley, ”Os mágicos”; Eric Ambler, “A máscara de Dimitrios”) o levantino era por tradição habitante dúplice dum lugar híbrido, figuração de mistura (que é o sinal mais típico do monstro) receptáculo de obscuros conteúdos de baixo e de cima, de dentro e de fora. (“Desconfia dum egípcio; mas jamais, jamais confies num grego ou num turco” – Ambler, livro citado).
A hipótese que FG nos propõe em dois textos que constituem o objecto deste pequeno ensaio, é a denominada “hipótese do fantasma”, plasmada num texto nascido tempos atrás e que se prolonga, com outra materialidade, se vela e se revela e, finalmente, se ergue e se põe a correr no texto posterior, “Os deuses estão entre nós”. Ambos notáveis pela informação que denotam, pela clareza do enunciado, pelo estilo sóbrio mas de bom recorte, pela inteligência que deixam adivinhar.
Mas textos que partem do reflexo. Que são evidente sinal não diria de sedução vampírica mas de imersão num mundo que dialoga com os habitantes do país das trevas e dos nevoeiros. Sem ter considerado que os monstros, (na minha concepção), vivem todos deste lado e que, quando digo deste lado, digo que o que os move não é a magnífica revolta, muito menos a rebeldia, mas a assumpção do pavor e do domínio sobre os viventes. Mas eles camufladamente têm artes de enganar – que são as artes da sedução mefítica e despertam nos pensadores, quando calha, “solidariedades” algo impuras que são todavia filhas dessa boa-fé que eles arteiramente suscitam para melhor destroçarem os humanos.
Ou seja: esses dois textos de FG partem de uma hipótese levantina, partem de pré-concepções que, afinal, negam a própria existência da sua escrita enquanto lugar legítimo onde a maravilha acontece e onde a quimera finalmente cobra rosto, voz, figura e realidade. Que, em suma, negam a poesia (que é a vida das palavras na sua máxima força) enquanto espaço de liberdade.
Se de facto fosse real a existência do “realismo absoluto dos simulacros”(sic), isso significaria que fora estabelecido o relativismo dos não-simulacros, ou seja: a proposta da assumpção da morte como valor de referência, de natureza naturante, logo de extinção da escrita como carne pulsante, nascente e nascida, reconvertida e podendo pôr-se a si mesma em causa mediante a desconstrução que a poesia é.
Os monstros não podem criar porquanto são infecundos – um monstro-monstro não é nunca uma personagem trágica mas sim uma negação que produz tragédia – que, como se sabe, pressupõe o humano e é a sua melhor prova, o seu mais seguro sinal com toda a carga absoluta que isso arrasta. (E a escrita é a busca incessante do absoluto).
O fantasma só existe enquanto criação dum cérebro (plasmado, quando muito, num aparelho, numa máquina de engendrar – paleta, livro, câmara de fotografar ou de filmar – uma vez que o fantasma parte da indeterminação do espírito e nunca parte ou é parte da carne mas, quando muito, da sua cessação – logo da materialidade havida, materialidade que é a única substância que pode forjar “imaterialidades”: pensamentos, desejos, intuições fantasmas. Precisamente por isso é que as encenações engendradas por Lovecraft podem ser classificadas por outrem, por diversos críticos (ou o foram por ele mesmo) como “absolutamente materialistas”. Porque ganharam corpo na escrita, tão simplesmente. Os fantasmas, a existirem mesmo, não seriam pois mais que realidade, logo matéria não ficcionada. Como canonicamente desaparecem assim que são trazidos à luz da Vida, só a escrita lhes serve de comprovação, de registo que nos assegura que efectivamente existiram. E é este o supremo paradoxo: só existem civilmente, reconhecidamente, se já não existirem (se tiverem passado para o mundo dos relatos que os certificam) só existem aos olhos dos mortais se forem matéria de memória – oral ou perpetuada em narrativa escrita, desenhada, filmada. Porque os fantasmas, de acordo com a tradição, não são espectáculo de multidões a não ser na Arte (pintada, escrita, filmada), são experiência de um ou alguns poucos. Leia-se: matéria de embuste, simulação, aparência intimidada que procura ser intimidatória.
Vejamos agora o título proposto por FG para o seu texto, “Os deuses estão entre nós”.
Não tomemos a frase pelo valor simbólico que poderá veicular. Tomemo-la à letra. Para efectuar o contraste – como se procede para aferir que algo é de ouro ou de prata – sujeitemo-lo a uma pedra-de-toque. Por exemplo – e uma vez que a única citação directa que o trecho transporta é a frase de Holderlin “os deuses já estão entre nós”. Então, teríamos como contraste “os deuses já não estão entre nós” e, a seguir, “os deuses sempre estiveram entre nós”, “os deuses nunca estiveram entre nós” e, adicionalmente, como matéria vinda do país do humor negro e da ironia sibilina, “os deuses estão e/ou não estão um bocadinho entre nós”.
Consideremos, antes de passarmos adiante, que Holderlin, o grande poeta contemporâneo de Goethe, esteve são durante um período da sua vida e louco durante outro. Perguntemo-nos, então: a frase foi concebida no período de sanidade ou de loucura? No primeiro caso, perguntemos mais, ainda: quanto de loucura nela se misturou? No segundo caso, quanto de sanidade? E isto muito simplesmente porque a escrita pressupõe a possibilidade de contaminação (alguns diriam: implica-a) da vida, assim como a vida pressupõe a contaminação da escrita, tal como no resto do texto é sugerido, proposto, assumido mesmo.
Continuando a usar a pedra-de-toque, ponhamos: os deuses sempre estiveram entre nós. Tal significaria que fazem parte tanto do mundo dos sonhos como do mundo da realidade que nos é apontado. (A primeira e mais poderosa característica dos deuses, de acordo com os cânones, é a sua ocupação total do mundo no qual os homens se movem apenas por concessão do alto. Os deuses são a totalidade, de acordo com os pensadores fideístas ou com os que os citam cabalmente). Mas neste caso não existe nem nunca existiu a soberania autónoma (mesmo que mitigada) do homem, logo não pode existir ou ter existido a escrita “absolutamente materialista” de Lovecraft ou outro. Na melhor das hipóteses não passaria de equívoco (visto o autor, como todos nós, não passar de “símio dos deuses”) quando muito mera função objectual, cobaia ou marioneta para indescerníveis andanças divinas, sujeito de obscuro propósito não desvelado/revelado, reflexo ou pretexto para actividades não susceptíveis de conhecimento humano. Porque a característica dos deuses é serem os seus manejos incompreensíveis para o homem, que de acordo com esta proposição se deve limitar ora à aceitação ora à expectativa.
Nesta conformidade, o presuntivo materialismo absoluto da escrita lovecraftiana não passaria de imagem virtual, direita ou invertida, dos propósitos inconcebíveis, incompreensíveis, inscritos no livro dos deuses equacionados.
