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José Augusto Mourão (UNL-DCC)
EM TORNO DE UM TEXTO TEÓRICO DE
A. RAMOS ROSA

A organização do texto

Le métadiscours se constitue comme une prolifération
autour d'un vide - S. Alexandrescu

 

O texto faz menção de dois actantes, "ele" e "nós". Estes dois actantes são a representação linguística da relação semiótica entre o "eu" e o "tu". Pela sua designação linguística, figuram esta relação fundamental na mais total indeterminação. Efectivamente, o "nós" designa um "eu" inclusivo. Não é um plural, porque o plural autoriza a enumeração, enquanto que o "nós" remete para um número indefinido de pessoas: é um plural ilimitado. Por outro lado, o "ele", segundo Benveniste, é a pessoa ausente.

Este discurso na primeira pessoa - o "nós" (eu + tu) sendo o substituto do "eu" - apresenta-se, na sua forma sintáctica, como um discurso objectivo pelo facto da sua despersonalização actancial e da sua predicação mantida dentro de um presente atemporal. O estatuto deste discurso é o do metadiscursivo, na medida em que se trat do modo de existência de um discurso possível sobre o texto literário. Mas é também um discurso que se refere a outros discursos que o sustentam - uns de modo explícito, outros de modo implícito. Trata-se então de um discurso referencial. O discurso objectivo manifesta-se segundo dois níveis:

a. o nível descritivo, feito de uma sequência de enuciados de estado, representa os resultados do Fazer cognitivo;

b. o nível modal que sobredetermina o primeiro, é o lugar de manifestação das modalidades aléticas que regem os predicados de existência dos enunciados descritivos. É esta modalidade, a possibilidade que se "opõe" ao Fazer do sujeito cognitivo.

O discurso de Ramos Rosa é simultaneamente um discurso objectivo e referencial - à semelhança da exploração do discurso-ocorrência de Schoffer. Há um sujeito que, presente no texto sob a forma de "nós", exerce o seu fazer cognitivo apelando para uma série de adjuvantes que são os fragmentos seleccionados de dois discursos referenciais. É um discurso que instala um sujeito colectivo, um "nós", em relação com um objecto apresentado metaforicamente desde o início do texto: Bloco , pressupondo a existência de uma demanda, logo de uma programação de operações cognitivas/pragmáticas manifestadas pelos lexemas "criar", "ler", "significar-se".

Uma lógica das forças e uma lógica dos lugares poderá dar conta da constituição deste metadiscurso. Uma lógica que dè conta da lógica sintagmática e que introduza a noção de programa. Uma lógica dos lugares que dè conta do que paradigmaticamente organiza o conjunto do texto. "Tarefa", "tentemos", assinalam a aparição do oponente, anti-sujeito, presente no texto através de processos semi-figurativos: o verbo "opor-se" personifica as "dificuldades", e o adjectivo "fácil", convoca uma figura antropomórfica. O dispositivo modal corresponde ao esquema da aquisição da competência pelo sujeito da operação cognitiva: "Tentemos agora a nossa leitura literal". A performance realizada pelo sujeito (escritor) é contada por um "nós" - manifestação simcrética do narrador e do sujeito cognitivo - que produz um discurso objectivo, no presente. Os fragmentos do discurso objectivo são integrados num metadiscurso como o seu significado inicial, como apoio persuasivo para a argumentação do enunciador metadiscursivo. Por outro lado, o discurso referencial convoca-se aqui como um discurso de autoridade. O nome de autor serve de anafórico ao seu discurso: o discurso referencial "convocado", forma e expansão, mas ausente, é representado no discurso que se faz, através da sua forma condensada e presente.

A citação em exergue representa, no conjunto do texto, a base da sua textura, o seu programa e o seu paradgma. Discurso sobre o trabalho da escrita, que o mesmo quer dizer aui, do significante, da objectividade do discurso dentro da obra, do carácter estrutural (literal) e de distanciação que a escrita implica, das condições de produção do discurso. Metadiscurso, portanto.