Poesia, amor e metafísica em Vítor-Luís Grilo

PAULO BRITO E ABREU


«Procurar o infinito é descobrir o impossível, saber que não se existe
é conseguir a existência.» João José Grade Duarte Belo


Em crítica acribia, nós em escorreito, no recto, e correcto linguajar, dêmos a voz, e a vez, a Vítor-Luís Grilo. E na escolástica do escol, e na escola da Poesia, tragamos à colação o Heidegger, agora: é que «O pensador diz o Ser, o Poeta nomeia o sagrado» – e afinal já falamos, com propriedade e comunhão de consciências, da «Noite dos Tempos», de Vítor-Luís Grilo, ela é qual a «Noite Escura», de S. João da Cruz. Quero eu dizer: seguindo, segundo Freud, e Vítor-Luís Grilo, a Noite é o sonho, o sonho é via régia para a explanação, e exploração, da parte Inconsciente. O Inconsciente que é, para Lacan, o discurso do Outro, o Outro que habita na Poesia de Vítor. Separação, temporária, entre a Alma e o corpo, o sonho é Psicodrama, ele é regresso, no drama, ao pensamento selvagem. Que a «Noite dos Tempos», é força dizê-lo, é fruto, aqui, das duas paixões: o êxtase e o espanto. O espanto, veramente, que leva os homens a filosofar, o êxtase que é, no sonho, uma «alêtheia», ou melhor, uma alucinação, involuntária, dos sentidos. Depois desse altar, ou alumbramento, o Poeta desfila, «pelas ruas da vila, levando a Boa Nova», anunciando, por isso, a Boa Nova, a toda a criatura. É que o imo, o íntimo ou lima, para o Poeta, é «algo transformável que haveria de se chamar viver»; são a formação e a transformação, são as Ciências da Vida de Wilhelm Dilthey. Ciências da Vida, segundo o germano, são outro nome, numinoso, para as Ciências Sociais e Humanas; nelas ocupa, a Poesia, relevante lugar.

