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PEDRO PROENÇA
Orquideias atópicas
  1. Os enxertos poéticos enxergam-se porque foram podados com as mais importantes árvores do Paraíso.
  2. A multiplicidade é o fruto humilhante de um desígnio mais intenso e demente que as prisões da unidade.
  3. O vácuo não pode parir senão vacuidade - o granito e suas giestas são deveras mestiços antes das raças e da acumulação das consciências. O híbrido no vazio se entrelaça tal como o gato com seu pelo nas minhas meias de Lycra.
  4. A leveza faz-se caminho quando o olhar alcança distâncias nítidas.
  5. Incorporou-se nos gestos musicais a magia. As melodias acharam-se predadoras e desregularam os poderes e o insólito.
  6. Os deuses tentam segurar-se nas línguas mortas e nos papiros como se a eternidade necessitasse de tais frágeis inconveniências ou de travessas portas.
  7. Buscava tactilmente os mapas para enfrentar a cegueira com que partimos para lugares distantes.
  8. Na orquídea não há evidências claviculares nem defensivos espinhos (mesmo que os houvera) - só exuberante polén que atrai faunas ambiciosas.
  9. O tigre não ama desdenhosamente como o gato , nem em submisso lume qual canídeo - pavoneia-se no raiado do seu poder com um sorriso discreto que incendeia a alegria da floresta.
  10. Para a fecunda noite que sustém os ofegantes astros os dias são a mera circunstância da proximidade de uma só estrela.
  11. Teimas de orquídea geram geometrias substancialmente férteis.
  12. As feras farejam fábulas amorosas mesmo quando votadas a suburbanas jaulas.
  13. O ciúme segura a paixão como porta da morte - para o amado a despossessão que esta oferece confunde-se com o afogamento na absorvente imagem da amada.
  14. É Durga que se desfaz do Minotauro oferecendo-nos o labirinto qual alameda ajardinada. Teseu procura o sexo suplementar, o não-desflorado, substituindo em parte o semitaurino - mas de enigmáticas arquitecturas distanciado.
  15. Indagamos com adagas as submissas partes das urbes. Deixamos que os sorrisos se tornassem íngremes quando as nuvens se aproximavam de nossos hirsutos rostos.
  16. Resplandecemos quando regurgitamos repastos fúnebres.
  17. A dado momento apercebemo-nos que temos gasto a complacência com contínuos desvios aos nossos planos mais arcaicos e que arrumamos a doçura em desfiladeiros e sucursais.
  18. Fechas-te para te instruíres numa ciência desavinda. Recusas o silêncio assim como as formosuras do mobilado - e desvelas o críptico com o ainda mais precário.
  19. A glória é o subúrbio insone de aflições muitas, seja ela divina ou cordialmente mortal. Alguns dos seus objectos vegetam mascarados de prestígio.
  20. A posteridade é tragável e entra deveras em corpos que pressupomos amados. O mais desbragado amor é filho de algo inextricávelmente académico.