Vejamos agora a outra premissa: os deuses nunca estiveram entre nós. Se assim é, porque são convocados/invocados? Isso corresponderá a um desejo de que o venham a estar? Ou por tal ser uma sensação/encenação que permite o engendrar duma escrita, de pensamento ou lucubração num continente onde um determinado tipo de imaginário não aparece como inverosímil, não só possível mas também credível? Porque, pertencendo pois a soberania ao homem, este pode entregar-se sem amarras à criação e a todas as suas contaminações?
Ou seja, poder ele inclusivamente erguer a frase positiva, a negativa e a irónica, uma vez que tem acesso ao lugar absoluto da liberdade. A todas as congeminações e criações, outorgadas ou inerentes, ou conquistadas.
Passemos agora a outro ponto, vejamos os pressupostos em actuação: se não há, do ponto de vista da criação, verdadeiras diferenças entre escrita, cinema e vida (sic), porque é que há da sua forma própria vida, cinema e escrita? Poderia haver só escrita ou só vida ou só cinema… No entanto sempre houve vida, a dada altura passou a haver escrita e, muito mais tarde, passou a haver também cinema. Então, de duas uma: ou os sinais são o mesmo operativamente ou têm equivalência quando considerados. Se são o mesmo, tanto faz viver só no celulóide como só no quotidiano, viver só na folha de papel ou só na película – o que é uma inviabilidade provada pois é a vida quotidiana que vai ao cinema, que o faz, que produz escrita – sendo por seu turno contaminada por estes desde sempre a partir do surgimento deles.
É necessário, para chegarmos a algo num continente não-fantasmal, que concluir: os sinais têm equivalência. Mas a equivalência (como e qual?) não é nem significa identidade, antes pressupõe a diferença. É porque estão separados absolutamente que há cinema, vida e escrita. É por isso que a escrita e o cinema – a Arte – multiplicam as vivências; se estivessem juntas, em identidade, estariam sempre mergulhadas num universo extático, num limbo gelado, infecundo, espectral e portanto proto-vampírico.
Há um dado ponto, como os surrealistas antes e depois da letra descobriram ou constataram, em que várias realidades (sublinho, realidades) se unem. Por outras palavras: a poesia une-se à vida. Nalguns pensadores tal facto parece-lhes ser a existência de uma matéria contendo sinais contrários tendo o mesmo valor operativo. Em termos morais: o mal igual ao bem, o mal ser o bem ou o bem ser o mal. Ou seja: existir uma matéria una, múltipla, constituída pelos dois polos.
Todavia, a prática alquímica ensina-nos que as coisas se passam de maneira bem diferente: existe a matéria afastada contendo em potência, desordenadamente, o mercúrio filosófico e o enxofre filosófico. Convenientemente excitados pelo sal tratado pelo duplo homem igneo, transfiguram-se. Depois de várias operações que não interessa trazer a capítulo e subidos vários degraus da Obra, acaba por se entrar na posse da matéria próxima que a seu tempo iluminará o vazio mediante a sua própria iluminação.
Noutro plano: a palavra só tem poder transmutatório se se reconverter tornando-se outra coisa – palavra livre em conjunto, forjando uma frase livre ou seja, real e coerentemente ligada à sua figura com reflexo no espelho da existência (ao contrário do monstro, que não tem reflexo por não ter vida).
E é por isso que não há incarnação doente, mutante, produtora de seres híbridos e impuros (sic). O que há, neste plano, são projectos de incarnação que só podem existir por terem seguido a “via mala” no meio-caminho entre a vida e a morte; seres de mistura e de desordenamento como o dragão escamoso dos sábios. Note-se, entretanto, que pode haver sobre eles uma luz, mas é a da falsa estrela que os alquimistas bem conhecem e que aparece pouco antes do derradeiro tour-de-main, armadilha colocada aos incautos pela Senhora da Luz para lhes testar a sabedoria, passo final antes da suprema iluminação que os levará aos confins do tempo e do espaço, à poesia das coisas e do que vive no seu interior, uma vez que o que está dentro é como o que está fora, atingido desta forma e só desta forma o milagre de uma coisa só. Se o operador (o poeta, o pensador, o alquimista) se deixar embalar nessa falsa certeza, pese às aparências mundanas irá dar a um lugar onde só há choro e ranger de dentes, onde só existe frio e escuridão.
Reparemos num detalhe que convém recordar: de acordo com a tradição, o vampiro é o produto do esperma masturbatório que caíu num solo absolutamente infecundo, logo impuro. É por isso que ele é não mais que simulacro não criativo, aparência de vida, mentira absoluta e absoluta violência. Repare-se ainda que o Engendro de Victor Frankenstein, segundo Mary Shelley, é formado por fragmentos de mortos, juntos (e não unidos harmoniosamente) pelo poder da electricidade (de fora para dentro, enquanto na vida a força vem de dentro para fora). Ou seja: pelo poder da tecnologia, que no Frankenstein moderno aparece – ainda mais reveladoramente – através das multiplicações produzidas pelos computadores. Dizendo de outro modo: pelo poder da nova diplomacia, que detém tanto o poder de criar monstros (ultimamente, os livros e filmes de vampiros para adolescentes) como de criar novos engendrados literários que só produzem uma escrita morta, deturpada e medíocre.
No segundo texto de FG refere-se, citando Nodier, que o homem dum tempo a vir viveria simultaneamente duas vidas, a diurna e a dos sonhos. A primeira seria então permeabilizada pelo vampirismo existente no mundo onírico ou das imagens insubstanciais. Essa, real e material, onde se pode escolher, onde existe o espaço de liberdade (cf. Cesariny, que dizia lucidamente num poema que em vigília é possível optar mas se é sonho tem de se ir mesmo…) ficaria inteiramente preenchida pela fantasmagoria dos sonhos que se têm a dormir, dos sonhos que fornecem por vezes encantamento mas não têm poder criativo no seu próprio plano. (Aqui, recorde-se o ditame “Os que sonham de olhos abertos têm possibilidades de achar coisas que os que só sonham de olhos fechados nunca encontrarão”). Por outras palavras: a substituição da vida onde é possível criar objectos, relacionamentos, arte e o acesso à sabedoria, pela vida obrigatória dos sonhos – similar ao entorpecimento provocado pelo ópio, pelos diversos ópios, que parte de projecções que a dado passo são pesadelos.
A vida do quotidiano, com a liberdade de criar a que se tem inteiro direito, deve pôr-se em guarda contra a contaminação de um pretenso sonho figurado que tenta ocupar o espaço real e que é constituído por todas as imagens dadas como uma realidade, mais, uma verdade actual e performante. A mais pura liberdade vive entre, por um lado, o espaço constituído pelo direito de o escritor ou o artista por extenso, o homem, criar encenações que finjam ser a verdadeira vida e, por outro lado, o direito de se recusar a ser ficção como se existisse apenas nelas.
Porque, de facto, o homem não vive duas vidas – e sim uma, mas por mor da sua soberana imaginação pode visitar o outro planeta (a escrita, o cinema, toda a arte), sem que dele ou dos deuses que o habitam constitua mero símio ou mero reflexo.
