Realizou-se, ontem, 3 de Setembro, no Centro de Estudos Camilianos, em
Vila Nova de Famalicão, mais uma edição do projeto do poeta brasileiro
Wilmar Silva, «Portuguesia». É importante este projeto. Como já o
tenho referido a propósito do Festival de Poesia de Silves, dos filocafés e de outros encontros,
os poetas são os animadores culturais mais regulares e persistentes. Para já, movimentam-se muito
mais do que quaisquer outros artistas de nível não-popular, o que
necessariamente agita o intelecto das cidades e vilas onde os acontecimentos se
verificam. Do ponto de vista interno, os encontros permitem saber qual o
ponto da situação no desenvolvimento das técnicas e ideias poéticas,
estabelecer relações com colegas, o que é sobretudo vantajoso quando se
trata de colegas estrangeiros. As redes formam-se, as visitas
retribuem-se, a troca de conhecimentos estabelece-se, numa diplomacia
cultural que leva uns países ao encontro de outros. No caso do projeto
de Wilmar Silva, o impacto político do relacionamento é maior, porque a
atenção fica centrada na língua, chamando ao debate os poetas de
língua portuguesa e de línguas familiares.
Quando Delmar Gonçalves, moçambicano, aludiu ao problema de a Frente
de Libertação ter escolhido o Português para língua oficial, a seguir à
independência, retomou um problema político grave, a precisar de
soluções, uma vez que só uma pequena percentagem de moçambicanos - e o
mesmo acontece noutros países africanos de língua portuguesa, caso da
Guiné-Bissau - fala português. O número de línguas maternas é elevado e
o crioulo só agora começa a ter expressão escrita. Não é fácil tornar
materna a língua oficial nem transformar uma língua materna, minoritária
e desconhecida, num veículo de comunicação internacional.
Participaram nas sessões de debate e leitura umas dezenas de poetas e
ensaístas, a saber:
Brasil/Rio de Janeiro/RJ: Camila Vardarac
Brasil/São Paulo/SP: Beatriz Amaral, Elza Ramos Amaral
Brasil/Belo Horizonte/Minas Gerais: Olga Valeska, Regina Mello, Tábata
Morelo, Wilmar Silva
Espanha: Ignacio Martínez-Castignani
Finlândia: Rita Dahl
México:
Victor Sosa
Moçambique: Delmar Gonçalves
Portugal: Amadeu Gonçalves, Carlos Vinagre, João Rasteiro, Jorge Melícias, Jorge Velhote, José Pego, Luís Serguilha, Luísa Raposo,
Marília Lopes, Maria Elisa Ribeiro, Sara Canelhas,
Carlos Poças Falcão, Paulo Nogueira, Maria Estela
Guedes, Bruno Miguel Resende, António Pedro Ribeiro, Graça Capinha, Ivo
Machado, Maria do Sameiro Barroso, e outros.
Durante o dia, fez-se o lançamento de duas obras
volumosas: Koa'e, um conjunto de livros de poemas de Luís
Serguilha, que documentam a sua tendência experimentalista, quer no
âmbito da poesia, quer da língua, e mesmo do registo visual do texto.
Ficando claros também os seus interesses na interligação da poesia e da
ciência, num discurso que, apesar de fragmentário, ou anti-discursivo,
tem como referentes, por exemplo, os mais recentes estudos sobre o
funcionamento do cérebro.
Koa'e é uma edição Anome Livros, de Belo Horizonte,
com data de 2011, de 502 páginas.
A outra obra, acompanhada por CD, foi organizada por
Wilmar Silva e tem por título Portuguesia - contraantologia (Belo
Horizonte, Anome Livros, 2009, mais de 510 páginas). É uma bela
e extensa recolha de poemas oriundos de países de língua portuguesa, com
nomes muito altos, já bem conhecidos, e outros de enorme interesse
específico, porque se trata justamente de dar a conhecer ao mundo aquilo
cuja existência ignorávamos. Caso do lote de poetas da Guiné-Bissau,
país em que existe uma literatura nascente com autores de nível
internacional, como é o dramaturgo e ficcionista Abdulai Sila. Wilmar
Silva conseguiu a façanha de reunir sete ou oito poetas
bissau-guineenses, metade dos quais absolutamente novos para mim.
Pela voz de um dos seus autarcas, a Câmara Municipal
de Famalicão declarou interesse em continuar a patrocinar o projeto Portuguesia, gesto louvável, politicamente certeiro, numa
aliança feliz entre a modernidade e a herança de Camilo Castelo Branco.
Como atitude diplomática não podia merecer mais louvor, dada a situação
indigente em que nos encontramos, a precisarmos de apoio de países
irmãos como o Brasil, que vai a caminho de se tornar uma superpotência.
E Angola segue-lhe as passadas.
Maria Estela Guedes
Casa dos Banhos, 4 de Setembro de 2011 |