
EDITORIAL
Por Maria Estela Guedes
Dois motivos para insistir na necessidade de valorizarmos a diversidade: um, pequeno, o de ter descoberto para este volume um texto antigo de Marco Lucchesi sobre o assunto, em que foca em especial a necessidade de se preservar a liberdade religiosa, relacionando-a naturalmente com os valores da democracia. Outro motivo, grande, o de os políticos de extrema-direita afirmarem abertamente que pretendem eliminá-la, e já nesse sentido se manifestam, praticando e sendo cúmplices, sem qualquer pudor nem sentimento de piedade, de escandalosos atropelos aos direitos humanos, que alcançaram já o genocídio. O dinheiro, como valor máximo que reconhecíamos nas sociedades capitalistas do último século, é, hoje, o trono da oratória mais arrogante e pelintra, intelectualmente falando, dos bilionários que o são por roubarem as classes que asseguram o bom funcionamento das cidades.
Marco Lucchesi pertence à categoria de intelectuais atuantes no tecido social e político, o que não se leva avante sem perigo. Tal como nos anos da ditadura, nos dois países, abre-se uma trincheira entre os que se refugiam na sua torre de cristal, como se a arte fosse excelsa, se abrigasse num céu absorto em problemas divinos – se Deus tem esses ou outros problemas – , desligados dos insignificantes incidentes terrenos, e aqueles que lutam, com o seu armamento de cores, sons ou palavras, mesclados no mundo quotidiano, com o qual experienciam grande sofrimento.
O mundo não pertence a um punhado de ricos que os governos engraxam, sim a sete ou mais biliões de seres humanos bem diferenciados ao redor do Planeta, que asseguram a existência de todos, merecem digna a vida, e que, devendo-o, os governos não asseguram.
Hoje, mais do que antes, em que se abre um abismo de terrores debaixo dos nossos pés, Marco Lucchesi dá o exemplo de que nós, artistas, intelectuais, temos de deitar mão à nossa oficina para contrariarmos a tendência apocalíptica, até mesmo suicida, em que a Humanidade mergulhou. Não podemos instalar-nos com binóculos em torres de marfim para ver os desmandos das guerras, as matanças hediondas, as fomes, as doenças grassarem, ou até mesmo esse grande canhão da demência sentar-se em tronos usurpados a hitleres do passado para neles se remirarem ao espelho. A tragédia é tal que exibe a máscara da comédia.
É com muita alegria e com muita honra que recebemos na Revista Triplov um intelectual, também artista, que toca a maior diversidade de instrumentos, e que defende essa diversidade como fundamento de salvaçáo, Marco Lucchesi. É do alto que vem o exemplo, não do baixo, dois planos existentes, mas que indevidamente aplicámos ao ser humano. Existe o Mal, existe o Bem, não existem grupos humanos superiores nem grupos humanos inferiores. Esta classificação, cuja finalidade serviu e volta agora a servir de desculpa para escravizar, colonizar, explorar, empobrecer, eliminar grupos sociais, não pode ser mantida de pé. Ela vem do pensamento, o pensamento lhe ponha termo, e isso a nós compete, intelectuais e artistas.
Que diversidade? Toda ela. Desde a biodiversidade que nos faz conviver com ervas e panteras, passando pela liberdade religiosa de que fala Marco Lucchesi, até outra diversidade humana, seja étnica, cultural, de género, artística.
Excetuemos a diversidade de poderes, porque essa é para combater e não para preservar, como escreve Ettore Finazzi-Agrò neste tomo da Revista Triplov, mencionando Roland Barthes. Também ele preocupado com o que deve ser ou não o intelectual, nos dias de hoje.
Muito obrigada a Marco Lucchesi por estar connosco.
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NOTA. Marco Lucchesi está publicado em Portugal, nas Edições Esgotadas.
Revista Triplov
Índice do volume Marco Lucchesi
Abril de 2025