A não ser assim, corre o risco de – por obra da armadilha aludida atrás – se tornar carne para os monstros, quando não carne dos monstros. Tanto a arte como a vida – como a literatura – estão longe de ser mera encenação para acatitar monstros ou deuses. E muito menos são um sonho passivo ou enlouquecido – de simples mortos-vivos difundindo a epidemia dos que tentam aguardar nas trevas a figura impoluta do homem para eficazmente a devorarem, tal como se passa no mundo que os poderes discricionários buscam ainda hoje dominar inteiramente.
Post Scriptum – A hipótese central e imaginativa argumentada/posta por Lovecraft em “O caso de Charles Dexter Ward” é clara por diferença na sua constatação: não são mortos que voltam numa condição mutante/mutada mas sim não-seres que tentam apoderar-se de vida mediante práticas de permanência espúrias; não uma outra espécie a vir presente futura, mas simulacros, tentativas de um reflexo condenados por isso ao inevitável desaparecimento.
O livro, sublinhemos, chama-se por isso “The case of Charles Dexter Ward” (e não “Os mortos podem voltar”) ou seja: o caso de um vivo, de um indagador que, por armadilha de um simulacro, foi colhido no caminho para a sabedoria, para o conhecimento. Morreu porque tentava compreender ingenuamente (isto é, sem se precaver), porque não conseguiu escapar ao retrato em que se plasmava Joseph Curwen. A meu ver, por esta soma, o título dado nessa primeira edição portuguesa não é justo, porque o que tenta reflectir é uma acção postergadora dum direito evidente, existente, soberano e inscrito na espécie ela mesma: não voltar. Esse título acontece por mero detalhe editorial, eventualmente por pequeno sensacionalismo da época.
Adicionalmente, diga-se que a morte (a calcinação, quarto degrau alquímico, negrume do corvo místico) é referida duma maneira cabal e esclarecedora por, entre outros, Bernard Trevisan e Fulcanelli (engº Paul Decoeur).
No caso português, em textos avulsos de modernos alquimistas que têm difundido a sua obra através dos meios editoriais normais.
2 RELANCE SOBRE O FANTÁSTICO
a. Do fantástico como território geral
É o nosso um mundo onde as dúvidas mas, pior que isso, determinadas certezas encarnaram em inúmeros corpos, rostos, encenações de acontecimentos, vivências contaminadas por uma realidade que excluiu a possibilidade da alegria de existir ser não-dependente da razão social e, mais grave que isso, de acordo com a propaganda incessante dos mass-medias, tendencialmente ou inculcadamente supranumerária.
As civilizações, neste preciso momento, como se sabe sem ser pelos oráculos já não têm possibilidade de escapar quer pelo fingimento quer pela simulação propiciada pelos fideísmos a um facto evidente e palpável: são mortais e, comprovadamente, desfazem-se a cada minuto. É uma desconstrução/modificação acelerada a que só os ritmos individuais, curiosamente, colocam uma certa barreira como se fossem ilhas. E o chamado real social, cada vez mais constrangedor, é muito mais estranho e inquietante que o tradicionalmente sinistro continente dos monstros inventados pela imaginação dos escritores, dos pintores, dos cineastas que cultivaram o género.
Tzevetan Todorov, num livro escrito com o proverbial hábil articulado dos intelectuais franceses de qualidade e, mais que isso, parisienses a despeito da sua origem transnacional, concluiu – foi o que o tempo do século lhe permitiu – que o fantástico residia acima de tudo nessa hesitação sentida pelo leitor. Mas isso era e tinha de ser decorrente da escrita do autor, fundamentalmente o fantástico reside nessa escrita e nos meios existentes para que ela excursione por esse plano. Daí que hoje, a não ser por equívoco, por falta de motivo ou, mesmo, por falta de capacidade inventiva, os escritores já não cultivem o género fantástico, a não ser que lhe acrescentem, de forma bastante natural mas perturbante, um fortíssimo elemento de terror. O que, claro, é um sinal dos tempos, dos nossos tempos devastados, uma vez que o fantástico tem a ver com o medo e seus volteios e não com o terror e suas circunstancias. Os contos e as novelas fantásticas – e o mesmo se verifica no cinema e na pintura – foram contaminadas e mesmo substituídas pelos relatos sobre serial-killers e mass-murders psicopatas ou no pleno uso da sua crueldade.
Deu-se pois uma inversão na realidade societária, que é o reservatório no qual se baseia o campo de manejo dos autores antes de, após a difusão da escrita, estas ficarem mescladas, interligadas, interpenetradas. Como referiu apropriadamente Louix Vax, “A arte fantástica deve introduzir terrores imaginários no seio do mundo real”. (Eu colocaria aqui um pormenor: introduz sempre e é devido a esse facto, pois o fantástico é sempre proveniente do território da escrita, da arte em geral e é só aí que se exerce pese à simulação/convenção da existência do fantasma). Ora, pelo contrário, hoje por hoje é o real que introduz terrores bem reais no mundo do imaginário. Dado que nos faculta perceber, ao constatar esta evidencia, que é bem certa a frase que nos diz que a verdade, ou se quiserem a realidade, tal como a luz do dia é fatal aos monstros imaginados, sendo ad contrari o ventre do qual brotam os monstros reais da nossa existência perversamente socializada.
No fundo, por mor da agudização dos conflitos internos-externos, o fantástico aparece-nos agora como um país recordado onde a imaginação se refugiou, ela que é caçada pelas esquinas p’la protérvia dos donos da Terra que, curiosamente, já nem dissimulam os caninos mas antes os justificam com, até, certa galhardia…
Sendo encarnações simbólicas do Mal, os monstros fantásticos são hoje brincadeiras algo evasivas em comparação com os monstros sociais que determinados poderes forjam e erguem para que a sua estratégia resulte e acrescente o seu estatuto de gente sentada numa cadeira curul.
Drácula ou Frankenstein – a não ser que os vejamos como representação dos que ocupam a realidade circundante de topo – fazem bem triste figura, pobres diabos em que os tornaram, ao pé de gente bem real como um Ceausescu, um Kim il Jong, um Stalin, a corte nazi ou um ditador sul-americano ou, nos últimos tempos, um qualquer chefe fundamentalista das diversas gamas em equação. Ou um desses protagonistas centro-europeus ou médio-africanos que liminarmente despacham milhares a sangue-frio sem grande esforço de consciência.
O jogo, o jogo de imaginar personagens de pesadelo, tornou-se um jogo mortal. Mais grave – deixou de ser jogo e é agora uma espécie de lembrança nos mecanismos do quotidiano. A questão fulcral não está na leitura, como Todorov postulou, mas na escrita. O dono do fantástico é o narrador, tal como na vida social o são os que governam a massa de quem fingem depender pela representatividade democrática. Tal como num filme, encenado com aprumo, tudo é em última análise o corpo sensível do realizador, desde as personagens às peripécias, desde o décor ao elenco.
Os monstros do fantástico que se transmutou enquanto os anos passavam – e constatá-lo é quase um lugar-comum que o cinema por exemplo capturou com oportunidade e argúcia – andam agora pelas ruas sob a fatiota de comerciantes, de professores ou de modelos fotográficos, de farmacêuticos ou de cabeleireiros, de simples agentes da autoridade, médicos e bancários. (Todas estas profissões, aqui fica o detalhe, têm a ver com fitas ou livros conhecidos, como o leitor proverbialmente atento recordará).