E n’ «A Dinâmica da Luta», ouçamos, dessarte, o rapsodo: «Às vezes a poesia, outras a vida, / são lugares antigos que habito. / Por vezes ninguém me convida / fico triste, é noite, grito, / para ver se alguém me escuta. / O resto são sinais, é a dinâmica da luta.» Neste magnífico soneto, o Poeta molda, moldura, e modela as palavras – e tudo, aqui, é rapsódia, e tudo o que lhe resta são palavras, palavras. Ou melhor: como único espírito, e única espada, suas lavras, noitadas, são deveras as nitentes – e são as letras, aqui, como as estrelas, e são as letras, de Vítor, luminares em lavaredas. Liberando e laborando, lavorando em lavaredas – e eis o carme e o charme, e eis a mira, e o móbil, de Vítor-Luís Grilo. Um pouco mais longe e aventaríamos a hipótese: se quem canta seu mal espanta, toda esta Literatura, torriense Literatura, é qual a forma de Catarse, é limpeza e ablução, letradura como a forma de evacuação. Literatura como a Psicologia, ou fala da Alma, e Poesia, dessarte, psicanalítica; o Poeta escruta, esquadrinha, e analisa a sua Psique. Que o afirmar é tornar firme, o exprimir, aqui, é como o espremer, e Vítor-Luís Grilo só prova, Profeta, através da provação. Da privação e provação. E ora ouçamos, portanto, o poema que dá o título ao volume: «Na noite dos tempos / a minha tristeza é barco / que não navega. / É flor que não canta. / É escultura e espanta.» Sublinhemos: «E espanta». E trazendo à colação o mavioso André Malraux, a «Noite dos Tempos» não é fácil nem fútil, ela é, na Arquitectura, o arteiro anti-destino. Queremos dizer: não se apresenta, neste livro, Vítor-Luís Grilo, como o dono, possessivo, do Ser, ele é Pastor, e pegureiro, das palavras arteiras. E se outro predicado não tivera o Autor, ele já seria Numinoso, mas há outro, além disso: assertando, dessarte, e dissertando na sorte, Vítor-Luís Grilo é escolástico e escada, ele conduz, veramente, as crianças à escola. A isso chamavam, os Antigos, uma analecta e selecta, ou melhor, o presentar-se um pedagogo. Todo o discente, de feito, apela à docência, e se o Poeta, por isso, é a porta, o seu múnus conforta, a tal nos transporta a Literatura de Vítor. Não falávamos, nós atrás, do acalanto, do alento e do alumbramento??? Prendamos, então, a Poesia de Vítor, de encontro ao peito nosso. Pra bem compreendermos, na preensão, o colaço e o Poeta, um asserto e um reparo: na cosmovisão do Pinharanda Gomes, Literatura para o sagrado, Literatura para o segredo; contra o mando e contra o mundo, grande parte desta Poesia, ela foi escrita no deserto. À prova do deserto, a «um jardim sem flores», foi levado, Agricultor, o nosso Poeta, mas ele volve o solo estéril em viridente vale. Tal como em Miguel Torga, a Poesia de Vítor, de Vítor, de Vítor-Luís Grilo, elas são, afinal, as pedras lavradas. E quanto, agora, ao Psicodrama??? E quanto, afinal, ao «rêve éveillé»??? Se bem falámos, mais acima, do «songe» e do sonho, um comento mercuriano: morre todas as noutes, o Vítor-Luís Grilo, pra voltar a nascer no dia seguinte, ou melhor: de noite, as visões, e de dia o relato das alucinações – e é assim, esquadrinhando, é assim que ele encara o ofício da escrita. Ou melhor: a tarefa de Vítor é «Meu trabalho de bordar / com fio de ouro, / com vinagre e safiras / as palavras, / até que venha uma ave branca / pousar sobre elas»: não será, essa «ave branca», a Vedra e a Pedra Filosofal??? Quer o Poeta conciliar, ou ligar, o varão com a matriz, o dia com a Noute, e o Enxofre com o Mercúrio – e tal se faz, «Homo Viator», na viagem da «Via», da «Veritas» e «Vita»; quer ele dizer: é Poesia uma vianda, é Poesia uma oração por a Paz universal: e não remembras, no carme, Ulisses Duarte??? Não alembras João Belo??? Tu não relembras, Via Láctea ou vianês, António Manuel Couto Viana?????? Em qualquer destes Poetas, ex-siste, como em Vítor, o Amor e Metafísica, uma Ontologia, afinal, dos poéticos valores – e falamos do Verdadeiro, da Bondade e da Beleza – e da Palavra afecta ao culto das virtudes teologais. Poesia afecta à Graça, ao Filaleteu, e ao culto do Deus Pai. E mesmo que não seja um soldado da «polis», mesmo que não seja, Vítor-Luís Grilo, o servente e o servil, ele se move, manifesto, no polido, na «politeia» ou polidez. Pois diz, siderado, o Poeta: «Falei-te de quem escreveu / muitas páginas sobre o deserto.» E ainda, lucilando, elucidando: «Todas as palavras me fazem acreditar» – e é o generoso, é o ingénuo pensamento, é a filosófica Fé de que fala o Karl Jaspers. Ou seja: há palavras a mentar, e há palavras a mentir, ou melhor, a fabular. O Professor de Literatura, ele é solerte e é sagaz contador de mentiras, de mentiras que movendo, e comovendo o espectador, se transmudam, geniais, em verídicas verdades – e ó que se passa, viridente, é o que se passa na Poesia de Vítor-Luís Grilo, que ele é Grão-Mestre e gratifício, é qual um grito gravado no coração da cidade. No coração da concórdia, e por isso, meus Amigos, no acorde-acordeão. E se a Língua é pois a liga, colabora, desta sorte, o Amigo Vítor, na criança-criação, colabora, portanto, a verdade com a mentira no projecto criacionista – e se a escola é qual recreio, já estamos, por isso, vendo o Vítor – no conspecto e no aspeito da Cultura Portuguesa. Sempre a brunir, a lustrar, e a civilizar. Sabedor, sempre e sempre, de que é preciso, e é premente, reaportuguesar, por isso, a Pátria Portuguesa – e a Língua liberal, e a Língua na qual fez sonetos o Camões.

