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PEDRO PROENÇA
Orquideias atópicas
  1. Regressamos ao amor como a uma demora - inclinadas numa excitação que se julga caindo num buraco de absoluto.
  2. O êxtase refugia-se na dança - desenganem-se aqueles que sondam a plenitude animal na inexperiência do infante.
  3. É na fúria que nos disciplinamos e é na exercitação que os mais retirados anseios ascendem como de um poço. Passamos de palco a palco e de cenário a cenário como se algum argumento nos quisesse caçar.
  4. Erecto como raiz maligna - os machos são fálicos no clamor das cruas gargalhadas e nessas risadas se exacerbam. As mulheres respondem-lhes através da silenciosa gravidez, com o perfume de que tudo, embora dito e redito, está por dizer.
  5. Ariadne diviniza-se através do sexo total com Dionísios - os heróis que a abandonaram foram pretextos para a experiência dos limites do descontentamento - desse acto nasce a vulnerabilidade da carne, a fragilidade incandescente. Em Naxos os fios de Ariadne revelam a sagrada aranha cretense.
  6. As cidades redimem os heróis do esquecimento infligindo-lhes enigmas e certificando oráculos - a fatalidade dos incestos é uma inocência sonora. As mães só tardiamente se apercebem quanto foram prematuras. Nunca Jocasta foi casta.
  7. Morcego - amor cego. Como todos os sibilantes amores.
  8. Negras as línguas que se liquidificam em epistolas - um dia saberás escrevinhar oratórias amorosas com línguas pálidas.
  9. Os amados fingem-se infantes para mostrar mais terna a acessibilidade mutua - há nesse acto uma monstruosidade incompleta, uma hibridez que atrai a presença desmedida dos deuses - ménage a quantos?
  10. As multidões são monstruosidades do alheio - por isso a singularidade é mais complexa tal e qual metáforas chamuscantes - os exageros da linguagem tecem poderosos nós entre nós e a ambiguidade tentacular e torcida do real.
  11. Desenrolas a tua dor como um velho papiro que se entranha no esquecido. E eu devoro todo esse veneno qual sábia cascavel - outrora cobras e serpentes foram cegos adivinhos.
  12. A música é uma inconsolável prudência - comanda mas não encarna. É um exemplar afago auricular. Excita ou acalma. Encanta ou irrita E os homens entregam-se-lhe com docilidade animal esperando uma repentina clemência.
  13. Indignos para estátuas, mas adequados para o sublime.
  14. Indagas a explicitação ainda não arquitectada.
  15. Clamam do alto brilhantes criaturas - buscam na especularidade da nossa grotesca sentimentalidade a glória equivoca das profundezas, a humilhação que nos torna mais inaugurais que os antigos deuses.
  16. As histórias decantam suspiros transpirados pelos séculos - que pulmões acolhem esse ar?
  17. A solidão é o húmus da comunidade - recolhem-se lacerados os profetas a uma alegria húmida como o orvalho.
  18. Condenei-me a uma cândida astúcia porque temi naufragar na modéstia e na altivez - este é o exílio que incendeia a compaixão.
  19. Nem com tuas astuciosas memórias sejas conivente - eriça-te numa sensibilidade fresca, filha das mais recentes mutações.
  20. Circe é o recôndito, a plenitude de uma cama como não as há nos lares - acedes ao desejo como se os problemas aguardassem como uma matilha de famintos cães - embora na lonjura. O que deveras procuras são passos amigos, a suave tagarelice das cidades - nisso o delicado amor é inconsolável e pouco soberano.