E é assim que de forma um pouco requentada ou arteira, num mundo feito palco inquietante para personagens carnais assustadoras, um ersatz do fantástico é, imagine-se, utilizado para distrair da realidade hostil: ultimamente, a moda (que não é moda, mas golpe financeiro-societário bem artilhado e consciente) dos filmes de vampiros para adolescentes, transfigurando os monstros em pequenas vedetas que, pois é esse o seu enfoque, encantam os pobres ingénuos de maneira singular.
Assim, por um lado, se exorcizam fantasmas perigosos do quotidiano e se amenizam os focos traumáticos e, mesmo, as neuroses que inçam o dia a dia e que aqui e ali ameaçam explodir.
O fantástico na Arte é como que um sinal que assegura que a imaginação livre ainda não se esclerosou. Criando lugares negros e assombrados como em o “Manuscrito encontrado em Saragoça”, os contos “científicos modernos” de Pere Calders, as equações de Jorge Luís Borges ou as metáforas de Juan Rulfo ou Cortazar – isto no universo ficcional hispânico – as incursões poético-trágicas, permeadas de uma profunda nostalgia, de Bruno Schulz e Claude Seignolle ou, num outro plano de inquietação e rigor, de Maurice Sandoz, Jean Lorrain ou Jean Ray, o fantástico lança um repto à perversidade e ao cinismo do mundo da necessidade e faz-nos saber sem lugar para dúvidas que o único sítio onde devia ser lícito existir medo e monstros – o imaginário artístico – está sendo submergido pelo sangue bem real e triste dos desvigamentos sociais provocados pela inépcia dum mundo que vive entre os destroços do direito romano aprés la lettre, as seduções ora apaziguadoras ora perturbadoras da interactividade e as simulações dos fideísmos ocidentais com, bem dentro do horizonte, os fanatismos de tipo oriental de boa cepa medievalista.
Assim, o mundo do fantástico apela para a nossa compreensão, tanto dos fenómenos interiores como exteriores, para a nossa capacidade de insurreição ante as injustiças, as caquexias e as corrupções éticas oficiais ou privadas, para o humor negro ou colorido e para a liberdade de optar, que não é negociável. Não esqueçamos, antes o lembremos sem ceder a chantagens: as tentativas contemporâneas, levadas a efeito por associações profissionais de orientação geralmente “fideísta” ou de obediencia, que capciosamente tentam eximir criminosos e assassinos à punição com o pretexto de que a culpa é da sociedade, devem encontrar pela frente a nossa determinação demostrarmos que a culpa é, sim, dos seus constituintes mais da sociedade que os forjou e que aqueles geralmente controlam para efeitos do seu interesse ilegítimo e opressor.
E saibamos seguir esse apelo do fantástico, saibamos excursionar imaginativamente por essas noites negras onde as feras compósitas, sendo um dado essencial, desaparecem no entanto varridas pelo cantar do galo e pelo ar purificado das manhãs incorruptas.
b. Do Fantástico na Literatura – viagem concisa
Um universo que aceite firmemente o sobrenatural encontra-se perto do maravilhoso mas longe do fantástico. Pelo contrário, um universo profundamente realista é aquele onde a ambiguidade fantástica se pode manifestar. Um vulgar cidadão supersticioso, ante uma “aparição” diabólica, sente-se aterrorizado mas não surpreso. A surpresa pode senti-la um honesto cavalheiro racionalista armado de tremendas certezas, frente a um acontecimento insólito.
O fantástico, mais que a derrota do cartesianismo é a volatilização daquilo que o sustenta: uma sociedade que perdeu o senso – e mais que o senso o gosto ou o apego – das realidades (veja-se o mundo dos talk-shows, onde a realidade apresentada visa criar um tipo de realidade cobrindo/substituindo todo o real social exterior, complexo e contraditório).
O fantástico alerta-nos para o facto de que a qualquer momento podemos desaparecer da face da terra. Com efeito, quem conhece o momento da sua morte? Quais, adicionalmente, os mecanismos do Tempo? O tempo é nosso aliado pois vivemos dentro dele ou, pelo contrário, é uma espada sempre suspensa sobre o nosso pescoço? Passado, presente e futuro entrelaçam-se no relato fantástico e, pois, no fantástico que se convencionou existir na realidade. Mas o fantástico fundamentalmente tem a ver com o presente, esse instante infinito e evanescente que tão depressa surge logo se vai e nós com ele. O fantástico tal como o presente – que reside perpetuamente entre o passado e o futuro – equilibra-se entre o mundo real e o sobrenatural hesitando sempre. Pode dizer-se, com inteira adequação, que no sótão da Casa cresce uma excrescência carnosa que assim que tenta tocar-se imediatamente se desfaz, para voltar a reaparecer assim que nos afastamos. O fantástico contemporâneo é de ordem conceptual, como nos contos de Père Calders “A estrela e o desejo”, “Coisas da providência”, ou no de Borges “Tlon, Uqbar, Orbis Tertius”, onde para citarmos Vax os manejos do estranho se entrelaçam com os da inteligência.
O herói-vítima moderno verificou com inquietação que o seu saber, o seu conhecimento e a sua cultura já não lhe fornecem as necessárias armas miraculosas para enfrentar a maldição mas que são, pelo contrário, um motivo mais para tremer, um território mais de pavor e desesperança. (Assim como os estabelecimentos de ensino de alto coturno, na prática desta contemporaneidade, já não garantem um acréscimo de saber e de meios de vida, antes são lugares onde os utentes com terrível frequência são votados ao deus-dará uma vez que nas suas expectativas campeiam a desigualdade, a visão do desemprego e, até, o cínico apadrinhamento partidário).
Em suma, o fantástico corrente contemporâneo é filho do desespero, ao passo que o fantástico tradicional provinha do desconhecimento, da fissura entre o que é real e o que pode não o ser. Perpassa na sociedade a ideia difusa, muitas vezes inquieta e confusa, de que a dúvida entre real e inusitado possível (selo canónico do fantástico) só existe no plano em que os próceres do mando nos mentem, não nos fornecendo as verdadeiras razões que guiam o mundo e permitem, no plano da escrita, ver claro e fazer claro.
É isto que explica que nos últimos anos se tenham multiplicado como cogumelos as novelas, romances e até ensaios propiciando relatos que de forma impetuosa abordam as congeminações fraudulentas a que se teriam entregue agremiações como o Vaticano e grupos iniciáticos, autores célebres, estados e associações, antigos monarcas e argentários, etc.
Há pois um fantástico em acção, o relacionamento societário está coberto por uma pátina que provoca no vulgar cidadão a sensação de não saber às quantas anda como sói dizer-se.
