JOÃO PEREIRA DE MATOS
João Pereira de Matos (Portugal, Lisboa, 1973). É investigador no CHAM – Centro de Humanidades, na Universidade Nova de Lisboa.
Como escritor publicou, entre outros, os livros A Machina Circunspecular, Fumar Mata (ilustração), Requiem par’Imortais, Ônfalo, Ciência Vaga, Cancioneiro d’Érebo, Scherzi, Visões do Vazio em um Livro Autógrafo, Ossa et Cineres, Exercícios d’Escrita e A Morte Encantada, todos pela Editora Apenas Livros. Colaborou em vários números das revistas Seara Nova, Big Ode, Callema, Minguante, Piolho, Nova Águia, Côdeas e na Revista Cultura.
Ao entardecer, em voo imponderável e livre, os ultra-humanos retornam aos seus palácios nos céus. O ar é o seu domínio: quiseram deixar este solo sobrepovoado, árido e sujo para nunca voltar, nem sequer olhar cá para baixo, eximidos deste doloroso espectáculo ora pelo biombo das nuvens ora por um desinteresse tão completo que é uma farpa na sensibilidade de quem, permanentemente, os tenta descortinar praticando os seus exercícios elegantes, mais belos que pássaros, contra o fundo dourado do Sol.
E quem, aqui na terra, descobre que tem o dom de voar — circunstância raríssima — logo ascende às alturas, esquecendo seus pais, amigos e irmãos.
Que seria de nós, infra-humanos, cingidos ao solo e ao sofrimento sem esses vislumbres prateados, na primeira alba, e tais arabescos, no fim da jornada?
Não retireis o módico de beleza e exemplo de felicidade a quem tanto trabalha para exorcizar o tenaz espectro da fome com um mísero pedaço de pão.
Ωrevista triplov . série gótica . inverno 2018