ALEJANDRA PIZARNIK (1936-1972 , ARGENTINA)
TRADUÇÃO DE FLORIANO MARTINS
ANÉIS DE CINZA
A Cristina Campo
São minhas vozes cantando
para que não cantem eles,
os tristemente amordaçados na aurora,
os vestidos de pássaro desolado na chuva.
Há, na espera,
um rumor de lilás rompendo-se.
E há, quando vem o dia,
uma partição do sol em pequenos sóis negros.
E quando é de noite, sempre,
uma tribo de palavras mutiladas
busca asilo em minha garganta,
para que não cantem eles,
os funestos, os donos do silêncio.
LAMENTOS
I.
A linguagem silenciosa engendra fogo. O silêncio se propaga, o silêncio é fogo.
Era preciso dizer acerca da água o simplesmente apenas nomeá-la, de modo a atrair a palavra água para que apague as chamas de silêncio.
Porque não cantou, sua sombra canta. Onde uma vez seus olhos enfeitiçaram minha infância, o silêncio incandescente gira como um sol.
No coração da palavra o alcançaram; e eu não posso narrar o espaço ausente e azul criado por seus olhos.
II.
Com uma esponja úmida de chuva triste apagaram o ramo de lilás desenhado em seu cérebro.
O signo de seu estar é a enlutada escritura das mensagens que envia a si mesma. Ela se prova em sua nova linguagem e indaga o peso do morto na balança de seu coração.
III.
E o signo de seu estar cria o coração da noite.
Aprisionada: alguma vez esquecerão as culpas, aparentarão os vivos e os mortos.
Aprisionada: não soubeste prever que seu final iria ser a gruta para onde iam os maus nas histórias infantis.
Aprisionada: deixa que se cante como se pode e se quer. Até que na merecida noite seja peneirada a brusca desocultada. Por excesso de sofrimento excesso de noite e de silêncio.
IV.
As metáforas de asfixia se despojam do sudário, o poema. O terror é nomeado com o modelo diante, para que não equivoque.
V.
E eu sozinha com minhas vozes, e tu tanto estás do outro lado que te confundo comigo.
FRAGMENTOS PARA DOMINAR O SILÊNCIO
I.
As forças da linguagem são as damas solitárias, desoladas, que cantam através de minha voz que escuto à distância. E longe, na negra areia, jaz uma criança densa de música ancestral. Onde a verdadeira morte? Quis iluminar-me à luz de minha falta de luz. Os ramos morrem na memória. A jacente aninha em mim com sua máscara de loba. A que não pode mais e implorou chamas e ardemos.
II.
Quando voa o telhado da casa da linguagem e as palavras não a protegem, eu falo.
As damas de vermelho se extraviaram dentro de suas máscaras embora regressem para soluçar entre flores.
Não é muda a morte. Escuto o canto dos enlutados selar as rachaduras do silêncio. Escuto teu dulcíssimo pranto florescer meu silêncio triste.
III.
A morte restituiu ao silêncio seu prestígio enfeitiçante. E eu não direi meu poema e eu hei de dizê-lo. Mesmo que o poema (aqui, agora) não tenha sentido, não tenha destino.
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