Atentemos em que, como mais uma vez Vax assinalou, o fantástico é também a presença do homem na fera ou da fera no homem. A ferocidade do tigre é natural e não nos apavora. Mas pense-se num tigre com cabeça de homem ou num homem com cabeça de tigre. Como é que pode haver coisas assim? É dessa dúvida horrorizada que o fantástico brota. Mas neste momento, devido aos avanços da tecnologia e da ciência de ponta, antolha-se a possibilidade de isso poder de facto existir. Mais: há a possibilidade de pessoas com a nossa aparência serem nasciturnos modificados tendo dentro deles, monstruosamente desenvolvidos, todos os instintos de depravação e de perversidade que os seus presuntivos utilizadores programaram. (Não falando na utilização manipulatória e cínica dos mídias). E é desta ultrapassagem do cidadão pelo Estado suposto que nasce a angústia e o desespero que o fantástico moderno aponta mediante a escrita em que a dúvida passou para o campo que se interroga sobre a legalidade e o abuso em que parece terem-nos mergulhado.
E não se resolve este impasse metafísico metendo a cabeça ou a caneta – ou o aparelho interactivo – na areia…
A poesia é a transfiguração da realidade. O fantástico é o transtorno da realidade. E dessa catarse possibilitada pela escrita nasce uma poesia específica, diria antes: um halo de poesia que roça os campos da nostalgia e da tragédia e que, dess’arte, permite que se ultrapasse a amargura que emerge da fugacidade inerente à vida, ao tempus fugit fundacional.
A poesia, bem vistas as coisas, violenta as leis da escrita para nos levar mediante a desconstrução a que procede à beleza e ao saber. No fantástico é a violação das leis da lógica comummente aceites que nos transporta titubeando, repletos de confusão, pelos recantos dessa terra inquieta. A poesia projecta-nos num universo encantado, o fantástico mergulha-nos num mundo onde todas as nossas certezas se estilhaçaram. Do fantástico solta-se um hálito poético de feição assustadora e lúgubre, fascinante e entontecedora – e só consegue isso se os textos que o perseguem não procurarem dar à vida a poesia e sim o conflito entre o real normal e o sobrenatural mefítico que jaz dentro da mais estarrecedora realidade, subitamente posta em causa e aparentemente transformada em algo que não se sabe bem o que seja mas que não nos gratifica.
Deixemos durante alguns segundos o nosso olhar vaguear por pequenos exemplos, para iluminarmos em tom de recreio uma certa função de leitores encartados: pense-se, como na novela de Prosper Merimée “A Vénus de Ile”, numa estátua plasmada num parque ajardinado. As estátuas, tal como os manequins e os bonecos, são sempre vagamente assustadoras pois parecem-se em demasia com as figuras de carne e osso. Na figura petrificada da estátua há sempre uma sugestão de vida possível, de animação, ainda que a nossa razão e a nossa experiencia nos garantam que tal não pode verificar-se.
Na novela referida há a suspeita de que uma estátua saiu do seu estado petrífero para estrangular um noivo demasiado atrevido que com ela, para fazer espírito, contraíra um matrimónio burlesco. Há indícios que podem tomar-se por positivos, mas o caso pode ser o resultado da superstição ambiente ou levado à conta de imaginação excessiva, bem aproveitada por um assassino hábil e empreendedor.
O que não há dúvida é que Alphonse de Peirehorade morreu mesmo com o peito marcado por vergões arroxeados e o pescoço torcido. Obra da estátua escarnecida ou artimanha vivaz do rival espanhol a quem ele humilhara no decurso dum jogo da pela?
Num relato policial este plot seria apenas um motivo parcial de encenação e estaria ali apenas para carregar o enredo de um perfume de mistério, pois a breve trecho se inflectiria noutra direcção fazendo desabar as premissas de cunho metafísico, dado que naquele género tudo se desenrola verdadeiramente no chão sólido do quotidiano real. Na novela fantástica, pelo contrário, a sequência de acontecimentos horríficos ou angustiantes não terminam num apaziguamento da descoberta nem sequer a têm como alvo. Em geral, o final de um relato fantástico ou faz permanecer os motivos de angústia, num articulado engenhoso ou abre novas interrogações tenebrosas. A explicação, se assim se lhe pode chamar, levanta novas perplexidades de mau cariz.
Digamos que esta característica, esta feição de inacabamento, esgar de humor negro amoravelmente acintoso, tipifica o fantástico como um género aberto e, por isso mesmo, maior e laborado por autores de qualidade superior.
Daí que o relato fantástico recue ou desapareça nos períodos de conturbação ou exista debilmente nos países onde, por mor ou da miséria social ou do fanatismo fideísta, laico ou não-laico, a existência civil esteja sujeita às penas da desqualificação ética, moral ou de timbre baixamente social, como sucede entre nós, que nunca et pour cause tivemos literatura e arte fantástica – com ligeiras excepções de desenquadrados eventuais – que não fosse vestibularmente débil ou epigonal e imitativa.
INCURSÃO PELO IMAGINÁRIO
1.
Há um imaginário rural, assim como há um imaginário citadino.
Esta diferenciação, que poderia parecer estranha a observadores menos precavidos, articula-se de forma própria.
Com efeito, até há bem pouco tempo – e, em certos lugares, a situação dada é ainda manifesta – o meio rural estava bastante separado do acesso aos mass-media mais qualificados, que são os que com maior relevo difundem, controlam, sustentam e forjam um certo imaginário padronizado.
É pacífico que o imaginário citadino é extremamente condicionado pela televisão, a rádio, os jornais e os espaços interactivos a que os meios rurais tinham e têm ainda um acesso relativamente precário ou flutuante.
Posto isto, debrucemo-nos agora sobre o imaginário rural.
Com uma carga muitíssimo específica e bem caracterizada, ele está profundamente ligado ao ritmo das Estações, ao perfume do solo, às reuniões de famílias, de vizinhos, de maiores ou menores fragmentos da comunidade para o qual frequentemente os ritmos citadinos existem mais como figurações alheias, como verdadeiras paisagens exteriores. Pode dizer-se, assim, que o imaginário tradicional se radica e está entranhado, na sua pureza, principalmente nas regiões campestres. E são os núcleos que se mudaram para as povoações maiores que, em geral, o levam consigo e o vão preservando como se uma vivaz nostalgia os acompanhasse.
2.
No seu livro “A arte e a literatura fantásticas”, texto canónico a muitos títulos, diz-nos acertadamente Louis Vax a dada altura: “O arrepio que as narrativas fantásticas, a literatura de imaginação científica, os quadros surrealistas provocam no leitor moderno, já o povo o conhecia graças às lendas que se transmitiam de geração em geração. As histórias de almas do outro mundo, de lobisomens, de vampiros e de maus olhados, causaram outrora a angústia e as delícias dos aldeões reunidos à volta do lume”.
Pelo que me diz parte, posso confirmá-lo.
Na minha infância vivi algum tempo no campo, campo esse por onde continuo a jornadear e que, sob certos aspectos substanciais, muito pouco se modificou (não devemos esquecer-nos que a região a que aludo, a da Serra de São Mamede, é um dos lugares mais isolados do País, sendo de igual modo um dos mais atraentes para quem goste da ruralidade). E recordo com grande prazer, forte emoção e bastante saudade aquelas vezes em que, depois do jantar e antes da deita (que naqueles rincões alentejanos das Covas de Belém e do Chancrão costumava suceder cedo) um grupo de vizinhos chegavam para o serão.
