A MÃO SOBRE O MÁRMORE /JORGE LUÍS BORGES José António Gonçalves 04-04-2005 www.triplov.org |
Empresta-me a adaga para abrir as páginas cerradas do teu labirinto de espuma onde depositas os versos frescos Quero cortá-las uma a uma enquanto leio a poesia homérica com que abres as valas fundas da ignorância da terra Não preciso de segredar a tua presença na mesa do café e ouço-me a dizer aos empregados para trazerem um copo de água ao senhor Jorge Luís Borges Na escuridão impenetrável dos teus passos comedidos indiquei-te onde estava a mesa Sorridente parecias um deus procurando por uma deusa em que te inspirar para um poema crente no poder das musas As palavras que guardavas no olhar branco saíam então com a precisão do asceta que conhece os seus alforges Arrumaste-as numa amurada de pedra e caliça onde se assentavam as casas às vezes nas cidades malditas Ainda decerto acreditas na tua condição de descendente de portugueses e deves sê-lo com a tua herança de poeta Eu confirmo como nos espelhos havia o teu retrato em sereno movimento e alguém te tinha de cor colado à memória declamando os teus antigos poemas Logo recuperei um pedaço de história e li no mapa das cicatrizes do teu rosto como é no pensamento que se quebram as velhas algemas e se corre em liberdade pelo mundo transformando para sempre o frio de Setembro no calor de Agosto |
José António Gonçalves (inédito.08.05.04) |