E se o livro é a lavra e a lavra é pois o livre, se o digesto é o germe e a Palavra é pois o Pão, nos educa, pedagogo, o Amigo Vítor – pra que nós manduquemos o génio das palavras. E o corpo de Vítor é selecta e pois oblata, se chama o seu corpo a «Noite dos Tempos». Quero eu dizer: em dilecto linguajar, assimilar, o seu tropo, é símil tornar – e a Noite, como vimos, é nitente, e a Lua é pois o espelho da especulação. Quero eu dizer, no conceito: do especial, do espectáculo e por isso do conspeito. E se o Vítor, por vezes, é des ( a )tinado, ou distraído, é que ele vive, na pletora, em templação, contemplação, da Ideia platónica – e se ele se esquece, muitas vezes, da minudência ou pormenor, é que ele vive, graciano, é que ele vive esquadrinhando o Arquétipo e Arcano. Longe de serem, como em Freud, reminiscências arcaicas, são, os Arcanos, os padrões e modelos, são Arquétipos e mitos – e nos Arquétipos se finca a escritura de Vítor. Arquétipo, já o vimos, é sinónimo, aqui, de Ideia platónica, ele é, pra Lévi-Bruhl e Émile Durkheim, uma representação colectiva – e se o Eu é um Outro, se situa, portanto, a Poesia de Vítor  no ponto de encontro do individual – com o colectivo e social. Representar, aqui, é tornar patente ou presente, é significar, pôr em cena ou simbolizar – e é o que se passa, nitente, com a «Noite dos Tempos». Ou na vez e na voz de Vítor-Luís Grilo, são «Palavras onde se ouve o silêncio / quando escrevo seu voo infinito. / Palavras que são como um rio / levando tudo em que medito.» Que se avente, portanto, e se averbe no carme: é que o Vítor-Luís Grilo é deveras trovador. Se ele canta, se ele exclama e se ele grita, é que ele estorva, ele turba e perturba – e ele louva, ou exalça, os tópicos e tropos. O discurso, em Vítor, não é normativo, é conúbio e cor da conotação. Ele encontra, e arquitecta, a palavra certa para a nota correcta. E por isso o seu estro dá origem ao estrogénio, e por isso o seu hino é rompimento do hímen. Pois se o crítico literário é deveras Psiquiatra, o carácter se desvenda através dos caracteres. Não a cara, pois, em Vítor, mas as máscaras fortes e metáforas muitas. Que a simular, dissimular e disfarçar, a imagem pois imita, e o Vítor, personado, e o Vítor só finge porque elabora as ficções. De acordo, sobremaneira, com Jacob Levy Moreno, o homem é, dessarte, um autor, um actor de Deus no palco do Universo – e já falamos do Poeta, e já falamos, alcandorado, do Autor e promotor da «Noite dos Tempos».

Estamos quase, ó legente, a findar. No poema intitulado «Corpo Antigo», assevera, veramente, o Vítor-Luís Grilo: «As palavras chegam devagar / e eu escrevo. Tomam a forma / de um barco, de uma concha / ou de uma folha de trevo. / Desse corpo antigo, espesso, / Nasce uma prosa abundante, / quase feliz.» Feliz é o ledor que topa, no ardor, com a «Noite dos Tempos». Aventamos, portanto, a estética hipótese: é Metafísica, entanto, este livro polido – mas ele abarca, e ele abraça, o homem de carne e cartilagens, o homem de músculos, de ossos e de nervos. E se a Poesia é do Universo, quero eu dizer, se ela é Ciência do Homem, nos seja lícita, ou explícita, a sagrada e a seguinte proposição: quando o caso de Vítor-Luís Grilo for um caso pessoal, ele não interessa a ninguém!!! O caso e a causa de um grande Poeta é concernente, e atinente, a todo o mundo, a toda a gente e a todo o lente. Ou melhor: a todo o litoral da literariedade. Sua mente, por isso, é liberada, sua mente é laborada, e a semente está lançada. O Vítor não é, como um dia nos disseram, um vencido da vida, ele é, em vez disso, o Vencedor da Morte. Ele é hermético, hermeneuta, ele é mercuriano. O que nós fizemos, por isso, no excurso, não foi explicar, nem explanar, a Poesia de Vítor, tal foi, na preensão, o prendê-la, aprendê-la e compreendê-la. Explica-se, por isso, a locomotiva ou computador, e prendem-se, ou aprendem-se, as Ciências do Espírito. Quanto ao Vítor, ele luz, em firme Firmamento, como um Poeta, luminar, do século XXI, como um Poeta forte e firme da Portugalidade. Que se move e comove, Vítor-Luís Grilo, no Pão e paládio do Espírito Paracleto. Graças, por isso, ao divino. Graças ao Pai. Graças à Paz. E Graças a Deus.

Que Luz, 15/ 10/ 2017
COOPERATORES VERITATIS
SOCIEDADE DE ESTUDOS DE FILOSOFIA E LITERATURA COMPARADAS

PAULO JORGE BRITO E ABREU


© Revista Triplov  .  Série Gótica .  Inverno 2017