Para além das conversas sobre os respectivos animais das quintas, o sucesso do que se semeava e colhia (as novidades, como se lhes chamava) a certa altura era proverbial alguém puxar a parlenga noutra direcção: e eram contadas histórias, provindas da imaginação tradicional ou do quotidiano elaborado com certos requintes de invenção ou garantidamente reais. Estorietas de “medos” e de aventuras perturbantes, vivências transfiguradas e espantações onde não deixava de assomar o espectro da malina que punha tremores e suspensões na alma de pequenos e grandes…
Aprendi na altura canções ligadas às Estações e aos seus eventos próprios e típicos. Se
trovejava, sabia-se bem como esconjurar o mau-jeito: “Santa Bárbara bendita/ que no céu está escrita/ com papel e água benta/ livrai-nos desta tormenta./ Levai-a lá p’ra bem longe/ levai-a lá p’rá moirama/ onde não haja pão nem vinho/ nem flor de rosmaninho/ nem se oiça cantar o galo/ nem repenicar o sino”.
Como se verifica pelo simples enunciado, a tradição pagã, ou mesmo mágica, cruza-se com o assimilado da missionação cristã: a flor do rosmaninho e o galo são a caução arcaica do sino, do vinho e do pão.
O próprio facto de o recitante se dirigir a Santa Bárbara – há outra versão, com ligeiras variantes, dirigida a São Jerónimo – indica uma forte implicação que tem a ver com a feição mágica. Com efeito, a santa aparece nela mais como interlocutora directa do que como intercessora.
Esta pequena incursão à guisa de parêntesis permite-nos exemplificar, na verdade prática, o seguinte considerando: o rico imaginário rural, que sempre teve mais a ver com a poetização que com a sacralização, foi durante os séculos sempre fortemente pressionado pela presença obcecada da propaganda eclesial, com o seu cortejo de interdições, de recomendações imperativas, de histórias de proveito e moralidade geralmente mais retiradas ou vindas do preconceito do residente e da sua forma específica de encarar a mensagem de Roma, que da religião (religare) como factor de interligação entre os mundos de baixo e de cima, do espírito e da carne salutarmente postos em cena por uma harmonia cósmica. Não é, assim, de estranhar que em paralelo com a figuração fideísta muito se contasse com as capacidades das mulheres ou homens de virtude que, no plano da “possibilidade de manobra”, da “capacidade operativa” além do quotidiano simples, estavam naquele espaço ao nível do médico ou do sacerdote qualificados.
É fácil verificar, pela análise das histórias tradicionais do Ocidente e que na contemporaneidade encontraram a sua mais ampla divulgação, que existe nelas, subjacente ou mais expressa, uma forte carga sentimental-sexual inerente ao ser humano, por vezes transparecendo sob o hábito ou o véu duma escamoteação cristã (como os templos sob as ermidas…).
3.
O maravilhoso é a face feérica do fantástico. O fantástico, por seu turno, gere as dúvidas dum real subitamente colocado frente a factos que ultrapassam o entendimento linear. A sua pátria é o medo que de repente cobra existência saltando para os interstícios que vão do concebível ao possível. Como estranhar pois que o imaginário rural fervilhe de animais embruxados, seres vagueantes por pinheirais e por colinas onde, nos tempos idos, com frequência se ia colher a mandrágora, o heléboro e a camomila?
Profundamente ligados à terra, é daí que os rurais retiram as suas melhores horas, ultrapassadas que foram pela modernidade e a contemporaneidade as dominações espúrias da opressão anciã. As quais se espelham em contarelos, recitações e cantares. O cancioneiro português popular tradicional – que nada tem a ver com o pacóvio ou pedante cançonetismo da massificação, pimba ou nem tanto – é extremamente valioso e, mesmo ao nível do que as canções ligeiras lhe foram buscar, muito rico e sugestivo. Há todo um sector que utiliza da melhor forma os temas rurais e campesinos: cantares sobre a macela, o cuco, os namoros junto à madressilva que ornava os logradouros, a ida às fontes vicinais, as desfolhadas e as ceifas, as manhãs de neve dos dias invernosos ou as longas tardes de calor no pino do Verão – tendo em alguns casos transbordado para a canção mais culta ou mesmo superiormente elaborada (trago ao de leve Schubert à colação, com o que no seu país ao tema diz parte).
Os próprios factos e sucessos do imaginário citadino, científico ou apenas de relação quotidiana (a ida à Lua e a existência de casos que tais, mas também a realidade de comboios, de carros, de arranha-céus, os aprestos das casas e até os electrodomésticos) são transfigurados até com ironia, ficando então a pertencer ao imaginário rural enroupados embora com outro tipo de indumentária…
Se me observarem que esse cancioneiro rural é muito mais rico em Espanha, França, Inglaterra, Europa Central ou do Sul, etc. – concordarei de imediato. Isso deve-se a dois factores principais: a maior qualificação cultural daqueles lugares e a sua esquiva, mais eficaz que neste pequeno país, ao caciquismo vivificado pela beatice e o atraso existencial.
4.
Exemplifiquemos com uma pequena recitação que claramente aponta já para uma miscigenação de imaginários (o que pode aliás ser um firme progresso e um sinal de permanência salubre) e que me foi dada a conhecer numa região norte de Espanha: “Menina de olhos risonhos/ aqui lhe deixo uma papoila/ para prender no casaquinho/Se andar de carroça não a perca/ se andar de carro segure-a bem/ que o meu amor não a falseia/ E todos os anos renasce/ como a água dos ribeiros/de manhã ou ao sol-pôr”.
Atente-se que em certas regiões da Europa Central as moçoilas são instadas a que não tragam flores vermelhas nos vestidos, pois isso podia acarretar-lhes as miradas voluptuosas e devoradoras de vampiros e assombrações semelhantes. Também é conhecido o facto de, nas noites de lua cheia, se dever fazer boas provisões de flores do alho – que são brancas com afloramentos amarelos – para manter afastados os fantasmas.
A literatura recolheu muitas destas tradições, glosando-as mediante contos e novelas universalmente conhecidas. A poética, por seu turno, uma vez que lida intensamente com as funduras inconscientes do ser humano, realiza em múltiplas direcções o mistério e os enigmas do mundo, tanto nas cidades como nos meios rurais. Aí, dá-se com frequência uma interpenetração dos signos, utilizando o artista símbolos comuns ao rural e ao citadino.
Deixemos agora, por alguns momentos, o nosso espírito vaguear um pouco pelos bosques e pelas ruas. Pelos campos abertos ou pelos bairros de apartamentos e vivendas.
Aqui, encontramos os animais das quintas ou dos terrenos livres entregues à sua existência peculiar entre as árvores e os arbustos ou nos cercados dos casais, tendo contudo sempre, de longe ou de perto, a presença imanente do bicho-homem.
Ali, vemos gente que de dia ou de noite, a pé ou em transportes próprios ou comuns, segue o seu destino entre casas ou, até, entre parques normalizados, rodeados pelo estridor dos automóveis e das outras presenças humanas.
