Novas Breves & Longas no País das Maravilhas

 

TRIBUTO A ANNABELA RITA


NovasBreves & Longas no País das Maravilhas
Por Miguel Real


[Prefácio a Annabela Rita, Novas Breves & Longas no País das Maravilhas, Lisboa, CLEPUL/THEYA, 2018, pp. 9-11.


Um novo livro de Annabela Rita não é novidade: a sua contribuição como professora e ensaísta para o estudo da literatura portuguesa contemporânea tem sido imensa e a originalidade e singularidade das suas propostas na análise dos grandes temas, correntes e autores igualmente imensas. A novidade residirá ser este o seu primeiro livro pessoal em formato digital, formato que se adequa em perfeição ao caleidoscópio de reflexões que Annabela Rita coleccionou para Novas Breves & Longas no País das Maravilhas.

A Novas Breves & Longas no País das Maravilhas pode aplicar-se a famosa sentença de Terêncio de que nada do que é humano é estranho a um autor. Efeito de uma curiosidade infinita e de uma notável erudição, a Autora discorre sobre temas da actualidade estranhos à Universidade, como os fogos que assolaram Portugal no Verão de 2017, mas também sobre questões intrínsecas à Academia, como o regime de bolsas para o ensino superior. Em cada reflexão, Annabela Rita não se limita a ponderar o juízo abalizado dos autores que cita, e sempre os melhores e mais excelentes autores, como se se tratasse de um relatório neutro, mas sustenta igualmente juízos próprios, que integram no seu plural, fundamentado e diversificadíssimo horizonte cultural.

Assim, percorrendo um itinerário em várias etapas, cada uma fortemente imbricada com as restantes, no seu habitual estilo poliédrico, o leitor é advertido para a (melhor, é iniciado na) problemática – actualíssima! – das diversas teorias sobre os cânones literários, internacional nacional e lusófono. Do mesmo modo, Annabela Rita chama-nos a atenção para o debate público sobre as contingências internas da Universidade e dos Centros de Investigação, bem como do papel da língua portuguesa ao nível da sua utilização pelo falante comum e como instrumento de trabalho da investigação científica.

Debate-se igualmente neste livro a questão da entropia das instituições e das organizações promotoras da investigação científica, juntando a esta questão o esclarecedor debate sobre as bolsas de acesso e da frequência do ensino superior.

Muito relevante o texto sobre a eminentíssima questão do livro e das livrarias e de como ambos são absolutamente necessários para a reconstituição de um vector humanístico e cívico na mente do cidadão.

Num outro longo artigo, tematiza-se as questões da história do Tempo medido pelo calendário e a do Espaço medido pela cartografia. A que se junta, com notável conhecimento, os temas da Utopia e da Ucronia.

Segue-se um conjunto de recensões de obras publicadas, de Camilo Castelo Branco à actual dupla Mendo de Castro Henriques/Nazaré Barros passando por Fernando Cristóvão, veterano das Letras e Humanidades.

No interessantíssimo o texto (longo e esclarecedor, talvez polémico) sobre o tríptico “A Nau Catrineta“ de Almada Negreiros, presente na gare de Alcântara, “primeira imagem de quem chega e a última para quem parte” de Portugal no tempo das viagens por navio, Annabela Rita desconstrói os símbolos presentes nas imagens, inscritas na memória das gentes e opera o balanço cultural relativo aos sinais posteriores e actuais de Decadência: o da dívida pública gritante e o do Portugal em chamas efeito do eterno descuido português. Finalmente, aborda, sob o ponto de vista cultural, a profunda alteração de costumes no Portugal actual, mudança que gerou a transformação das instituições.

Conclusão histórico-cultural: “… a Nau perdeu-se no mar”, e, com ela, perdeu-se a “glória” do País que simbolizava.

Belíssimo retrato, por vezes cruel, no mínimo agridoce, de um País perdido no Mar, o mesmo que outrora lhe marcou indelevelmente a sua história e lhe conferiu um valioso prestígio político internacional.

Miguel Real,

Quinta de Santo Expedito,

Colares / Sintra,

31 de Dezembro de 2017.


Revista Triplov . Série Viridae
Julho de 2022
Tributo a Annabela Rita