Positivismo

 

TRIBUTO AO PROF. GALOPIM DE CARVALHO


Comecemos por dizer, em poucas palavras, que o Positivismo de Auguste Comte (1789-1857), o grande filósofo francês, da primeira metade do século XIX, é uma doutrina filosófica, sociológica e política que tem por base a realidade do mundo físico e a experimentação, acrescida de uma componente ética, social e política. Advoga que o conhecimento científico é a única forma de atingir a verdade e rejeita liminarmente o sobrenatural e todo o tipo de crenças religiosas, crendices, mitos, lendas. ou quaisquer outras ideias que não possam ser comprovadas cientificamente.

Há outros Positivismos, mas que nada têm a ver com o original. Utilizaram este nome, mas referem outras correntes de pensamento. É, nomeadamente, Positivismo Jurídico, do filósofo e político austríaco Hans Kelsen (1881-1973), e o Positivismo Lógico do “Wiener Kreis” (Círculo de Viena), que mal conheço e deixarei ao cuidado de quem deles se queira ocupar.

O Positivismo de Auguste Comte é uma doutrina mais avançada do que o Materialismo. Com efeito, esta outra atitude do pensamento limita-se a advogar que todas as coisas são feitas de matéria e que todos os fenómenos são o resultado de interações materiais. O termo foi criado em começos do século XVIII, pelo filósofo e matemático alemão Gottfried Leibniz (1646-1716), mas a origem da ideia é bem mais antiga. Temos de ir buscá-la aos filósofos gregos pré-socráticos, do século V a.C., Leucipo de Mileto e Demócrito de Abdera. Está mais próximo do Empirismo ou Experimentalismo do franciscano Roger Bacon (1214-1294), o filósofo e alquimista inglês, do século XIII, lembrado como o “Doctor Mirabilis”.

Auguste Comte deixou nome como matemático, mas foi como filósofo que ganhou desenvolvimento e seguidores na Europa, na segunda metade do século XIX e começo do XX. Profundo conhecedor das crises social e moral de finais da Idade Média e perante o desabrochar da sociedade industrial, este filósofo partiu do Iluminismo e dos ideais da Revolução francesa e desenvolveu-os numa vertente essencialmente sociológica, em que associou conhecimento científico e ética, com radical afastamento de preocupações teológicas e metafísicas.

É consensual que a evolução do pensamento, seja ele científico ou filosófico é como uma escada. De um degrau se sobe a outro e é assim até onde se queira. Partamos, então, do degrau do Iluminismo que, como sabemos, tem abaixo dele muitos outros. Entre os mais próximos lembremos, no século XVII, o Racionalista, do francês René Descartes (1596-1650), o Criticismo Bíblico, do holandês, nascido de uma família de judeus portugueses, Bento Espinoza (1632-1677), o atrás referido Materialismo de Gottfried Leibniz e da abertura ao método científico moderno, protagonizado por Galileu Galilei (1564-1642), em Itália, e por Isac Newton (1643-1724), em Inglaterra.

Diga-se que o Iluminismo começou por ser um movimento, a um tempo, filosófico, social, político, económico, científico e cultural de uma elite intelectual europeia do século XVIII, o chamado Século das Luzes. Um movimento que, como tem sido entendido, saiu dos salões para a rua e que “explodiu” com a Revolução Francesa, aceite como um dos acontecimentos mais importantes da História da humanidade.

Auguste Comte e, um pouco mais tarde, o filósofo inglês de Stuart Mill (1806-1873) só aceitavam uma teoria como verdadeira se ela fosse comprovada através de métodos científicos válidos, onde a experiência estivesse sempre presente. Deve, no entanto, dizer-se que esta afirmação podia ser atribuída, séculos atrás, a Roger Bacon, o alquimista inglês já referido. Trata-se, com efeito, de uma afirmação que pressupõe o primado do Empirismo baconiano transportado para os actuais laboratórios científicos.

O positivista observa a realidade material, ou seja, o mundo físico e, com base na experiência sensível e nos dados concretos obtidos, produz conhecimento científico. É, afinal, o que se passa hoje com a investigação científica. A subjectividade não tem aqui qualquer lugar. Como se disse atrás, as crenças religiosas, crendices, mitos e lendas ou quaisquer outras ideias que não possam ser comprovadas cientificamente, são radicalmente excluídas do pensamento positivista. Este defende que que o progresso da sociedade humana depende exclusivamente dos avanços científicos que for conseguindo, o que se comprova verificando que os países mais desenvolvidos são aqueles que mais apoiaram e apoiam a investigação científica.

Diga-se, ainda, que o Positivismo surgiu como recusa absoluta ao Idealismo Transcendental do filósofo alemão do século XVIII, Immanuel Kant (1724-1804). Afastou-se do Romantismo, surgido na mesma época, cuja visão do mundo era contrária ao Racionalismo e ao Iluminismo.. Substituiu o culto a Deus pelo culto à Ciência, o mundo espiritual pelo mundo humano, o espírito pela matéria.

Há, todavia, uma componente mística no Positivismo de Comte. Para ele, as religiões, em geral, eram apenas formas provisórias da única e verdadeira, a que deu o nome de “Religião da Humanidade”, ligada a um novo conceito, o do “Ser Supremo”, entendido como sendo a Humanidade no seu todo, que alguns referem por “Grão Ser” dos positivistas. Comte aceitava-a e defendia-a como sendo a religião positiva e caracterizava-a, não pelo sobrenatural implícito na ideia clássica de Deus, mas sim pela busca da unidade moral entre os homens.

Dominado por um fundamento ético apreciável, este é, talvez, o aspecto mais interessante e positivo do positivismo. Esta “religião” tem como primeiro objectivo a regeneração social e moral da humanidade, servindo-se da verdade científica para o estabelecimento da referida unidade. Assim como a Religião Cristã está fundamentada nas sagradas escrituras, a “Religião da Humanidade” tem por base a ciência e envolve o conjunto dos seres humanos de todas as gerações, passadas, presentes e futuras, que contribuíram, contribuem e contribuirão para o desenvolvimento e aperfeiçoamento humano.

Devemos a Comte a palavra “altruísmo”. Numa só palavra, altruísmo resume o ideal da religião positivista, uma religião do “amor”, da “ordem” e do “progresso” e que tem por preceitos viver às claras, na transparência e para os outros.

 


Revista Triplov

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Portugal . Outubro . 2022