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Supõe-se que há um bestiário de que fazemos sub-reptícia parte - assim, feras ignotas sejamos! E as páginas que nos enrolam têm caligrafias em cujas capitulares o monstruoso desponta com gozo. Na escrita se dissimulam os deuses. Dispostos a devorar-nos.
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Jamais te busquei, embora sejas semelhante a um axioma que na minha carne acampasse. És o pasto de uma polida emoção. Os desacertos enriquecem a harmonia com outros musicáveis temperamentos.
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Prefiro a quieta brutalidade dos barrocos à polida e movente harmonia das esferas.
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O riso deslumbra mas não só - convida a fidelidades adiadas. Faz-nos esquecer que o amor é uma guerrilha e que as revoluções são feitas de coagulantes habilidades. A gentileza dos risos torna honestos os colos, como no maneirismo. Assim os objectos de amor parecem mais enxutos.
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A curva do cisne entra nos aprumados apuros da toillete.
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Não são as transparências que tornam mais justos e saborosos os caldos da prosa, mas as criaturas desossadas e os exactos condimentos. Se nos tirassem os coentros cairíamos em puritanos ardis. Há quem queira amputar-nos o gosto e abolir a honestidade amorosa do poejo?
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Alguém invocava a tuba como timbre épico. Eu contentava-me com o apito disciplinado da panela de pressão. A casa está possessa de um cheiro a cozido. É a sedução nasal misturando a retórica culinária popular com uma espécie de gentileza escolástica.
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Há nos pianos das avós a presença sem reserva de mastodontes, como se a pré-história perpassasse nos dedos e a música nos tentasse engolir qual enunciado de Deus em Job! - os pianos tornam acidamente acessível esse titanismo e convidam ao anódino estrépito. Porém, o que tínhamos em vista era algo como a voz, com suas rugosidades e outras imperfeições.
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O que é clássico reconhece-se pelo labor e a elisão. O que não rima com as nossas conveniências. Habituamo-nos desde cedo a progredir pelo inexacto - nos arrufos, nas tropicalíssimas inclemências de um clima forte. Como pode o amor e suas trepidações tornar-se clássico senão como distante nostalgia? É que ainda não aprendemos a contenção e muito menos a exaustão!
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As metamorfoses entre o Logos e a Carne explicitam o não haver decantados afectos nem virgindades verdadeiramente puras.
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Os mapas incitam ao calor da Terra e aos animais raiados. Os rostos pedem a altivez das harpas. E as pátrias? Adagas e má retórica.
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Descartei-me da intimidade porque a julguei uma confecção linguareira. Despojada, fiquei numa inclinação natural como num esconderijo. Intimíssima intimidade! - os restantes perigos passaram a ser jogos adjacentes.
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Cada osso tem uma morfologia com justificações bíblicas. Os amantes não são instruídos nessa lógica articular - esta vem mais tarde, quando os manuais arrefecem nas estantes e os corpos buscam os exageros da plenitude onde pouco é o que se ajusta às evidências.
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Heloisas e Marianas, dizem os entendidos, são másculas encenações de uma ilimitada devoção ao masculino - ainda mais incontinente e profundamente fendida é a erótica feminina. E seu é o amor sabiamente desatinado.
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«A rouquidão das vozes irrompe quando a narrativa apodrece» - desculpas de orquídea exausta. Ninguém nos obriga a cantar com a pele os descontos da espécie. A glória é bem mais vaca do que vã.
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Adule-se a facilidade com que o Verbo jorra como velocidades reptilíneas e sibilinas, mas nunca como pudica encenação de aplausos reprimidos.
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Agora que a música, exímia, se exilou dos sabres, a mortalidade encarnou o papel de insurrecta, acantonando-se nas entrelinhas, nas reticências amorosas, na exaustão das leituras absorventes.
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Pede-se rigor como desculpa para a inabilidade na intensidade. A embriagues, porém, dispersa-se como o polén e entra em oráculos, sempre ambígua, provocando alergias às estátuas dos deuses.
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Quando a orquídea devora o polvo a comoção dos espectadores transforma a sua carne em divina risada.
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Recusas as figuras como se cada imagem incitasse à adoração sem tréguas - mas é a violência da adoração que exige imagens soberbas - para sacrificá-las ainda acesas!