:::::::::::::::::::RUY VENTURA:::::

POESIA ORAL COM AUTOR:
UM TERRITÓRIO ULTRAPERIFÉRICO

SILVA VAREJOTA:
Eu na terra fui nascido

Eu na terra fui nascido,

E eu na terra fui criado,

A terra me há-de comer

Depois de ser sepultado.

 

A terra é a minha mãe,

Não no posso duvidar

E para esta me criar

Tudo da terra me vem.

Eu à terra quero bem,

A terra bem me tem querido,

Eu na terra tenho vivido

E na terra é que hei-de ter fim,

Sei que a terra que é assim

Eu na terra fui nascido.

 

Eu na terra é que semeio

De todo o meu alimento,

Da terra tiro o sustento

E na terra é que passeio;

Da própria terra me veio

Água para ser baptizado,

A mesma água me tem dado

Tudo quanto é preciso,

Tenho pena se a terra piso

E na terra fui criado.

 

Deus à terra me mandou

Com o uso da razão,

A terra me deu o pão

E o pão é que me criou.

Ao dispor da terra estou,

Visto na terra viver;

A terra me há-de valer

Enquanto nela for vivendo

E depois, quando morrendo,

A terra me há-de comer.

 

O corpo da criatura

É só terra e nada mais,

Os nossos restos mortais

Estão sujeitos à sepultura.

Isto é a verdade pura,

Tudo na terra é criado,

Depois torna ao mesmo estado

Visto na terra viver,

E a terra me há-de comer

Depois de ser sepultado.

SILVA VAREJOTA, n. Querença (conc. Loulé) (Guerreiro, 1992: 229 - 230)