O imaginário é o que resulta de tudo isso e de tudo o que advém ou provém dos ritmos que esses universos conformam, materiais ou espirituais. O rural encontra a estranheza e a aventura nas luzes da cidade, para falarmos simbolicamente, enquanto o homem citadino se descomprime e recreia excursionando pelo lugar quotidiano do outro. (Não é por acaso que nos últimos tempos os operadores, sempre atentos, têm incrementado o turismo rural bem como o turismo de aventura, ainda que este tenha especificidades e decorrências que não iremos agora abordar). Se formos um pouco mais fundo, para além do óbvio, verificaremos que havendo pontos de contacto existem igualmente, e bem marcados, pontos de ruptura que podem inclusivamente transformar-se em pontos de transgressão de determinados limites lúdicos. Constitui, a nosso ver, um índice de má-consciência da parte de certos operadores públicos não se admitir que existem efectivas diferenças sensíveis entre os mundos do campo e da cidade que os obrigam a terem um lebensraum (na acepção de Friedrich Ratzel e não dos que depois viriam) que lhes determinam enfoque singularíssimo e que deve encarar-se seriamente.
Giovanni Papini referiu mesmo, num dos seus textos teóricos/ensaísticos, que “A cidade é uma represália à natureza selvagem”, entendendo-se como tal a tentativa de separação que subjaz ao acto de concentrar em vastos aglomerados milhares senão milhões de seres, quantas vezes absurdamente desconhecedores do que sejam os reais ritmos do dia e da noite – para alguns citadinos mera passagem de luz a sombra e de sombra a luz – com todos os seus prestígios seculares. “E foi então, enquanto descia a colina com a bicicleta rodando serenamente debaixo do céu de Agosto, que me apercebi de quanto tinha esquecido as estrelas que o enchiam desde os meus tempos de rapazinho”, para citarmos um fragmento de um livro do escritor americano Ron McLarty.
5.
Não estamos, é evidente, a propor uma opção que privilegie o campo em detrimento da cidade, mas a acentuar a necessidade de se ter a noção clara de que é nos campos que, como o Anteu da mitologia, podemos colher o que de mais salubre e plásmico vive em nós, no nosso relacionamento com os tempos e a natureza das coisas vivas. E, dado que nos mantemos apenas e só no plano da escrita, vejamos como um Almanaque – que durante anos e anos foi a principal fonte de leituras do meio rural e ainda tem uma larga difusão – se refere aos meses. Em relação a Janeiro, que é o mês em que se semeia o agrião mastruço, a alface de cortar e os rabanetes de Inverno, reza assim: “Indo para Norte passam os bicos cruzados e os estorninhos. Floresce a maonia e o heléboro negro. Em Stº António os dias crescem a passo de monge. Dia de S.Mauro gelado, metade do Inverno está passado”. E em relação a Agosto, mês correspondendo na esfera astrológica ao tempo dos mistérios dos assírios e caldeus, quando no céu cintila a Vega inspiradora de magos e arquitectos, diz-nos assim: “Passam voando em direcção ao Sul a galinhola, a cegonha, o maçarico real, a poupa, o cartaxo, a narceja e a becoínha. Floresce o sol radioso. As avelãs estão boas. Quando chove em Agosto chove mel e mosto. Agosto amadurece os frutos, Setembro colhe-os”.
Desnecessário é, creio, acentuar toda a beleza destas linhas simples e tão claras, verdadeiros poemas involuntários contendo toda a carga inerente à simbiose homem-terra da tradição, que vive em nós ainda que inconscientemente.
A imaginação, seja no campo ou na cidade, refuta exemplarmente a rotina e o hábito que podem limitar a existência em plenitude. A poesia – que, não o percamos de vista – começou por ser um acto de incursão e de reflexão sobre o sagrado e a natureza naturante (desde o “Cântico de Gilgamesh” às “Geórgicas”, desde o códice maia do “Popul Vuh” quíchua ao “Os trabalhos e os dias” – na verdade transtorna os tempos ao acrescentar-se ao imaginário, pois mescla fórmulas de existência tanto no campo como na cidade. Os imaginários são uma resultante do espírito do lugar ou, como queria Marc de Boislevy, “O nosso ser interior depende não só da herança física dos nossos ancestros mas também do ar das moradias que eles habitaram, dos rios que transpuseram e dos caminhos por onde viajaram quer o quisessem ou não”.
É a poesia das coisas que nos rodeiam, somada à que se põe em letra de forma, dispersa nos quotidianos, que constitui a ponte entre os dois mundos, fazendo a juntura tão cara, por exemplo, aos filósofos per ignem.
A este propósito, convirá dizer – e ressaltar com a justa vivacidade – que muito do que nos é apresentado e proposto como poesia popular e poesia popular rural não é mais que produto delido e incaracterístico provocado por décadas de aculturação, de submissão induzida ardilosamente a estuários poluídos que nada têm a ver com a forte, poderosa, cintilante poesia das gentes não manipuladas. É frequente ver-se, em poetas pretensamente populares – muito acatitados por certos autarcas maganões e de olho-vivo… – inflexões espúrias provindas e incentivadas ou pelos moralismos de recurso (fideístas e outros de igual coturno) que nada nos dizem sobre a agilidade, a graça, o perfume da grande tradição cravada nas pautas campesinas e aldeãs. Nelas, frequentemente, se vê espalhada não a religação mas a beatice, não o lirismo mas o casca-grossismo pindérico de arrivistas de mau tom. Digamos, que não diremos mal, que é uma versejação visitada pelo piscar-de-olho reducionista de citadinos que episodicamente trocaram a calça de ganga pela de surrobeca dos caminhos secundários – até que de novo, enjoados da experiência, reentram na autoestrada.
6.
Os provérbios populares, com tantas ligações ao solo campestre, também nos dizem muito sobre o como dos imaginários, sendo de notar que certos ditados com clara origem camponesa passaram posteriormente, com alguma velocidade, para o outro imaginário: “Ao homem farto até as cerejas amargam”, “Semeia-me na lama mas faz-me boa cama – diz o trigo”. E a viagem também pode ser inversa: “Em sua casa governa o carvoeiro como galo em seu poleiro”, “Redes no mar, moinhos de vento, benesses de padres, pomares de pessegueiros, bens de rendeiros – chegam a segundos mas não chegam a terceiros”.
Repare-se que a denominada “sabedoria das nações” é simultaneamente constatação e proposta, pelo que o seu percurso tem a ver tanto com as conclusões a que os séculos chegaram como com aquelas a que alguns pretendiam fazê-los chegar imperativamente…
Temos pois que há um fundo comum aos dois imaginários que, a dada altura, se separa. No espaço intestercial entre um e outro é que actua (quando não nasce mesmo) o imaginal, assim encarado por Gilbert Durand. Este é, portanto, uma sequência mais profunda, aritmética para além dos limites, completamente estruturante e vivificadora. As vivências são diferentes bem como diferentes são os enfoques, logo os resultantes que deles partem. E se é verdade que em boa medida vivemos numa aldeia global, no fundo ainda persistem no Homem os ruídos nocturnos dos grandes espaços sob a Lua silenciosa. A assumpção da cidade não pode nem deve ser a recusa da Natureza sob o pretexto de que é nas cidades que reside a mais alta civilização. A proceder-se assim haverá cortes bruscos no imaginário, separado de si-mesmo por via dum recalcamento societário que tenta recusar a multiplicação dos signos legítimos a que só os grandes ritmos da Terra têm acesso. É desta autêntica supressão imaginal que provêm as disfunções, como sejam por exemplo os selvagens ritos de passagem que consistem ora no massacre sobre golfinhos, havida ciclicamente nas Ilhas Faroe da civilizada Dinamarca, ora de jericos da orla desértica efectuada por povos islâmicos barbarizados.
Embora na hora actual as gentes do campo sejam, como maioritariamente as das cidades, atingidas pela protérvia primarizante dos mídias, a proximidade da terra e do ritmo bem marcado das Estações permitem-lhes raciocinar o mundo duma forma mais plástica, mais povoada de elementos reconhecíveis como estrelas e sóis.
O que se lamenta, portanto, é que a cidade – tão gratificante a vários títulos – encarada como concentração abstrusa de seres e não como um agregado de humanizados, de pessoas unidas para um fim comum de maior capacidade intelectiva, criativa e imaginativa, integre e propague tão mal um imaginário crivado de sedimentos, fracturas, frustrações e, nos casos limites, criminosas infelicidades. Há um imaginário citadino de forte poder criativo (mas atente-se no que se passa em certas áreas de Madrid, de Paris, Sevilha ou Bruxelas, para citarmos apenas estas que conhecemos e que muito estimamos; não falando noutras como S. Paulo, Calcutá ou Teerão – nestas duas últimas, para tal concorrem coordenadas provindas do fanatismo extremo e de reclusão existencial e governativa).
Claro que em tudo isto têm parte fundamental os desvigamentos sociais oriundos da modernidade mal articulada por uma economia egoísta e cínica ou pelo império das religiões (mal) reveladas
Como exemplo mínimo, na área do desporto-espectáculo (haverá algum elemento mais citadino do que o futebol?) cada vez mais se acumulam – depois de despertados por um ambiente de inércia propositada do eticamente desqualificado sistema judicial – os tiques violentos expressos, que têm a ver com um ambiente cuidadosamente construído por operadores de tendência ideológica intrinsecamente totalitária, os quais repescam dados dum passado sinistro (como os grupos de ginástica e desporto do regime pré-nazista) para os aplicarem de maneira actual e contundente (as célebres pandilhas de hooligans ou das claques clubistas adeptas da brutalidade codificada).
7.
Grosso modo, mas de forma adequada, poderíamos definir os imaginários como activos e reactivos. O imaginário rural é mais activo que reactivo, pois tem a ver principalmente com a maior proximidade da natureza da qual tudo parte basicamente. O imaginário citadino será reactivo na medida em que é, em grande parte, produzido pela opinião pública e as relações intrincadamente sociais.
É isto que produz frequentemente a ideia, aliás errónea, de que as gentes do campo seriam incultas, uma vez que o imaginário corrente ou dominante, nos locais expressos das instituições, é genericamente de origem citadina. (Estamos a lembrar-nos de uma comédia australiana, muito famosa há uns anos, protagonizada por um bushman branco que, transplantado por uns tempos para a cidade, choca a sua sabedoria “primeva” mas eficaz com a sofisticada parolice dos metropolitanos).
O imaginário rural depende de outros factores, o que não o torna mais nem menos valioso que o outro, a nível comparativo, sendo a inversa igualmente verdadeira. É curioso e muito instrutivo, salientemo-lo, verificar que os pintores impressionistas, vincadamente citadinos e com os quais nasce a modernidade nas artes plásticas e, mesmo, a tradição da pintura como tal, como Jean-Dominique Rey assinalaria, conseguiram mesclar cidade e campo ao procurarem uma mais adequada solução para o problema posto pela evolução da pintura: lembremo-nos de Renoir com as suas telas fixando os bailes citadinos populares e, paralelamente, aquelas em que nos dava trechos de caminhos boscosos subindo entre ervas altas ou as florestas e parques vicinais nos limites de Paris. Ou de Van Gogh e os seus cafés e ruas de Arles ou Sain-Rémy, as herdades jucundas de Crau, as ceifas em Auvers-sur-Oise. Ou de Cézanne com a sua montanha de Sainte Victoire a par do casario de Aix-en-Provence.
Um dado importante e significativo, que aqui deixamos ao leitor: as histórias fantásticas são em geral situadas no campo ou nos solares da periferia. Por seu turno, são raras as histórias policiais ou de terror ambientadas no campo. Evidentemente que há algumas excepções, que canonicamente confirmam a regra. Contudo, podemos afirmar sem exagero que os monstros sociais (serial-killers, endemoninhados e criminosos) pertencem ao imaginário e ao universo das cidades, ao passo que os monstros fantásticos pertencem ao campo ou têm nele a sua origem (Drácula, Frankenstein, Werewolf, os Vrucalacks).
Serve dizer: o mundo rural excursiona primeiro pelo feérico e só depois pelo fantástico e o inquietante; o citadino pelo inquietante, o fantástico e finalmente pelo feérico (Walt Disney, citadino perfeito com os seus encantadores animais antropomorfizados, até tem um enorme e significativo parque temático na cidade mais cidade conceptual que há – Paris).
8.
Para finalizar convirá assinalar, ou recordar, que ultimamente se tem perfilado na grei uma certa movimentação de “regresso à natureza”. Evidentemente que é a nostalgia que fala e não procurarei agora saber se tal é bom ou mau ou se corresponde a sentimentos verdadeiros ou a simples moda. A tendência, corroborada por propostas de especialistas, é para os agregados humanos se tornarem mais fluidos, mais soltos e agilizados. Há muitos pensadores e publicistas, desde os tempos de Georges Simmel até ao mais chegado George Pérec, que contemplaram o facto de que se caminha para uma recuperação da existência campestre, através da análise exaustiva da vida na cidade.
O que arrasta a construção de outras inflexões na estruturação do imaginário.
No fundo, dentro dos de maior qualidade, ou exigência se se quiser, agita-se uma clara possibilidade de interpenetração dos dois imaginários, o que corresponde a uma interpenetração das duas vivências, cada um facultando novas possibilidades, fornecendo novas virtualidades que devem encarar-se com perspicácia. Dizia Fernando Batalha, nos tempos em que apoiou o célebre humorista Coluche que até efectivou uma sensacional candidatura à presidência da República francesa, que “vivo no campo como se vivesse na cidade e vivo na cidade como se estivesse no campo”.
Em todo o caso, ambos podem fornecer uma certa herança que seria estulto desperdiçar. Na forma de articular esses dados é que o caso fia mais fino, mas há ainda um vasto campo de afirmação que, esperamo-lo e desejamo-lo firmemente, não tornará invisível o que de melhor e mais salubre os dois imaginários possuem.
Diferentes, com pontos de contacto que não anulam essa mesma sensível diferença, é preciso que se deixem vivificar pelo livre sinal da mão daqueles em quem a imaginação é uma chama que continua a tremular, ainda que com altos e baixos, no escuro da noite – no meio duma floresta ou entre casas que poderão até ser de renda económica…
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revista triplov